Maconha não vicia?

 

Foto: Fabio Braga / Folhapress / 18.06.2011

Texto de José de Souza Castro:

Ao ler notícia de que neste sábado ocorreram em mais de 30 cidades brasileiras atos em favor do livre debate sobre o uso da maconha, lembrei-me de uma entrevista de duas páginas publicada 40 anos atrás, em plena ditadura, no “Jornal da Universidade”, órgão oficial da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cujo reitor, Aluísio Pimenta, havia sido cassado dois anos antes com base no AI-5. “A maconha, sob o ponto de vista físico, provoca poucos distúrbios”, defendia o entrevistado, professor José Elias Murad.

A entrevista, para o entrevistado, provocou alguns distúrbios. Passou a ser tachado como defensor da maconha. Numa reação, Murad se tornou um ativo combatente contra as drogas e, como tal, se elegeu deputado federal e mais tarde ficou à frente do órgão mineiro encarregado de ajudar vítimas das drogas no Estado.

Os estudantes de jornalismo encarregados da entrevista – José Eustáquio Trindade e eu – vivíamos sob a influência das chamadas “entrevistas-verdade” de O Pasquim, e não mudamos nada do que Murad afirmou, como neste trecho: “… o parâmetro da normalidade não é fácil de ser definido. Um humorista, um pouquinho irreverente, chegou a dizer que ‘o tarado é um indivíduo normal preso em flagrante’. Evidentemente, vocês não vão publicar isto, né’?”

Publicamos. O professor Plínio Carneiro, chefe da Assessoria de Imprensa da UFMG e responsável pelo jornal, não se opôs. Era um defensor da liberdade de expressão, e não teve vida longa. Morreu aos 48 anos, de aneurisma. O jornal, como “órgão oficial”, durou muitíssimo menos… Virou jornal laboratório do curso de jornalismo.

Passados 40 anos, fico a me perguntar se o conhecimento científico sobre a maconha avançou muito além do que sabia Murad, um médico e farmacêutico mineiro que em 1959 havia iniciado seus estudos sobre psicotrópicos com o professor Jean Chejmol, na Faculdade de Medicina da Universidade de Paris, e que, a partir de 1965 passara 16 meses nos Estados Unidos pesquisando sobre bioquímica cerebral. Em 1969, ele assistiu ao descobridor do LSD, professor Alfredo Hoffman, discorrendo sobre suas pesquisas no congresso de Farmacologia de Basileia.

Mas, voltando à entrevista. Depois de descartar a possibilidade de distúrbios físicos graves provocados no usuário da maconha ou até mesmo mentais em indivíduos equilibrados, Murad admitiu que a droga poderia trazer consequências mentais perniciosas quando usadas por adolescentes. “Nesta época, o indivíduo já é normalmente um pouco agitado, um pouco instável e predisposto. Nesses indivíduos ela tem ação provavelmente perigosa”, disse Murad.

Espero que desde 1971 muito se tenha avançado no estudo da maconha e que se avance ainda mais depois da decisão do Supremo Tribunal Federal. Talvez já não se acredite, como Murad, naquele tempo, que a maconha, como o LSD, não produzia dependência física característica. “Quer dizer, não produz aquele estado que nós classificávamos antigamente como vício. Elas não levam ao vício”, assegurou o professor da UFMG.

Eu não sei. Você sabe?


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Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

14 comments

  1. Não tem aquele pessoal que diz “Fumo maconha todos os dias há 30 anos e nunca me viciei”? haha

    Não sou especialista, mas acho que deveria liberar tudo. As pessoas têm o direito de fazer o que quiser com o próprio corpo (desde que não afete ninguém), com maconha, LSD etc. (É claro que o vício deve ser tratado como questão de saúde). Sei lá, talvez seja uma posição um tanto radical

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  2. agora falando sério, tem um monte de coisas que viciam. A questão aqui é se criminalizar é a melhor forma de abordar a questão. Eu acho que não.

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    1. Sim, claro, mas na Marcha da Maconha seria estranho se não pedissem, né 😉
      O que eu quis dizer é que não há consenso sobre a melhor forma de lidar com isso.
      Pelo que eu sei, em Portugal descriminalizou, mas limitou quantidade do porte, e lá está dando certo, servindo de exemplo. Então poderia ser uma possibilidade. Mas o Brasil é um país muito diferente de todos os que já aprovaram, tanto pelo aspecto socioeconômico, quanto cultural, quanto geográfico, quanto histórico, então não temos um exemplo a seguir. Por isso paira essa grande dúvida.

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  3. Eu fiquei feliz foi de saber que a UFMG já teve uma publicação oficial assim. Ah, se houvesse pelo menos um jornal laboratório desse naipe hoje… Muito bacana ler um pouco da história do seu pai, Cris.

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    1. Também acho incrível quando ele conta as histórias 😀
      Acho que deveria contar mais aqui no blog, né?
      E também acho um absurdo nossa faculdade de jornalismo hoje só ter aquele jornal mural bocó. Nenhuma publicação de nível legal, grande, com incentivo. Basta comparar com o histórico Marco, da PUC-Minas.
      bjos

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