Dia do Jornalista: qual a história por trás desta data?

Foto mostra jornalistas de vários veículos prontos para entrevistar então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Crédito: Fotos Públicas / Divulgação
Foto de bastidor mostra jornalistas de vários veículos prontos para entrevistar então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em coletiva de imprensa. Crédito: Lula Marques - 17.3.2020

Sou jornalista há quase vinte anos, atuante até hoje nas redações, mas até pouco tempo atrás eu desconhecia a história por trás do dia 7 de abril, escolhido para celebrar esta profissão tão desafiadora.

Até que tive que fazer uma ampla pesquisa sobre o assunto, para um serviço que eu estava prestando. E fiquei impressionada ao constatar a riqueza que existe por trás da criação do Dia do Jornalista, que, longe de ser aleatória, se funde com a própria defesa da liberdade de imprensa no país.

Pra começo de conversa, a história dessa data tem origem em um assassinato. Mais precisamente, na morte de um jornalista que teve como motivação o exercício da profissão.

Infelizmente, até hoje esta profissão pode ser considerada de risco, pelo alto número de violências cometidas contra jornalistas enquanto trabalham.

Em 2023, foram 45 profissionais assassinados em todo o mundo, segundo levantamento do Statista. Considerando os dados desde 1995, foram quase 1.900 jornalistas mortos. Fora os outros tipos de violência sofridos, como agressões, sequestros, ameaças e prisões.

Jornalistas mortos no exercício da profissão em todo o mundo, a cada ano. Fonte: Statista
Jornalistas mortos no exercício da profissão em todo o mundo, a cada ano. Fonte: Statista

Neste artigo, compartilho o que aprendi, durante minha pesquisa, sobre a história por trás do Dia do Jornalista.

Qual é o Dia do Jornalista? Já houve outros dias?

Hoje o Dia do Jornalista é celebrado no Brasil em 7 de abril.

Mas esta data, escolhida pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), não foi a primeira dedicada aos profissionais da notícia. É o que explica um artigo escrito pela então diretora de Cultura e Lazer da ABI, Vera Perfeito, em 2021:

“O dia do jornalista já foi comemorado no dia 10 de setembro em homenagem à Gazeta do Rio, primeiro jornal impresso no Brasil. A Gazeta, na verdade, era o jornal oficial do império. Tempos depois, o dia do jornalista passou a ser comemorado no dia 1 de junho, em homenagem ao Correio Braziliense, o primeiro jornal a circular no Brasil. Mas ele era impresso em Londres. Após muita batalha, o dia passou para 7 de abril, em homenagem à fundação da ABI.”

Qual é a história do Dia do Jornalista?

O Dia do Jornalista foi instituído pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em 1931.

A própria ABI nasceu em um 7 de abril, em 1908, daí porque a escolha da data para celebrar o Dia do Jornalista presta também uma homenagem à associação de classe.

Mas diversas pesquisas afirmam também que a escolha da data (talvez até mesmo a escolha de Gustavo Lacerda ao fundar a ABI) foi uma homenagem ao médico e jornalista Giovanni Battista Líbero Badaró, assassinado aos 32 anos.

Giovanni Battista Líbero Badaró, em imagem divulgada pela Academia de Medicina de São Paulo.
Giovanni Battista Líbero Badaró, em imagem divulgada pela Academia de Medicina de São Paulo.

Crítico do governo despótico de Dom Pedro I, sua morte contribuiu para que o imperador abdicasse do trono justamente no dia 7 de abril de 1831 – portanto, cem anos antes da criação do Dia do Jornalista pela ABI.

Qual é a importância do Dia do Jornalista?

O Dia do Jornalista é uma data para lembrar da importância dessa profissão para a sociedade e da liberdade de imprensa, que era tão cara ao jovem Líbero Badaró.

O livro “História da Imprensa no Brasil” (1998), de Nelson Werneck Sodré, mostra como Líbero Badaró já iniciou seu trabalho como jornalista em busca desse princípio:

“A 23 de outubro de 1829, Líbero Badaró começou ali [em São Paulo] a publicação do Observador Constitucional, revolucionando a cidade, hostilizando o bispo, o ouvidor e o presidente e entrando logo na luta pela liberdade de imprensa, pois o Farol Paulistano, em cujas oficinas se imprimia seu jornal, estava sendo processado por crime de opinião.”

O jornal “Observador Constitucional” teve vida curta, de apenas 13 meses, mas o suficiente para que o jornalista fizesse inimigos, como o ouvidor Candido Ladislau Japiassú, que muito provavelmente ordenou a morte de Badaró.

Imagem do jornal "O Observador Constitucional", criado por Líbero Badaró.
Imagem do jornal “O Observador Constitucional”, criado por Líbero Badaró. (Clique para ver maior)

Mas, na época, a culpa recaiu sobre D. Pedro I, que era um dos alvos de críticas do jornal. Como diz o artigo “Queda de d. Pedro 1º após morte de jornalista crítico é origem de data que celebra a profissão“, publicado pela “Folha de S.Paulo” em 2021, “correram boatos país afora de que o monarca estava ligado ao crime”.

O fato é que Badaró foi morto em uma emboscada, no centro de São Paulo, às 22h do dia 20 de novembro de 1830. Em seu leito de morte, diz-se que ele soltou a seguinte frase, que ficou famosa como símbolo da defesa da liberdade de imprensa:

“Morro defendendo a liberdade. Morre um liberal, mas não morre a liberdade”.

É o que registra texto publicado pela Academia de Medicina de São Paulo, em que Badaró figura como patrono de uma das cadeiras:

“A contribuição de Líbero Badaró para a defesa da liberdade de expressão vai além da tragédia pessoal. É seu um dos primeiros escritos publicados no Brasil em defesa da liberdade de imprensa, refutando sempre a tese de que os abusos praticados pela imprensa justificariam o cerceamento da liberdade.

Com sua morte, aumentaram o descontentamento e as manifestações de protesto contra o absolutismo de D. Pedro I, que abdicou em 7 de abril de 1831.”

Segundo estudo publicado pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), Badaró “foi o primeiro jornalista assassinado no Brasil em virtude do que escrevia (antes dele, em 1822, Zeferino Vito de Meireles, fundador do Diário do Rio de Janeiro, também morreu em consequência de um atentado, mas de causas desconhecidas)”.

Vale dizer que a luta de Badaró por um ambiente seguro para que jornalistas publicassem notícias e fizessem críticas aos ocupantes de cargos de poder ainda está longe de se encerrar.

Levantamento feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) mostra que, no ano eleitoral de 2022, os casos de violência grave contra jornalistas aumentaram 69,2% no país. Foram pelo menos dois assassinatos só no primeiro semestre do ano. Felizmente, 2023 (e o governo Lula) trouxe uma queda nessas estatísticas.

A repórter da “Folha”, Giuliana Vallone, atingida com uma bala de borracha no olho, no dia 13.6.2013. No mesmo dia, o repórter-fotográfico da Futura Press, Sérgio Silva, também foi atingido no olho.

Existem mais datas comemorativas para o jornalismo?

Sim, há pelo menos mais quatro datas comemorativas importantes para a profissão no Brasil:

  • 16 de fevereiro: Dia do Repórter.
  • 3 de maio: Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, data instituída pela Organização das Nações Unidas e também celebrada aqui.
  • 1º de junho: Dia Nacional da Imprensa, instituído em 1999, para lembrar a data em que foi lançado o Correio Braziliense, primeiro jornal brasileiro, em 1808.
  • 2 de setembro: Dia do Repórter Fotográfico
Jornalistas trabalhando. Foto: The Climate Reality Project
Jornalistas trabalhando. Foto: The Climate Reality Project

Quais são alguns marcos históricos da profissão?

São muitos os marcos históricos de uma profissão que surgiu ainda antes de Cristo. A seguir, algumas datas importantes, que foram divulgadas pela ABI e pela ANJ:

  • 59 a.C.: surgimento do “Acta Diurna”, jornal mais antigo de que se tem notícia, criado por Júlio César em Roma.
  • 1447: Johann Gutenberg inventa a prensa, que possibilita uma nova era para o jornal moderno. Até então as publicações eram manuscritas.
  • 1556: jornal “Notizie scritte”, do governo veneziano, passa a cobrar dos leitores uma pequena moeda, a “gazetta”.
  • Primeira metade do século 17: começam a surgir publicações periódicas e frequentes, mais parecidas com os jornais de hoje. Entre os primeiros jornais modernos estão o alemão “Avisa Relation oder Zeitung”, de 1609, o francês “Gazette”, de 1631, o belga “Nieuwe Tijdingen”, de 1616, e o inglês “London Gazette”, fundado em 1665.
  • 1722: surge o primeiro jornal na América Latina, o “Gazeta de México y Noticias de Nueva España”.
  • 1766: Suécia é o primeiro país a aprovar uma lei para proteger a liberdade de imprensa.
  • 13 de maio de 1808: criação da imprensa régia no Brasil.
  • 1 de junho de 1808: lançamento do Correio Braziliense, primeiro jornal do Brasil.
  • 1844: surge o telégrafo, invenção que permitiu a transmissão mais ágil de informações, tornando os jornais mais atualizados e relevantes.
  • Meados do século 19: jornais se tornam o principal veículo de divulgação e recebimento de informações.
  • Entre 1890 e 1920: empresários como William Randolph Hearst, Joseph Pulitzer e Lorde Northcliffe viram barões da mídia, construindo poderosos impérios editoriais.
  • 7 de abril de 1908: fundação da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
  • Início do século 20: jornais também passam a transmitir conteúdo revolucionário. Um exemplo é o “Iskra” (A Centelha), de Lênin, e o marxista “Thanh Nien”, no Vietnã.
  • Década de 1920: rádio se populariza, obrigando jornais a se reinventarem para manterem relevância.
  • Mais tarde, ao longo do século 20, o mesmo aconteceu com a popularização da TV e da internet.

Quais os desafios atuais do jornalismo?

O jornalismo precisa se adaptar a todos os canais e formatos, e os jornalistas precisam trabalhar novas habilidades para acompanhar essas mudanças.

À esquerda, o gravador de fita K7 que eu usava no início da carreira de jornalista, em 2007. À direita, o celular com gravador, que uso hoje.
A tecnologia mudou a forma de fazer o jornalismo. À esquerda, o gravador de fita K7 que eu usava no início da carreira de jornalista, em 2007. À direita, o celular com gravador, que uso hoje.

A discussão mais recente é sobre o uso de inteligência artificial nas Redações, amplificada pelo lançamento do ChatGPT.

Segundo o site Statista, entre 69% e 85% dos donos de veículos de notícias ao redor do mundo consideram importante o uso de IA para funções como recomendações automatizadas de leitura, coleta de notícias e usos comerciais.

Outro desafio que surgiu mais recentemente, com auxílio da velocidade de disseminação de informações pela internet, foi o avanço das fake news, ou da desinformação, que foram usadas até mesmo para tentar minar a democracia no Brasil.

O fato é que, como escrevi recentemente, o jornalismo mudou, e muito. E, em vários sentidos, para pior. O desafio é manter o nível de qualidade, atender às expectativa dos leitores, sustentar uma audiência que pague o negócio e ainda conseguir fazer isso tudo paralelamente a um avanço tecnológico cada vez mais agressivo.

Conseguiremos?

Falo por mim: não sei, mas estamos fazendo nosso melhor.

***

Alguns outros posts sobre jornalismo:

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

2 comments

  1. Nossa, não tinha a menor idea de que a data estava associada a um assassinato! Obrigada por nos informar, Cris! E feliz Dia do Jornalista =)

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