A Borboleta Preta de Requião

O repórter está lá, fazendo o trabalho dele, de perguntar e de ouvir o que o sujeito tem a dizer. De abrir espaço para o cara, seja ele um pilantra, um vigarista, um canalha ou apenas um senador da República. Terá a versão dele, entre aspas, contemplada no jornal.

“O sr. falou de salário alto. Essa questão da pensão que o sr. está recebendo, que o sr. pode receber, vitalícia, o sr. pretende abrir mão…?”

“Por que que eu abriria mão? Essa pensão no Paraná existe há 40 anos. Todos os ex-governadores recebem. Recebe a mãe do Beto Richa, que é o governador do Paraná, recebe o Paulo Pimentel, ex-governador, e eu recebo essa pensão porque durante o governo, quando eu chamei de ladrões os que haviam roubado o erário, que haviam predado o patrimônio do Estado do Paraná, como eles não tinham sido ainda condenados, eu passei a ser condenado em multas porque os ladrões ainda não tinham sido condenados em instância final. Estou usando essa pensão pra pagar as multas que me foram injustamente impostas.”

“Mas o salário do sr. como senador já não é suficiente para pagar as multas?”

“O salário do senador é um bom salário, no meu gabinete ele é o menor. Todos os funcionários de carreira do Senado ganham mais que o senador e não é só no meu gabinete que ocorre isso. Mas eu estou dizendo a você que eu estou usando a pensão pra pagar multas que me foram impostas injustamente na defesa do interesse público.”

“Mesmo se houver uma pressão inflacionária, os gastos do governo do Estado do Paraná estiverem comprometidos, o sr. também, mesmo assim, não abriria mão, pra garantir…”

Aí o senador Roberto Requião (PMDB) encerra a entrevista arrancando o gravador da mão do repórter Victor Boyadjian, da rádio Bandeirantes, apaga seu conteúdo e pergunta se ele não quer apanhar.

E, para se justificar, no dia seguinte, diz que sofre bullying da imprensa. Ah vá…!

Eu recomendo fortemente a última coluna do Pasquale Cipro Neto na Folha, falando sobre as justificativas bizarras que as pessoas encontram para atos como este.

Um trecho:

Na terça, no plenário, o senador disse, entre outras joias, que sequestrou o gravador para evitar que o repórter editasse a entrevista. Pois bem, caro leitor, o que está por trás do que disse o senador? A clara afirmação (acusação) de que o repórter da Bandeirantes edita entrevistas, ou seja, manipula, monta e remonta o que lhe dizem seus entrevistados.
(…) Não é preciso ser doutor em análise do discurso para perceber a inconsistência dos argumentos do senador. O fato é que ele tomou uma atitude violenta e apresentou para seu ato justificativas dignas de torcedores fanáticos, daqueles de torcidas organizadas (Xi! Lá vem o pessoal do politicamente correto dizer que… Dai-me força e paciência, Senhor!), ou seja, justificativas que “justificam” o injustificável. É claro que isso só vale para os próprios atos (para os do outro, não e não).
Do alto da minha insignificância, sugiro ao nobre senador (e a quem mais possa interessar-se) a leitura do genial capítulo 31 de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (“A Borboleta Preta”), de Mestre Machado de Assis. O percurso dos argumentos que o narrador apresenta para a toalhada que dá na borboleta preta faz do senador um principiante na matéria. Aula das aulas. É isso.

Amanhã vou postar “A Borboleta Preta” aqui e vocês vão entender melhor.


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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

4 comments

  1. Quero ver vocês, jornalistas, tornarem a vida desse indivíduo um inferno. Para isso, talvez fiscalizar o trabalho dele, agora mais em cima ainda, será suficiente.

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  2. “Eu empurrei meu coleguinha e roubei o lanche dele por que ele praticou bullying me perguntando se eu fiz o dever de casa…” breve numa escolinha perto de você

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