Dá pra falar de coisa séria com humor

A revista mensal Serafina, da Folha, tem uma seção chamada Vintage, na última página, que coloca uma personalidade (das artes, política, arquitetura etc) para comparar como pensava há alguns anos ou décadas a como pensa hoje.

Geralmente é bem fraco, mas a da edição de fevereiro, com Hélio de la Peña, do extinto Casseta&Planeta, teve trechos muito bons. Por exemplo:

Alagamento:

  • 1992 – acontecia todo verão
  • 2011 – acontece todo verão

Preconceito:

  • 1992 – me atingia
  • 2011 – me deixa puto

Ser pai:

  • 1992 – era ser brother
  • 2011 – é saber a hora de ser brother e a hora de ser mala

Eu tinha vergonha de:

  • 1992 – ser preto e pobre
  • 2011 – (tenho vergonha de) ter tido vergonha de ser preto e pobre

Essencial:

  • 1992 – era conseguir pagar as contas e comer alguém
  • 2011 – é ter saúde e humor. Sempre

O que mais me chamou a atenção foi quando ele falou do preconceito. Quando ele era desconhecido, ou estava começando a se fazer conhecer, o preconceito o atingia. Agora, só por ser famoso, não o atinge mais, mas ainda existe, e o deixa puto. Antes, quando ele tinha que se preocupar com as contas para pagar (e as mulheres para comer), ele tinha vergonha da condição de “preto e pobre”. Ou seja, não apenas era vítima do preconceito da sociedade como do próprio preconceito. Hoje, por se ver livre do racismo, pensa com vergonha que, em vez de lutar contra o racismo, ou se emputecer com ele, acabava, ele próprio, reincidindo no racismo, abaixando a cabeça, de vergonha, por ser “preto e pobre”.

Hélio de la Peña conseguiu dizer muito sobre nossa sociedade, com reflexões bem sérias (junto a outras mais bem humoradas, que estão lá na revista), mesmo num espaço curto de brincadeira dessa Vintage. Prova de que é possível lidar com a realidade sendo humorista e bem-humorado.


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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

2 comments

  1. Tem que ter um pouco de humor se quiser ser levado a sério. Com humor tudo fica mais elegante, sem, fica caricato, professoral…
    Gosto de gente humorada, são pensadores sérios.

    Abraços.

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