O que pouco se diz sobre os juros

Texto de José de Souza Castro:

O Conselho Monetário Nacional elevou ontem a taxa anual dos juros pagos pelo governo aos que lhe emprestam dinheiro – os bancos – para 12,25% ao ano. Coisa de país rico. Quem quiser comprar títulos do tesouro americano não teria qualquer rendimento ou, no máximo, ganharia 0,25% ao ano. Mas os Estados Unidos estão quebrados, o Brasil é um país próspero. Será? O PIB brasileiro cresce tanto, que o governo pisa no freio, elevando ainda mais os juros, enquanto os Estados Unidos patinam no esforço de não cair na recessão…

Estaríamos, os brasileiros, vivendo no melhor dos mundos, não fosse o economista Delfim Netto, aquele todo poderoso ministro da Fazenda dos anos 1970, que considerávamos o amigão dos bancos. Em artigo publicado ontem pela “Folha de S. Paulo”, ele explica como o IBGE calcula o PIB (Produto Interno Bruto). “Para eliminar as variações dos preços, o IBGE construiu estimativas do PIB “físico” escolhendo os preços do ano-base 1995 e com eles calculou o valor do PIB de cada ano.”

Pois bem, diz Delfim Netto. O PIB “físico” atingiu o índice mais alto da série (150,3 em relação à base 100 de 1995) no terceiro trimestre de 2008, quando a taxa de inflação era de quase 4,5%. “A explosão da crise do Lehman Brothers nos atingiu fortemente. No primeiro trimestre de 2009, o PIB físico desabou, com ajuste sazonal, para 141,3, uma queda de 6%! Na média, o PIB de 2009 caiu 0,6% em relação a 2008. Ele só voltou ao nível anterior de 151,2 no quarto trimestre de 2009, com a “criação” da demanda induzida pelos programas de estímulos do governo. O crescimento do PIB de 9,3% no primeiro trimestre de 2010, de 9,2% no segundo, de 8,4% no terceiro e de 7,5% no quarto semestre são só reflexos da recuperação da demanda sobre uma estrutura produtiva relativamente estável. O aumento do PIB nunca foi superior a 5% nos últimos anos.”

Deixando o Delfim de lado, eu diria que essa história de aumento exagerado do desenvolvimento brasileiro a provocar inflação – e a justificar mais remuneração aos bancos – é lorota. As explicações são sempre as mesmas. Leio no mesmo jornal, hoje: “O aumento dos juros é parte do trabalho iniciado no final de 2010 para esfriar a economia e controlar a inflação. Desde o ano passado, o governo tenta esfriar a economia.”

Enquanto isso, os maiores bancos batem recordes de lucros, a cada ano. E a imprensa não se dá ao trabalho de explicar tão elevados ganhos. Em 2010, por exemplo, a conta dos juros pagos pelo governo brasileiro aos rentistas detentores da dívida pública somou R$ 195,3 bilhões, ou 14,2% mais que em 2009.

Só para lembrar: 2010 era ano eleitoral e os bancos estão entre os maiores doadores das campanhas eleitorais neste país. E entre os maiores anunciantes na imprensa, que sabe bem quando falar e quando calar.


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Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

6 comments

  1. Não entendo grandes coisas de juros. Mas o que percebi é que, quando a SELIC começou a cair depois de ficar anos em um patamar absurdo, os juros que os bancos pagam para investimentos caíram junto, talvez até num ritmo um pouquinho mais acelerado. Mas, depois que a SELIC voltou a subir, não notei um aumento nas taxas pagas pelos bancos. Tenho certeza que é apenas coincidência.

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  2. Banco é o agiota legalizado sob o manto estatal. Não é à toa que o povo diz que a fundação de banco é um crime impune. É a única atividade econômica em que não há o chamado “risco do negócio”. Ao menor sinal de quebra, por operações mais gananciosas ainda, mal sucedidas, o setor público acorre com aportes, ao argumento, de pé quebrado, de que pode haver “quebra sitêmica”. Élio Gaspari já disse que a “viúva” dá aos pobres no varejo, via bolsas, e no atacado, aos rentistas, via juros. O que espanta é que o povo continuamos bovinamente inerte, a despeito da publicidade desse conluio.
    Parabéns pela excelente análise, José.
    Abraços.

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  3. Obrigado, Dr. José Américo. Pena que tão poucos se preocupem com essa questão, que é fundamental. O Brasil se tornou refém dos banqueiros nos anos 70. Primeiro, os banqueiros internacionais – que investem em países pobres ou em desenvolvimento sem riscos, sob as asas do FMI (e de seus governos poderosos), mas cobrando juros elevados, bem maiores que em seus países de origem. E que, no entanto, eram juros bem menores do que os cobrados nos últimos 20 anos pelos banqueiros brasileiros que emprestam ao governo e são os grandes concentradores de renda deste país. Essa situação se tornou ainda mais grave no governo Lula, estimulado, por alguns espertos bem situados, a pagar a dívida com o FMI, que cobra juros pequenos, enquanto aumentava enormemente o endividamento com os bancos brasileiros com seus juros de agiota. Desse modo, não sobra dinheiro para investimentos. E os empresários e os analistas econômicos amestrados, cínicos, ainda cobram do governo por investir pouco na infraestrutura do país. Grande abraço.

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  4. Cris, então vai mais um comentário, desta vez para transcrever os dois últimos parágrafos do editorial da “Folha de S. Paulo”, hoje (que não trata do problema brasileiro, mas tem relação com ele): “O economista Paul Krugman considera que há uma paralisia na política econômica tanto nos EUA quanto na Europa e a atribui à subordinação dos governos aos interesses dos bancos e demais detentores de riqueza financeira. Para evitar uma quebradeira generalizada no momento mais agudo da crise financeira global, os bancos foram beneficiados por gigantescas injeções de recursos públicos. Essas operações de salvamento representaram uma socialização dos prejuízos bilionários que afloraram quando se desfez a bolha financeira inflada pelo frenesi de crédito e especulação.

    A contrapartida foi um violento aumento da dívida pública em vários países -inclusive nos EUA e em muitos europeus. É em nome de preservar a viabilidade dessa dívida que as autoridades aceitam e prescrevem a paralisia denunciada por Krugman.”

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  5. Delfim Netto traz hoje mais dados sobre a dívida pública. Segundo o ex-ministro da Fazenda, ela soma cerca de 1,694 trilhão de reais, dos quais 550 bilhões são indexados à taxa Selic. Esta taxa era de 10,75% ao ano no primeiro dia do governo Dilma Rousseff e está agora em 12,25%. Esse aumento de 1,5 ponto percentual significa que os credores do governo remunerados pela taxa Selic tiveram seus rendimentos aumentados em 8,25 bilhões de reais, por causa da elevação da taxa (550 bilhões divididos por 1,5). Como 80% da dívida de 550 bilhões vencem durante este mandado de Dilma, os bancos devem pressionar muito, nesse período, para que o Conselho Monetário Nacional continue elevando a Selic, sob o falso pretexto de combater a inflação. Os bancos que emprestam ao cliente dinheiro a juros de mais de 5% MÊS têm condições de ajudar a combater a inflação cobrando taxas menos exorbitantes. Mas ninguém, incluindo aí governo e imprensa, cobra deles essa contribuição.

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