O lado bom da rebelião do PMDB contra Dilma

Texto de José de Souza Castro:

Da Folha de S. Paulo, nesta quinta-feira: “Principal aliado do governo de Dilma Rousseff, o PMDB liderou ontem uma rebelião no Congresso que impôs uma derrota pessoal à presidente Dilma Rousseff. A ofensiva ocorreu no Senado, Casa em que o Planalto conta com maioria, que em votação secreta rejeitou a recondução de Bernardo Figueiredo, assessor de confiança de Dilma, para a direção-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestre.”

E se não fosse só este o motivo?

Gostaria muito que não fosse. Que houvesse outro motivo, que levasse em conta a atuação de Figueiredo e da própria ANTT, mas talvez seja esperar muito desses senadores, pois não os vejo enfrentando a poderosa presidente da República para defender os interesses nacionais, nesta e em outras áreas.

Não conheço o diretor-geral da ANTT e, da Agência, só sei do que sinto na pele quando tenho que sair por aí dirigindo um automóvel e tentando sobreviver no inferno das rodovias e do trânsito louco que nos ameaça a todos.

Sei mais um pouco, devo reconhecer, porque acabei de ler, no Boletim de História, a “Carta dos Desenvolvimentistas contra o Desmonte do Transporte Ferroviário Brasileiro”, enviada ao Senado no mês passado, pedindo que não fosse reconduzido ao cargo o atual diretor-geral. Entre os motivos alegados, destaco os seguintes:

1. O Tribunal de Contas da União aprovou por unanimidade, no dia 15 de fevereiro último, o Relatório da Auditoria iniciada dez meses antes, sobre a atuação da ANTT na regulação e fiscalização do transporte ferroviário no período de 2007 a 2011. Diz o relatório que, por ação ou omissão, a agência permitiu que as concessionárias privadas tornassem inoperantes cerca de 2/3 da malha ferroviária brasileira de 28 mil km e autorizou-as a contabilizar irregularmente, como investimentos, valores que, até o fim do ano passado, somavam R$ 25,5 bilhões. As concessionárias devem receber o dinheiro investido de volta, ao fim da concessão, previsto para daqui a dez anos.

2. Mas não para aí o prejuízo para os cofres públicos, pois aos R$ 25,5 bilhões se somariam os valores da destruição parcial ou total de 21 mil km da malha ferroviária, calculados em R$ 30 bilhões.

3. Por outro lado, como resultado de anos de investigação do Ministério Público Federal, a Procuradoria Geral da República (PGR) ingressou, em 2011, com representação junto ao TCU contra o Ministério dos Transportes, a ANTT e a concessionária América Latina Logística (ALL), afirmando: “Na falta de efetivo controle, as concessionárias como que se apropriam do negócio do transporte ferroviário de carga como se fosse próprio; fazem suas escolhas livremente, segundo os seus interesses econômicos. O quadro é de genuína captura, em que o interesse privado predomina sobre o interesse público”.

4. E acrescenta que a responsabilidade pela situação atual é “a política de total conivência e omissão da ANTT com relação ao abandono, destruição, invasão e malbaratamento dos bens públicos e, consequentemente, do transporte ferroviário como alavanca do desenvolvimento regional e nacional.”

5. Sustenta ainda a PGR que a ANTT “não aplicou multas, não denunciou o contrato, não exigiu investimentos quaisquer para a restauração ou reposição da estrutura e superestrutura, bem como dos bens móveis e imóveis afetos ao transporte ferroviário.”

6. Os autores do manifesto encaminhado ao Senado, com mais de 30 assinaturas, acusam Bernardo Figueiredo de ter participado da formatação da privatização da Rede Ferroviária Federal como funcionário público. Em seguida, como empresário, participou da privatização, vencendo dois leilões (Malha Centro Leste e Malha Sul). Participou ainda da estruturação das concessionárias Ferrovia Centro Atlântica (FSA) e Ferrovia Centro Atlântica, atual ALL. Como representante da ALL, assinou o contrato de concessão que hoje a ANTT, dirigida por ele, fiscaliza. Ainda, participou da criação e dirigiu a Associação Nacional de Transportes Terrestres (ANTF), uma associação privada das concessionárias ferroviárias.

A ser verdade metade de tudo isso, a rebelião liderada pelo PMDB contra Dilma Rousseff resultou em algo bom, que talvez os próprios rebeldes não desejassem…


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Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

3 comments

  1. Do jornalista Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo deste domingo:
    “O proposto Bernardo Figueiredo, que já trabalhou com a hoje presidente, teve sua administração na ANTT responsabilizada por irregularidades, pelo Tribunal de Contas da União. O Ministério Público Federal, por sua vez, acusa-o de levar a ANTT a omitir-se na indispensável fiscalização das concessionárias de linhas férreas e, ainda, do que eram os bens da Rede Ferroviária Federal.

    O argumento de que Bernardo Figueiredo não está condenado é correto, mas insuficiente. Deixar de indicá-lo ao Senado também não o condenaria, seria mais uma de milhares de não indicações comuns em todos os governos. E evitaria a entrega de cargo público relevante a uma pessoa sobre a qual se esperam esclarecimentos e decisões, essenciais para integrá-la, ou não, no governo.

    A discutível exigência do PMDB de equiparação ao PT, na elaboração das decisões e na composição governamental, não se tornaria “a rebelião” se a Presidência da República propusesse ao Senado um nome isento de questionamentos, ainda que possam ser provisórios. Com a indicação frágil, a Presidência entregou a cabeça aos irados apenas verbais, e deu-lhes a oportunidade de fazerem algo a que não se arriscavam: “a rebelião” de contrariar a vontade presidencial. Pior ainda para o governo é que o fizeram com boas razões, pregadas pela própria Dilma Rousseff.”

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  2. E Elio Gaspari, no mesmo jornal:

    “Ao ser detonado da direção da Agência Nacional de Transportes Terrestres, Bernardo Figueiredo disse o seguinte: “Eu agradeço o favor que me fizeram”.

    No mesmo dia surgiram informações de que seria colocado na presidência da estatal que cuidará do trem-bala.

    Noves fora a descortesia com o Senado, se ele for para o novo cargo, poderá descascar um abacaxi que ajudou a plantar.

    A Justiça italiana condenou o governo brasileiro a pagar R$ 36,4 milhões à empresa Italplan, que fez o primeiro (e delirante) projeto do trem.

    A essa época, o negócio estava na mão da Valec, presidida pelo “Doutor Juquinha”, defenestrado em 2011. Bernardo Figueiredo era diretor da Valec. Deve saber o que aconteceu.”

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  3. O caso da Italplan referido por Elio Gaspari é mais grave, como revelou hoje, no Jornal do Brasil, o jornalista Mauro Santayana. Ele lembra que existe, desde 2007, um estudo feito pelo consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Eduardo Fernandez Silva, que expõe o descalabro da contratação da consultoria italiana para o projeto do trem-bala pela Valec. Diz Santayana:

    “A primeira dúvida do analista é se haveria demanda que justificasse o trem de alta velocidade. O estudo da Italplan, de acordo com o consultor, é “furado”, sem nenhum apoio técnico. O documento previu que, em 2011 – quando o trem-bala deveria estar operando – o tráfego, pela linha, nos dois sentidos, seria de 32 milhões de passageiros/ano no percurso entre as duas cidades. Outras estimativas previam menos de 8 milhões.

    Para se ter uma idéia da ficção do projeto italiano, o registro de entrada e de saída da cidade de São Paulo, de todas as procedências e para todos os destinos, e por todos os meios de transporte, é hoje de cerca de 20 milhões de passageiros por ano.

    Por outro lado, o projeto chega a mencionar “passagens de nível” no percurso, o que é absolutamente inconcebível em um trem com essa velocidade. Os trens semelhantes trafegam dentro de muros altos, ou em túneis, uma vez que o choque com um pequeno animal, na velocidade em que se deslocam, pode causar acidentes catastróficos.

    A Italplan, fundada no ano 2000, afirmou, na ocasião em que apresentou seu “projeto”, que adquirira experiência quando participara do projeto do trem de alta velocidade Roma-Florença. Ora, a linha Direttissima foi projetada em 1970, e concluída em 1992 – 22 anos depois de iniciada e oito anos antes que a firma de Arezzo se instalasse. No seu site na Internet, no entanto, registrava como sua experiência a realização de “uma linha férrea de alta velocidade entre o Rio e São Paulo e a requalificação da Estação do Rio de Janeiro”, ou seja, refere-se ao pré-projeto que apresentara ao Ministério dos Transportes como tendo sido aprovado pelo governo, e ao trem bala como se estivesse em operação.

    O Ministério dos Transportes e a Valec não poderiam ter-se comprometido com a Italplan sem antes averiguar a sua competência técnica para elaborar um projeto dessa natureza, mesmo porque a empresa, em seu portfólio da época, só apresentava projetos de esgotos e reciclagem de lixo para a Argentina e para a China, e como experiência ferroviária exatamente o que pretendia ser o seu projeto brasileiro.”

    A íntegra do artigo de Santayana pode ser lido aqui: http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2012/03/13/o-confisco-italiano-e-a-nossa-soberania/ E o estudo de Eduardo Fernandez Silva está disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1283/trem_bala_fernandez.pdf?sequence=1

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