Poetas excluídos

(Foto: CMC)

Eu que passo pela casa e

na porta entreaberta

vejo música.

Um piano delicado que me olha

(me ignora)

mas eu rio.

E espio e espero

pela porta.

Não se importa (enquanto escuto deslumbrada).

Assustada, chega a dona

e tranca a porta!

(e me corta.)

Vou-me embora

muito embora não entenda.

 

Que mal há em ouvir a música dos outros?

Que mal há em olhar o vizinho pelos olhos?

(Bem nos olhos.)

Em soltar os ouvidos pela aorta,

invadir espaços,

derrubar as portas?

 

As pessoas não mais vivem:

elas correm,

elas trotam trotam trotam.

Não se importam.

Que importa tocar piano pra si mesmo?

Fazer poemas pra si mesmo?

Olhar apenas pra si mesmo?

 

A árvore da praça me existe há quinze anos

e nem sei seu nome.

Mas, mesmo assim, sei que é a mais bonita.

(09/05/2006)


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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

8 comments

  1. A arte só se manisfesta se há alguem que a admire; a natureza também. A exclusão do Homem pelo Homem, limita o alcance da arte e da natureza…excluindo o criador (poeta?).
    Linda poesia, Cristina…
    Abraços.

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  2. Sou suspeito para opinar, Cris. Mas, muito bom! A árvore da praça, uma frondosa paineira, continua lá. A qualquer dia, volta a florescer. O que não volta mais é o nome da praça: Primavera. Foi mudado por vereadores insanos, para homenagear um jornalista picareta. O tempora, o mores, como diria Cícero – que não era poeta na Roma antiga, mas sabia das coisas.

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  3. “As pessoas não mais vivem:
    elas correm,
    elas trotam trotam trotam.
    Não se importam.
    Que importa tocar piano pra si mesmo?
    Fazer poemas pra si mesmo?
    Olhar apenas pra si mesmo?”

    E quando trotam trotam trotam atropelam o sentido das coisas, e isso me lembra mestre Caeiro, sobretudo quando faz referência à árvore da praça.

    Lembro-me também do coelho de Alice…é tarde é tarde é tarde…trotam trotam trotam.

    Azar dos apressados!

    Bj

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