Maldito sonho de terror

Freddy Krueger ataca novamente.

Estamos em alguma casa que não é a nossa.

Algo que me diz que seria uma casa de praia, mas não sei de quem.

Há beliches, muitas beliches. Está escuro. É noite alta, madrugada.

Faz frio.

Eu acordo o tempo todo, para ir cobrir alguém.

Checo uma das minhas irmãs, jogo o lençol sobre ela.

Verifico a outra irmã.

Os pais.

O irmão.

A casa está cheia de gente e toda hora eu acordo e vou cobrir alguém. Como se tivesse sido contratada para fazer essa vigilância noturna.

Num dos intervalos, em que estou dormindo, um narrador onisciente e onipresente, como um deus, vê meu pai levantando-se da cama e indo me acordar.

Seu semblante é tristíssimo.

“Está na hora de se despedir.”

Compreendo, desesperada.

Me encaminho para a cama onde está minha mãe (até pouco tempo atrás, nos tempos dos sonhos, dormindo tranquilamente).

E o que vejo é a cena mais triste do mundo: ela está morrendo.

Com dificuldade para respirar, tentando falar algo num esgar de dor, com a mão no peito. Essa falta de ar aflitiva dura uma eternidade, enquanto eu choro muito e digo que temos que chamar um médico e que a amo e tento ouvir o que ela quer dizer, naquele esforço todo, sem conseguir.


Acordo. Olho para o teto do quarto sem compreender. Onde estou? Em Beagá? Na praia? No apartamento da minha infância? O lugar é irreconhecível. Só depois de algum tempo lembro que moro em São Paulo, tão longe da minha mãe e do resto da família, que àquela hora devia estar com frio, precisando ser coberta. E a primeira coisa que me vem à cabeça, naquele momento, é: “Por que estou aqui, e não lá?” A segunda: “E se um dia algum deles estiver morrendo e eu não puder voar até o quarto para dizer que os amo, para ter certeza de que sabem disso?” E assim foram se encadeando várias outras perguntas sombrias.

Quis mandar uma mensagem para a minha mãe naquela hora mesmo, dizendo que a amava, mas isso só a teria acordado num susto.

Custei a dormir de novo.

Quando eu era pequena, vivia tendo “sonhos ruins” em que ou meu pai ou minha mãe morriam. Eu acordava banhada de lágrimas. Talvez por isso, antes de ir dormir, meu pai me dizia: “Só sonha sonho bom.” Um dos dois me ensinou que, num pesadelo, eu deveria acordar e ir fazer xixi, porque aquele terror todo era meu cérebro querendo me alertar de que algo estava errado com meu corpo (tipo minha bexiga estourando). Não sei se isso tem algum sentido científico, mas, psicologicamente, fazer xixi sempre me ajudou a me tranquilizar e pegar no sono de novo.

E aí eu sonhava com várias aventuras, sonhava que era detetive, que invadia trens e outros sonhos que sempre adorei ter, mas sumiam da minha memória assim que eu acordava.

Os sonhos ruins são piores por isso: não só não somem como nos perturbam durante todo o dia seguinte. (Mas ao menos nos lembram de que é importante reforçar aos que amamos o quanto os amamos, porque declarar isso nunca é suficiente :))


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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

16 comments

  1. Também tenho esse problema com os sonhos ruins. Nos dias de pesadelo, quando vejo algo – pode ser um objeto, ou uma ação- parecido com o que vi no sonho, toda a sensação volta. Nunca entendi.

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  2. Fico imaginando todas aquelas pessoas que povoaram seu pesadelo lendo, agora, seu texto. Penso que terão duas sensações. Uma, pena de você pelo sono perturbado por esse pesadelo; outra, de imensa satisfação, por poderem avaliar o tamanho de seu amor.
    Abraços.

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  3. Cris, acho que pesadelo é mais do que um aviso da mente de que algo vai mal com nosso corpo, naquele momento. É uma criação tão importante que dele nos lembramos, com frequência, depois de acordados e, às vezes, por dias seguidos. Principalmente aqueles pesadelos que mais parecem um filme de Fellini. Nos tempos bíblicos, houve um José que sabia interpretar sonhos. Não eu, um simples Zé. Por isso é que, na minha ignorância, digo, “só sonhe sonhos bons”. Pois, se soubesse, não dizia isso nem brincando. Mas desconfio que o pesadelo representa muito mais para a nossa sanidade do que imagina nossa vã filosofia. Principalmente sonho com morte. Será por que morte – ou ameaça de morte -, quando sonhada, é pesadelo? Mas, não é a morte o que dá sentido à vida? Sem a morte – e a morte trágica, em especial – não haveria grandes obras literárias, não é mesmo? Não haveria romances e nem filosofias. Para não falar em religiões e, pensando bem, em tudo mais. Bons sonhos… (e nós também te amamos!)

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      1. Tenho uma hipótese de que sim. Se vc dorme de um jeito que seu coração fica comprimido (normalmente deitado de lado e meio encolhido), a sensação de angústia leva a um sonho angustiante.

        Claro, não que funcione pra todo mundo. Mas tenho suspeita de que ocorra isso em muitas pessoas.

        []s,

        Roberto Takata

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  4. Kika, encontrei seu blog pelo twitter.
    Desde então leio suas palavras sinceras como uma rotina alegre dos meus dias.
    Já senti exatamente como no seu post. Ao lê-lo fiquei estranhamente contente em saber que nem todos os pesadelos que temos, sonhamos sozinhos…
    a partir de agora Sonhos bons!

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  5. tenho dez anos e até hoje tenho medo de escuro por causa da minha bisa vó que faleseu sonho com ela todas as noites e até escuto a voz dela eu fico apavorada

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    1. Não tenha medo… Afinal, era sua bisavó e vc deve ter boas lembranças dela. Tente se focar nessas boas lembranças e pensar que sua bisavó jamais te faria qualquer mal e a última coisa que ela quer é te ver assustada ou triste. bjos

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