Gentileza urbana e conversa de elevador

Cheguei ao prédio e a vizinha, que não conheço, segurava o portão aberto para eu passar. “Gentileza urbana”, como gostavam de dizer as campanhas publicitárias da prefeitura de Beagá (será que ainda dizem?).

Cruzamos o hall e, do elevador, ouvimos que vinha outra vizinha, conversando com alguém. Portanto, seguramos a porta do elevador para ela também.

Surpresa ao nos ver segurando a porta, ela primeiro agradeceu, depois se lembrou que estivera falando sozinha e, sem graça, disse, rindo:

“Nossa, vocês devem ter achado que sou doida, falando sozinha assim!”

Ao que a primeira vizinha respondeu:

“Eu também vivo falando sozinha. É até bom, porque as pessoas podem achar que somos meio bobas e não mexem com a gente.”

A segunda vizinha pareceu não ter gostado do “boba” e emendei o raciocínio:

“Na verdade, é uma ótima tática pra se usar na rua quando ver alguém na pilha pra nos assaltar. Disparamos a conversar com o vento e a pessoa se assusta, achando que somos doidas, e muda de ideia.”

Elas riram.

A primeira vizinha ainda se lembrou:

“Engraçado foi hoje, que vi um senhor velhinho, na estação do metrô, dando instruções de localização para NINGUÉM ao lado dele!”

Rimos mais.

Elas chegaram ao andar de destino e prossegui na subida para o meu andar.

Pensando:

  1. Que raros são vizinhos que conversam essas pequenas prosinhas de elevador hoje em dia, pelo menos nos prédios de muitos apartamentos como o meu.
  2. Que rara é a gentileza urbana de segurar a porta do elevador para o outro que nem cruzou a curva e que milagres isso provoca no humor das pessoas.
  3. Por que diabos tanta gente fala sozinho (e me incluo no grupo louquinho). Terá a ver com morar sozinho? Com morar nas ruas? Com estar idoso? Será que é porque temos tanto pensamento incontido que ele transborda pra boca e quer invadir as ruas, para dar mais vazão aos outros pensamentos que se atropelam por trás?

O que me fez lembrar um livro que li e que mexeu comigo e do qual já falei de leve aqui no blog e um monte para um email a uma amiga, mas um dia vai virar post também. Por hoje, termino aqui, neste sem-fim.


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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

4 comments

  1. Cris, acho que falar sozinho serve também para organizar o pensamento. Ouvindo o que está pensando, você percebe falhas no raciocínio. Na verdade, não é maluquice. Alguns dos grandes gênios da humanidade tinham esse hábito, até mesmo porque lhe faltavam interlocutores à altura de sua genialidade.

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      1. Sim, quem sabe você também é gênio? Curioso: essa palavra, conferi há pouco no Aurélio, é substantivo masculino. Não existe a forma gênia. Mas, certamente, existem mulheres geniais e algumas ainda não saíram da “garrafa”.

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