‘A Garota no Trem’, de Paula Hawkins: suspense e sororidade

Cena do filme A Garota no Trem, com Emily Blunt
Livro 'A Garota no Trem' depois foi adaptado para o cinema, com atuação de Emily Blunt, que chegou até a concorrer a um Bafta.

O que achei mais interessante neste best-seller “A Garota no Trem” foi que, além de ser um suspense clássico, a autora Paula Hawkins também aborda uns assuntos que a gente vê com mais frequência nos dramas, como violência doméstica, alcoolismo e relacionamentos tóxicos.

Neste livro somos apresentados a três mulheres principais, que se revezam como narradoras em primeira pessoa: Rachel, Megan e Anna.

Cada uma delas tem um estilo diferente de narração e uma personalidade bem distinta também. Rachel é a que narra a história na maior parte do tempo, e o fato de ela sofrer com os apagões típicos dos alcoólatras faz com que o suspense se acentue, já que o que ela poderia lembrar talvez já solucionasse o mistério.

Nesse sentido, me lembrou outros narradores desmemoriados, embora estejam em livros bem diferentes deste aqui: Leite Derramado e O Gigante Enterrado. Nos três casos, dependemos, como leitores, de narradores que só se lembram das coisas de vez em quando, e nunca sabemos ao certo se estão se lembrando do que realmente aconteceu ou não.

Além de as narradoras se alternarem em termos de lembranças e de personalidades, os tempos em que se passam as histórias também são diferentes. Megan traz o contexto do passado, enquanto Rachel e Anna vivem o presente.

Lá pelo final do livro, no clímax, as linhas temporais se encontram (isso acontece também em Véspera, da Carla Madeira, sobre o qual escrevi bem recentemente).

Somos também apresentados a alguns homens – e eles, em menor ou maior grau, têm um comportamento tóxico em algum momento. Isso os posiciona como suspeitos naturais do crime.

Ao longo das quase 400 páginas, vai se desenrolando, assim, um thriller psicológico, que se torna mais complexo graças à personalidade instável de Rachel, que, além de alcoólatra, é um pouco voyeur – o que acaba nos fazendo perguntar de vez em quando se ela seria testemunha ou também suspeita.

E Anna? Uma mulher tão autocentrada e tão cheia de raiva como ela, não se descarta que possa ser suspeita também.

Enfim, a construção da narrativa é muito boa, por se reduzir a um núcleo pequeno de praticamente oito personagens, contando a amiga de Rachel, e em algum momento colocarmos quase todos eles sob suspeição. Não é esta a graça dos livros de mistério?

Outro atrativo é que Rachel, além de testemunha/suspeita, também exerce o papel de investigadora, ela própria. Acaba desvendando muito mais que os detetives de polícia, como estamos acostumados a ver nas histórias de Miss Marple, a simpática velhinha futriqueira criada por Agatha Christie. Mas ficamos sempre temendo que ela descubra algo que deponha contra ela própria.

Enfim, este foi o primeiro livro que li de Paula Hawkins (e o primeiro romance que ela lançou) e já considerei uma aventura interessante, bem costurada, cujo fio da meada a gente nunca perde, mesmo com a alternância das personagens-narradoras.

Além disso tem o diferencial de fazer um bom trabalho do psicológico de cada um, das intenções esquivas, dos dramas e loucuras por baixo das aparências supostamente normais, dos segredos que todos parecem guardar.

Vale a leitura, tanto para entretenimento quanto para uma pitada de reflexão sobre sororidade.

 

Capa do livro A Garota no Trem, de Paula Hawkins.

A Garota do Trem
Paula Hawkins
Ed. Record
377 páginas
R$ 32,99 na Amazon

 


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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

2 comments

  1. Antes de ler seu texto, eu procurava ontem um livro para reler e achei “The Girl on The Train”, que ganhei em 2015 (acho que de sua mãe, quando ela voltou de um passeio em Tampa para visitar duas irmãs que moram lá). Hoje li seu post e ganhei ânimo novo para reler o livro capa dura americano. Muito bom mesmo.

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