Em defesa da leveza na vida e da permissividade no humor

É um show de piadas. Comédia stand up, como se diz. O auge da moda. O cara é pago para ficar num palco, de frente para um público de negros, gays, mulheres, nordestinos, gaúchos, cruzeirenses, são-paulinos, judeus, gordos, carecas, pobres e loiras e contar piadas, por duas horas seguidas, muitas vezes sobre negros, gays, mulheres, nordestinos etc. Os bons contam de improviso, mesclando com o noticiário do dia, com os assuntos atuais, com o que vê no público*. Os ruins seguem um roteirinho já totalmente montado. Já tem até curso ensinando como faz.

Pois bem. Ben Ludmer estava no Teatro Folha na madrugada de sábado, onde levei minha mãe e irmã e cunhado para verem uma stand up na última vez em que estive lá, contando piadas sobre gordos. Detalhe: ele é gordo. Ou seja, ele foi pelo caminho menos arriscado do humor, já que estava com carta-branca para falar de um “pecado” que ele mesmo possui.

Pra quê: levou porrada (literalmente) de um gordo da plateia, que tinha sido provocado (parêntesis: stand up é pra isso mesmo: o humorista interage com seu público o tempo todo*. Se o espectador não gosta disso, que ligue a televisão no Zorra Total).

Essa notícia que o G1 publicou me deu oportunidade pra tratar de um assunto que há muito eu queria abordar: como o mundo anda cinza e rabugento.

Sério: que bom que avançamos e progredimos o suficiente para que, na lei, os racistas paguem por seu racismo, as mulheres tenham oportunidades de trabalho iguais às dos homens e, mais recentemente, os homossexuais possam cadastrar o cônjuge no plano de saúde, receber pensão e adotar um filho. Todas essas mudanças culturais vieram com a seriedade com que a sociedade passou a tratar os direitos humanos.

O problema, na minha opinião, é quando essa seriedade se torna uma patrulha do politicamente correto, que às vezes foge do razoável.

Na linguagem, por exemplo. Não conheço um negro sequer que prefira ser chamado de afrodescendente. Ele é negro, e com muito orgulho. A cultura é negra. O meu amado blues é músico negra. Todos os ativistas que conheço, mesmo os mais ferrenhos, gostam de usar essa palavra para se autoafirmar, afirmar seu “orgulho negro”. Não seu orgulho afrodescendente!

Querem outra? Favela. Quando eu ainda era estagiária, escrevi uma matéria sobre o CarnaFavela, um evento que aconteceria naquele fevereiro, em vários morros de Beagá. Pois não é que a editora queria que eu colocasse que a festa se passaria em uma “comunidade”? Porra, se o próprio morador da favela, organizador do evento, quis ressaltar no nome da festa que ela era na Favela, com F maiúsculo e tudo, por que eu deveria esconder essa informação do texto?!

Vou radicalizar. “Viado” (o palavrão é com i, né?). É óbvio e evidente que chamar um homossexual de viado não é legal. É ofensivo, pejorativo, agressivo e tudo o mais. Mas e se você chama um imbecil de viado, sem nem passar pela sua cabeça a associação com o uso homossexual do termo? Se, na sua linguagem, viado é sinônimo de imbecil, sem qualquer conotação homofóbica nisso? Não pode? Mas dizer que o sujeito está sendo homofóbico não é o mesmo que assumir antecipadamente que todo “viado” é gay? Porque, afinal, você está partindo de um pressuposto linguístico que você criou, e que nada tem a ver com o significado que paira pela cabeça daquela pessoa que soltou o palavrão, que apenas pensava no imbecil, seja ele hetero, gay ou assexuado.

Com esses exemplos já deu pra ver o que acho da radicalização do politicamente correto na língua, né? É claro que avançamos também nisso, porque hoje ninguém se dirige a um negro chamando ele de “crioulo”, nem a um gay falando que ele é “viado”. Também faz sentido que um “deficiente” tenha virado uma pessoa com deficiência, porque é uma sutileza sensível. Isso tudo é um avanço. Mas a tucanização de todas as palavras, até chegar ao ridículo do cego ter que virar “pessoa com deficiência visual” me tira do sério. Afinal, a palavra “cego” é pejorativa? É ofensiva? Por quê? (E eu gostaria de saber o que os cegos acham disso, claro. Suspeito que pensem como os negros no exemplo acima.)

Da linguagem pulo para outro campo que acho que está apanhando de forma intransigente e até burra com o avançar do progresso: o humor.

Aqui eu faço uma pausa para que todos leiam o ótimo texto do Hélio Schwartsman sobre o assunto (está aberto neste blog). Um trechinho:

“O humor também encerra dinâmicas emocionais. Ele de alguma forma se relaciona com a surpresa.
Kant, na “Crítica do Juízo”, diz que o riso é o resultado da “súbita transformação de uma expectativa tensa em nada”. Rimos porque nos sentimos aliviados. É nesse contexto que se torna plausível rir de desgraças alheias.
Em alemão, até existe uma palavra para isso: “Schadenfreude”, que é o sentimento de alegria ou prazer provocado pelo sofrimento de terceiros. Não necessariamente estamos felizes pelo infortúnio do outro, mas sentimo-nos aliviados com o fato de não termos sido nós a vítima.
Mais ou menos na mesma linha vai o filósofo francês Henri Bergson (1859-1941). Em “O Riso”, ele observa que muitas piadas exigem “uma anestesia momentânea do coração”. A crueldade é explícita nos chistes mais primitivos (como a “Casa dos Autistas”), mas sobrevive mesmo nos gracejos mais elaborados, na forma de malícia (caso das piadas em que se comparam diversas nacionalidades), autodepreciação (típica do humor judaico) ou, mais simplesmente, na suspensão da solidariedade para com a vítima (sim, piadas geralmente têm vítimas).”

Com isso estou defendendo o Rafinha Bastos, que disse que toda feia tem que agradecer pela “oportunidade” de ter sido estuprada e que o estuprador merece um abraço? Não exatamente. É óbvio que isso ofende as mulheres, especialmente as que passaram pela dor irreparável de terem sido estupradas. Assim como a piada do gordo ofende ao gordo e a do negro ofende ao negro e a do gay ofende ao gay. Eu só acho que o campo do humor tem certas permissividades (no sentido amplo dessa palavra) até em nome da sobrevivência do próprio humor.

E vai caber ao humorista equilibrar a graça, o choque (de que trata o artigo do Hélio) e o BOM SENSO — essa coisa rara (que faltou ao Rafinha Bastos).

Vou pegar um exemplo. Pensemos no programa humorístico menos apelativo e mais inocente já feito até hoje. O primeiro que me vem à cabeça, e imagino que a maioria vai concordar comigo, é o Chaves e o Chapolin, geniais, que já fazem rir três gerações de brasileiros. O Chaves era até progressista demais, ao fazer com que a Chiquinha e a Dona Florinda fossem as verdadeiras manda-chuvas numa época em que o machismo ainda era muito dominante. Também não fazia piadas com gays ou negros ou piadas xenófobas etc.

No entanto, mesmo o inocente Chaves fazia piadas constantes com os gordos Seu Barriga e Nhonho. Com o esfarrapado de pobre Seu Madruga. Com a feia e velha Senhorita Clotilde. E rolava até agressões físicas contra o garoto de oito anos chamado Chaves. Na onda do politicamente correto de hoje, até o Chaves seria censurável por tudo isso!

O que dizer dos Trapalhões, que xingavam o cabeçudo cearense do Didi, o negão manguaçudo do Mussum, batiam na bunda de mulheres, faziam piadas com gays etc?

Viramos pessoas piores por assistir a esses programas? Não, pelo contrário. O mundo, como eu já disse neste post, avançou. Progrediu. Mas está, ao mesmo tempo, se tornando um lugar sombrio, onde qualquer risada pode ser censurada na Justiça, e qualquer piada é levada a sério demais com um murro.

O que eu proponho, com esta bíblia de post (sorry!), é a defesa da leveza. Do bom humor. Vamos continuar progredindo na letra da lei, nas escolas, mas vamos suspender o excesso de seriedade nas colunas do Zé Simão, nos palcos de uma Comédia Stand Up, nos programas do Chaves! Precisamos de humor para respirar, para nos lembrar que a vida é uma coisa engraçada que ninguém sabe muito bem pra que serve. Abaixo os rabugentos que se levam a sério demais!

* Certa vez fui ao Teatro Folha e o excelente humorista Marcio Ribeiro me viu comendo um sacão de pipoca e tentando aplaudir enquanto comia, desengonçadamente. Ele me zuou na frente de todos, depois perguntou meu nome. E a cada piada que ele fazia, adivinha quem ele usava de exemplo? A Cris da pipoca. Eu estava sozinha, tinha acabado de levar um pé-na-bunda, estava tristonha e meio mal-humorada. Fiquei super sem-graça de ter virado exemplo dele e isso tinha tudo pra ter estragado minha noite. Mas levei no bom humor, na esportiva. O resultado é que saí de lá com a alma leve, de tanto rir! Ri de todas aquelas piadas politicamente incorretas — mas ri, sobretudo, de mim mesma. E da vida. É o que deveríamos fazer mais vezes 😉

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

35 comentários

  1. Vou discordar também disso que o mundo esteja mais chato. São raríssimos os casos de agressão física aos comediantes durante suas apresentações: tanto é que vira notícia quando ocorre.

    Se fizer uma estatística de casos de agressão por horas trabalhadas entre professores (veja bem, professores) e comediantes, veremos como estes estão em uma situação muito, mas muito mais confortável.

    Boa parte da impressão de que o mundo está mais chato deriva da visibilidade que grupos minoritários passaram a ter.

    O idiota que agrediu o humorista não faz parte de um grupo de ortopoliticoterroristas. É apenas um infeliz – e q talvez estivesse em um mal dia ou tivesse problemas pessoais com o artista ou talvez tenha problemas mentais mais sérios (mas isso não temos como saber).

    Precisamos tomar cuidado com o que se chama de viés de seleção: capturar apenas casos que pareçam confirmar nossa impressão inicial, ignorando ou sem dar atenção para os casos que vão em sentido oposto – se o mundo está mais chato, por exemplo, por que há tanto shows standupes, qdo há menos de uma década eram raríssimos?

    É possível que haja maior oportunidade de confrontação, mas não por um aumento da chatice do mundo – mas apenas porque há mais situações de interação e de conflito.

    []s,

    Roberto Takata

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    1. Pode ser que vc tenha razão nas linhas gerais do seu argumento, especialmente no final, mas eu só queria deixar claro que o pressuposto está errado: eu não acho que o mundo esteja chato por causa do murro que o sujeito levou. O murro foi só o gancho pra eu falar de todas as chatices que venho percebendo, como o excessivo patrulhamento da língua, indo de encontro até à lógica dos ativistas mais inteligentes, a gritaria geral quando um sujeito tuíta uma asneira, a censura pela via judicial, que não acontece só no humor, e mesmo as asneiras que estão sendo produzidas na televisão (outro dia vi uma série idiota de uma família com três filhos, da Warner, que esqueci como chama, que é uma das coisas mais estúpidas a que já assisti, e não tem nada politicamente incorreto — assim como não tem graça). bjos

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      1. Somo chatos, sim (ooops, será que já posso me enquadrar como jornalista?). Mas tem uns que são chatos além da conta. Patrulha ortográfica às 00:30 é sério demais. Bjs e boa noite…rs

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  2. Oi Cris

    “Mas e se você chama um imbecil de viado, sem nem passar pela sua cabeça a associação com o uso homossexual do termo? Se, na sua linguagem, viado é sinônimo de imbecil, sem qualquer conotação homofóbica nisso? Não pode?”

    Acho que não, não pode. Mesmo.

    É um exemplo de como já está arraigado. E as pessoas precisam saber que o que elas já automatizaram para si é algo que elas precisam mudar. A correção política é um porre porque ela exige que as pessoas policiem a si mesmas, mas a grande questão é que as pessoas, em tese, deveriam querer se policiar e deveriam reconhecer que estão erradas quando usam o termo errado, mesmo que não seja um preconceito intencional.

    Senão, aí é que não acaba mesmo. O que as pessoas não podem é usar o preconceito que já foi internalizado como desculpa para diminuir o problema.

    O ponto onde provavelmente concordamos é que não basta a hipocrisia do argumento de quem quer combater o preconceito só policiando as palavras. Preconceito se combate de verdade com políticas que sinalizem claramente a intenção da sociedade de querer mudar as coisas (há quem concorde com a criminalização do preconceito, há quem concorde com políticas afirmativas, não vou entrar no mérito do “como”) e com conscientização das pessoas sobre noções básicas de igualdade e justiça. Lembrando que nem todos querem realmente igualdade ou justiça, porque na equação, pode ser que eles não estejam ganhando nada, ou até mesmo perdendo.

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    1. Concordo com todas as políticas afirmativas e de cotas, concordo com a criminalização dos preconceitos, me considero a pessoa menos preconceituosa do planeta e continuo discordando do policiamento exacerbado das palavras, inclusive daquelas que as pessoas associam ao preconceito e outras dizem com outra intenção. A língua é dinâmica e nem sempre o que originou um termo vai justificá-lo pro resto da vida. É por isso que cego continua não sendo um termo pejorativo, mas deficiente é. E viado começou a ser usado contra os gays, mas hoje é usado para se dirigir ao seu melhor amigo, quase que como um vocativo.

      bjos

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      1. Só pra complementar:

        ninguém xinga o colega que deu uma manota de “mongol” pensando nas criancinhas que têm mongolismo. Até porque todas elas já são respeitosamente identificadas como crianças com deficiência intelectual. Anos atrás, idiota era o sujeito que possuía “idiotia”, outra deficiência mental. Hoje ninguém pensa nisso ao chamar o cara que furou o sinal vermelho de idiota. E “viado”, quando foi cunhada, vinha de “transviado”. Ou “extraviado, perdido”, segundo os dicionários. Era uma forma pejorativa de se falar do homossexual. Mas hoje você chama de viado o juiz que deixou de marcar um pênalti e nem passa pela sua cabeça a conotação original. O que eu quero defender é que os sentidos das palavras mudam com o tempo e hoje essas três viraram xingamentos lights, que já não têm mais nada a ver com as conotações preconceituosas originais (ou pelo menos a grande maioria não usa com essa conotação, e não acho que deva ser condenada por uma minoria perversa, que provavelmente opta por termos muito mais pesados). E, aliás, temos que ter palavras para os xingamentos, que são expressões de sentimentos importantes, que existem desde sempre.

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      2. Não consigo responder seu complemento de resposta 🙂 Por favor, leia como se eu estivesse respondendo o “Só pra complementar:”

        Por outro lado, não podemos tirar o direito do pai de uma pessoa com mongolismo, que esteja batalhando para conseguir vagas nas escolas para seu filho (algo que é absolutamente muito difícil, pq poucas escolas aceitam e é uma prerrogativa delas, escolha qual dessas duas coisas é pior) de querer que as pessoas não usem a expressão “mongol” como xingamento, mesmo que alguém não esteja usando neste sentido, já que muitas vezes, essa pessoa possa estar engajada na causa de tentar obter uma atitude melhor da sociedade com seu filho. Se essa pessoa quer que as pessoas entendam que uma pessoa com mongolismo seja tratada com dignidade e que tenha oportunidades de uma vida normal, dentro de suas possibilidades (e a cada dia que passa, tem aumentado, graças a deus), pq ela não pode ou não deve pleitear a mudança dessa atitude?

        Se uma criança numa escola resolver chamar o coleguinha com mongolismo de “mongol”, e tiver como argumento que o xingamento não foi intencional e que socialmente é aceitável porque seus pais usam esse xingamento no trânsito, vc acha justo que o coleguinha com mongolismo e seus pais se acostumem com isso pq é muito difícil mudar isso ou porque não há intenção de ofensa real?

        Não é pq vc se considera uma pessoa cidadã e desprovida de preconceitos, e que você use os xingamentos racistas, homofóbicos, preconceituosos ou etc de forma não intencional que isto te isenta de estar ofendendo outras pessoas. Pode até tornar sua ofensa dolosa, mas não deixa de ofender e continuar sendo um problema. Só demonstra que ao invés de mudar sua atitude, vc prefere que as pessoas tentem relevar o seu uso indevido dos xingamentos racistas, homofóbicos e preconceituosos adivinhando pelo contexto a sua intenção por trás deles. Não é deixar um pouco de peso demais nos ombros do receptor da mensagem?

        Mais uma vez, eu lamento que a correção política tenha que vir de cima para baixo, e isso para mim só reflete em como é difícil mudar as coisas na sociedade. As pessoas se sentem cerceadas, censuradas, irritadas e vigiadas por outras pessoas chatas e que ficam se atendo a picuinhas. E, bem, elas estão mesmo. O bom mesmo seria se as pessoas parassem para pensar um pouco no que está por trás dos pequenos xingamentos como “viado” ou “bicha” ou “mongol” e sentissem, além do desejo de viver numa sociedade mais inclusiva, um pouco de vergonha da nossa atual situação social. E tentassem fazer algo a respeito, não só no âmbito do que é mais efetivo, como na luta pelas igualdades de direitos civis, políticas afirmativas, ou como quer que elas acreditem que funcione melhor, mas também na demonstração do dia a dia de que até as pequenas coisas (pequenas para nós, claro) precisam mudar.

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      3. Sim, mas a partir do momento que “mongol” passa a ser usado como um xingamento até de forma não intencional e começa a ser visto de forma pejorativa pelos próprios pais das crianças com mongolismo, acho que o foco da luta é que tem que mudar, ou de como gastar as energias lutando. Por exemplo, ao se generalizar o uso de “pessoa com deficiência intelectual” em casos assim, ao se cobrar políticas alternativas, cotas, escolas especiais etc. Quero lembrar que “idiota”, como xingamento, já foi até dicionarizado! Não vai demorar para mongol e viado também serem. No mais, a discussão tá muito boa, mas acho que nenhum dos dois vai mudar de ideia quanto a esse aspecto linguístico da coisa 😉 bjos

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      4. Finalmente, eu entendo o ponto de que uma pessoa xingando o goleiro de viado não está sendo intencionalmente homofóbico.

        Mas a questão é que ele está sendo homofóbico, e não é porque não haja intenção que não seja uma pessoa usando o termo errado.

        Correção política é uma chatice, mas, bem, educação também é uma chatice, até que se acostume ;-). E tomar cuidado para não usar o “viado” para xingar o goleiro também pode significar um esforço sincero de mudança.

        Bem, eu me vejo me policiando para não falar tantos palavrões perto da Teresa e tentando ser uma pessoa melhor na esperança que ela obtenha algo pelo exemplo. Eu sei que ela tem um mundo inteiro indo na direção contrária. Será que sou eu quem está errado? Talvez. 😉

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      5. Engraçado, eu não acho que palavrão e xingamentos sejam um problema. Vejo mais como uma forma necessária de expressão do sentimento de raiva, irritação, incômodo e outros sentimentos tão humanos. Por isso, existem desde que a humanidade existe. São parte fundamental da língua. Cresci ouvindo minha mãe falar palavrão e não acho que isso tenha me deseducado. Sei as horas e os motivos para usá-los, geralmente como interjeição de desabafo, não dirigido a ninguém. Minha sobrinha de três anos aprendeu uma expressão com a mãe e de vez em quando se volta para o pernilongo, toda bravinha, e fala: “penilongo fedauta!” Ela nem faz ideia do que seja uma puta, muito menos o filho de uma, mas sabe que aquela é uma forma de mostrar seu desagrado com um pernilongo. E não vejo problema nenhum nisso, acho até bonitinho 😀

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      6. eu também acho bonitinho 🙂 mas como pai, não é meu dever achar bonitinho. Eu quero que ela cresça e saiba quando e onde usar os palavrões, assim como vc.

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      7. E não é proibindo de falar palavrões (tão essenciais pra expressão) que vc vai garantir isso. A censura total nunca é o caminho. Como eu disse, sei falar na hora certa, mesmo tendo crescido ouvindo palavrões em casa.

        E complementando o que eu disse antes, o pai do menininho com mongolismo certamente já xingou muita gente de mongol, sem nunca ocorrer a ele a associação com a origem do termo. Por isso acho que as pessoas têm que canalizar suas lutas para coisas mais úteis do que palavras que todo mundo sabe que nunca são ditas no contexto de preconceito em que originalmente foram criadas. Nem são tantas palavras assim: crioulo continua pejorativo até hoje. Mas mongol, não (pelo menos não no sentido da síndrome). Nem viado (no sentido dos “transviados”).

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    2. Cristina, estava lendo o seu post agora e sabia desde o início que ia entrar na questão do ‘viado’, que já foi tema de uma discussão acirrada nossa, lembra? Assino embaixo do Leo K, ainda bem que não sou a única ‘politicamente correta’ chata nessa história! Na questão da intenção, você já chamou um amigo seu carinhosamente de crioulo, querendo só dizer que ele é preguiçoso pq não foi no bar naquele dia, sem em momento algum se lembrar dos negros? Acho que essa é a questão do viado, não importa como a palavra surgiu, na hora em que você chama alguém assim, você a está relacionando com um contexto em que pessoas foram discriminadas por ela, mesmo que faça isso inconscientemente. E isso ofende muita gente, eu, inclusive! OFFTOPIC- fez falta ontem, beijos!

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      1. Uai, nunca ouvi falar de crioulo sendo usando no sentido de preguiçoso ou qualquer outro, sem cunho racista. Viado eu já vi sendo usado como perna-de-pau que perdeu um gol ou idiota que me fechou no trânsito, sem qualquer intenção homofóbica. bjos

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      2. já vi, tanto meu pai quanto meu avô usando crioulo para falar de amigos. E não é que a palavra seja considerada preconceituosa desde sua ‘criação’, ela já foi considerada inofensiva porque, afinal, quem se sentia ofendido com a palavra não tinha esse direito, ela não necessáriamente estava sendo usada pejorativamente contra esse grupo de pessoas. Isso até que o ‘politicamente correto’ e a luta contra o racismo fez com que ela passasse a ser mal-vista. É o caso que já acontece com ‘mongol’, poucas pessoas usam esse termo hoje em dia, e, até para se referir à doença, o termo já foi modificado (algo que também está acontecendo com ‘lepra’) por conta da carga negativa que uma simples palavra pode trazer para um grupo de pessoas. Enfim, não consigo lembrar de outra palavra que seja tão corrente e ofensiva como ‘viado’ hoje em dia, talvez porque eu não seja deficiente auditiva ou visual pra ficar falando de cego/surdo. Bom-senso é algo complicado de definir, e só o tempo mesmo pra consolidar/excluir uma palavra do uso comum… Pra todas essas guerrinhas linguísticas existem as forças contra e a favor, não necessariamente relacionadas com o ‘politicamente correto’, alguma delas vai sair vitoriosa no final das contas, espero que seja a contra o ‘viado’, rá! PS: não sei se estou respondendo no lugar certo, o botão ‘responder’ não apareceu pra última mensagem!

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      3. Pois é, meu pai tava falando aqui que crioulo não era considerado pejorativo na infância dele. Hoje é. Do mesmo jeito que, na minha opinião, viado era usado para ofender gays e hoje não é dito com essa intenção por 90% das pessoas. As palavras mudam e as guerrinhas linguísticas ou do politicamente correto vão continuar para todo o sempre, ou enquanto existirem palavras. São coisas da vida.

        No mais, desde que li esta matéria: http://integras.blogspot.com/2011/06/raciocinio-evoluiu-por-causa-de.html não tenho mais nenhuma pretensão de convencer ninguém de nada nesse planeta e entro em discussões de qualquer espécie com a maior preguiça do universo porque parto do princípio de que aqueles que concordam comigo já tinham aquela opinião prévia e se alguém que pensava diferente se convenceu do que eu disse só pelo raciocínio lógico descartiano, certamente foi um acidente cósmico. A mesma dificuldade para que eu me convença de alguma ideia diametralmente oposta à minha convicção pessoal, claro. O importante é que continuemos, as duas, sem preconceitos de ordem homofóbica. E feliz niver pra ti 🙂

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  3. O caso do cego me fez lembrar de um amigo que é careca. E odeia que toquem no assunto da calvície dele. Não estou nem falando de quando alguém fala “E aí, Careca?”, algo que ninguém faz com ele. É quando a calvície é meramente citada. A resposta costuma ser um “Eu não sou careca!”, como se a negação tornasse o fato menos verdadeiro. As pessoas devem imaginar algo parecido em relação ao cego. “Talvez, se eu não citar, ele não seja cego.” Ok, algo mais realista: “Talvez, seu não citar, ele não perceba que eu percebi que ele é cego.”

    E, a partir de agora, este blog já poderia ter um nome: “Cris da Pipoca”!

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    1. Faz muito sentido isso que você disse agora! Muitas vezes penso que o cara que policia demais e só sabe falar na base do politicamente correto é o mais preconceituoso de todos. Porque ele acha “menor” que o cara seja negro, e aí diz, todo cuidadoso, que é afrodescendente. Outro termo que não aguento: “Ele é… hummm… moreno”. Como se fosse um xingamento dizer que o sujeito é negro. Não é, ele é negro, isso é bom para ele, não é algo que deva ser escondido ou camuflado em outras palavras! Em “eufemismos”, do ponto de vista do preconceituoso…

      bjos
      Cris da Pipoca (aiaiaiai, vai se pega)

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  4. Cris, é realmente muito chato esse policiamento com certas palavras como gordo, viado, negão, que você usa na maioria das vezes sem sentido pejorativo. E acredito que vai demorar um tempo para nos acostumarmos com obeso, homossexual e afrodescendentão. O que dá raiva muitas vezes é que alguns dele podem ser usados sem frescura por quem se identifica como tal. Por exemplo, eu por ter descendência nordestina brinco como quero com cabeça chata, ceariba, cabeçudo etc, e da mesma forma não vejo problemas por se chamado assim. Quando cheguei do Ceará, com meu sotaque carregado na 7ª série, fui apelidado de ‘Présente’, pela forma como respondia a chamada. No universo gay, todos se chamam de bicha, os negros se chamam de preto, preta. Isso não é tão simples se você for de fora da turma.

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  5. Cristina gostei do seu blog e sobre esse caso, que já tinha lido, sobre o ‘gordo’ que ‘porrou’ o humorista gordo. A ‘coisa’ tá assim. O pessoal anda sem paciência, mau humorado, geralmente duro ou com problemas vários e ressente-se(?) por qualquer ‘coisa’, inclusive para ganhar ‘algum’, o que é normal hoje em dia.
    As pessoas também estão ‘mazinhas’, cheias de más intenções e qualquer motivo será pano para mangas. O governo também dá a sua cota parte ao promover(?) o politicamente correto(?) de uma forma incorreta. O humor sempre foi soberano, alegre, mordaz e até escrachante, desde que não haja exacerbamento dos ânimos e das intenções.
    Sempre se falou sobre negros, gays, gordos, portugueses, japoneses e outros temas, mas hoje, parece que, num passe de mágica politicamente correta, resolveu-se partir para a ‘caça às bruxas’!
    Pelo jeito, o humor vai virar drama!
    Um abraço.
    nelson pec

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  6. “o mundo anda cinza e rabugento”. É, também acho. Eu não me recordo especificamente quem foi que disse algo parecido com “o politicamente correto ainda vai acabar o humor” – se foi o Jim Davis ( pai do Garfield) ou o Mort Walker ( do Recruta Zero).

    Como era mesmo o nome daquele humorista cego que fazia piadas sobre cegos e chegou a um desses programas de TV com o (batido) formato de “Escolinha”? Creio que era Geraldo, mas não lembro do sobrenome. Eu achava muito engraçado, como achava engraçado o Costinha contando piadas de bicha ( não tinha quem não gargalhasse) e o Caco Antibes do “Sai de Baixo” falando tudo aquilo dos pobres. Sem falar das HQ´s do Tio Patinhas carregadas de estereótipos em relação aos “nativos” e “folgados” dos países onde o pato ia caçar os tesouros e aventuras.

    Claro que tem gente que exagera – como foi o caso do Rafinha Bastos – e tem gente por aí que força demais com essa onda do stand-up. Vejo pelo youtube um pessoal que se diz humorista e é muito sem graça, fazem na verdade ofensas gratuitas utilizando um sarcasmo que a mim causa mais constrangimento do que riso. Humor requer leveza. Já que o Hélio Schwartsman citou Kant e Bergson, cito Comte-Sponville:

    “Podemos gracejar sobre tudo: fracasso, sobre a doença, sobre a guerra, sobre a tortura, sobre a morte, sobre o amor…mas é preciso que esse riso acrescente um pouco de alegria, um pouco de doçura ou de leveza à miséria do mundo, e não mais ódio, sofrimento ou desprezo (…) daí o humor, que pode fazer rir de tudo contanto que ria primeiro de si”.

    E chega que já é quase 01:00 e tenho que dormir um bocadinho para não acordar de mau humor na manhã seguinte 🙂 bj

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    1. Perfeita a citação do Comte-Sponville e sua colocação: “Vejo pelo youtube um pessoal que se diz humorista e é muito sem graça, fazem na verdade ofensas gratuitas utilizando um sarcasmo que a mim causa mais constrangimento do que riso. Humor requer leveza.”
      Assino embaixo!
      Uma das razões para este mundo estar tão cinza é que os humoristas bons viraram raridade também. Os que sabem dosar graça, choque, bom senso e leveza.
      bjos, Groo

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