‘Corra!’ Por mais terror em relevância e por mais racismo em discussão no Oscar

Vale a pena assistir: CORRA! (Get Out)
Nota 8

Este filme teve a incrível capacidade de começar bem como um romance água-com-açúcar, subir o tom para um filme de crítica social, com cenas de racismo a cada esquina, e virar de repente a curva para o suspense e o terror.

Gostei especialmente de o diretor e roteirista estreante Jordan Peele ter se aproveitado da escola clássica de Hitchcock ao pensar em cenas arrepiantes, mas, ao mesmo tempo, muito sutis. Algumas viradas de cabeça fora de lugar, um camarada correndo tarde da noite na nossa direção, uns violinos apavorantes, uma colherinha de prata girando insistentemente na xícara: poucos elementos, praticamente nenhum sangue, e o suspense na medida certa.

A trilha sonora criada por Michael Abels só para o filme é especialmente assustadora:

Ela é toda cantada em suaíli, língua falada no Quênia, na Tanzânia e na Uganda, e traz basicamente mensagens de alerta para o protagonista: “Brother, corra! Ouça os mais velhos! Fuja! Salve-se!”. É o nome do filme explicitado em forma de música. E é o pensamento que passa pela cabeça de todo mundo quando assiste a um bom filme de terror, né? A pergunta constante: por que você não vai embora logo, meu filho? Talvez as pessoas, mesmo as da vida real, gostem de um pouco de risco, assim como nós gostamos de assistir às cenas assustadoras dos filmes de terror.

Esta é a sinopse curtinha, só para quem não sabe nada do filme: o fotógrafo Chris, negro, vai passar o fim de semana na casa da namorada, Rose, com sua família branquíssima, “quando coisas estranhas começam a acontecer”. Bom, a graça de um filme de terror é justamente o mistério em torno dos acontecimentos, daí porque eu tive que apelar para o clichê entre aspas.

Daniel Kaluuya, que interpreta Chris, é sensacional. Uma cena especificamente, que foi imortalizada na foto de divulgação do filme, ilustra bem como o cara atua (e chora) como ninguém. Ele é acompanhado por outros atores razoáveis, especialmente a veterana Catherine Keener, mas eles fazem figuração perto do tempo que a câmera fica voltada para Kaluuya e seus olhos expressivos.

Ele foi indicado ao Oscar de melhor ator. Além disso, “Corra!” concorre a outras três categorias: melhor direção, melhor roteiro e, bem, melhor filme. “Uai, um filme de terror concorrendo a melhor filme?” Foi a primeira coisa que pensei quando vi a lista de indicados. A segunda pergunta que meu lado repórter fez foi: “Quando será que foi a última vez que um filme de terror foi indicado a esta categoria mais importante do Oscar?”.

O lugar que me forneceu a melhor resposta foi esta matéria da “Newsweek” de 23 de janeiro. Em resumo, o que ela traz é a aversão da academia pelos filmes de terror, ou a pouca seriedade que o Oscar atribui a esse gênero. Pois vejam:

  • Nenhum filme de terror foi indicado a “melhor filme” nos primeiros 40 anos de existência do Oscar. E estamos falando de um período que teve clássicos como Bebê de Rosemary, Frankenstein, Drácula e Psicose.
  • O Exorcista, de 1973, foi o primeiro filme de terror indicado a “melhor filme”. Mas não levou.
  • O Silêncio dos Inocentes, de 1991, foi o primeiro e único filme de terror, até hoje, a levar o prêmio principal.
  • Antes de “Corra!”, o último terror que tinha sido indicado à estatueta mais importante foi “Sexto Sentido”, de 1999. Sim! Quase 20 anos sem indicações! A menos que você considere “Cisne Negro”, de 2010, como terror — bom, pode ser, mas ainda assim são oito anos sem o gênero em relevância na premiação.

Fica claro, portanto, que “Corra!” não é um filme de terror qualquer, né? É realmente especial. Só tirei dois pontinhos porque, por mais que eu tenha gostado, terminei de assistir com um incômodo muito grande: uma sensação de que já tinha visto parte daquela história antes. Não vou contar aqui em qual filme, porque não quero cometer spoilers, mas conto a quem me perguntar por e-mail.

Mesmo assim, considerando o fervor que ele despertou em vários fãs — pelo grande mérito de ter trazido um tema sério, como o racismo, para dentro do gênero do terror –, desejo muito boa sorte ao thriller em suas quatro indicações neste Oscar de 2018.  Mas, pessoalmente, acho que corre grande risco de acontecer como com Sexto Sentido — que foi indicado a seis Oscars e… não levou nenhum!

 

P.S. O racismo é tão sufocante em todo o universo que, é claro, na academia não podia ser diferente. Um exemplo cabal disso: Jordan Peele é APENAS o quinto diretor negro indicado ao Oscar de melhor diretor. Em 90 fucking anos!!!! (Os outros foram John Singleton, por Os Donos da Rua, de 1991, Lee Daniels por Preciosa: Uma História de Esperança, de 2009, Steve McQueen por 12 Anos de Escravidão, de 2013 e Barry Jenkins por Moonlight: Sob a Luz do Luar, de 2016. Detalhe: nenhum deles levou o prêmio. Mais um motivo para torcermos por Peele, hein!)

Assista ao trailer do filme:

 

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

4 comentários

  1. Nota 6. A primeira parte é monótona e quase desisti. Da metade pra frente é que evolui a trama com bons sinais, fazendo-nos perceber que há um filmão por ali, porém, ainda, escondido.

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  2. É um filme evidentemente bom, mas o desfecho empobrece de mais a construção do roteiro. Do início até a metade do filme erá uma maravilha, um suspense e terror psicológico muito bom, mas fizeram um final clichê e simplista. Me surpreende e muito ter ganhado o Oscar de melhor roteiro, não merecia na minha opinião. Esse filme virou destaque por tratar questões de racismo de forma diferente, ousada e inteligente, já que tudo que envolve isso gera repercussão, e a uns dias atrás fizeram protestos por só haverem brancos no Oscar. Acho bem conveniente para o Oscar, Corra ganhar como roteiro e ressaltar que foi o primeiro negro a ganhar uma premiação no Oscar como roteirista. Mas enfim, achei um filme simplesmente ok, tem momentos surpreendentes, mas não consigo digerir o final.

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  3. O desempenho do protagonista é maravilhoso! Se tem uma coisa que eu não gosto nos filmes de terror atuais, são os screamers, e o que eu mais gosto é o terror psicológico. Gostaria que vocês vissem pelos os seus próprios olhos filme A Coisa. Se ainda não viram, deveriam e se já viram, revivam o terror que sentiram. Depois de vê-la você ficara com algo de medo, poderão sentir que alguém os segue ou que algo vai aparecer.

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