Brasil, o ex-país do Carnaval

Carnaval do Rio em 2014, bons tempos. Foto: Wikimedia Commons

 

Dia desses, postei no Facebook um singelo desabafo:

Me perguntaram a que aspecto eu me referia e respondi: “Vários, basta acompanhar o noticiário”.

O noticiário que coloca um defensor da ditadura militar e de torturador condenado nas primeiras posições da disputa presidencial. Um noticiário que entrevista esse cara e ouve dele que transformará, caso eleito, todas as escolas em colégios militares. Um noticiário que mostra que um grupelho de aborrecentes reacionários conseguiu censurar uma mostra que reúne várias obras de arte, algumas centenárias. E até um tumblr foi banido em consequência disso. O noticiário recente inteiro me mostra um país cada dia mais careta e carola, mais a fim de marchar e rezar, um ex-país do Carnaval, do Stanislaw, do criativo, do humor, do samba e do lúdico. Um país cada dia mais obscurantista, fanático, retrógrado, radical. De volta à Idade Média.

Suspiros.

Esta obra é de 1910, for Christ sake!!!

Eu não ia mais escrever sobre Bolsonaros, MBLs e afins porque acho que esses caras não deveriam ganhar nenhuma linha no noticiário, nem nos jornalões nem nos blogs alternativos. Também não ia comentar o caso do Santander, porque, sinceramente, foi um assunto da semana retrasada e tendo a achar que tudo o que devia ser dito a respeito já foi, tanto pelos xiitas quanto pelos “sunitas”.

Mas hoje concluí que trata-se daqueles temas que a gente não pode deixar de se posicionar, pra não consentir calando. E, ainda por cima, é um dos temas que são mais caros a este blog. Já disse aqui antes: não levanto bandeira de quase nada nesta vida, mas se tem uma causa que eu abraço é a da liberdade de expressão, imprensa e pensamento. Liberdade artística, é claro, entra no meio.

Vi as peças — algumas poucas, dentro da enorme coletânea — que seriam expostas pelo Queer Museu. Minha reação foi parecida com a que tenho após visitar qualquer exposição: achei algumas obras péssimas, outras geniais, algumas vazias e outras bonitas. Não sou crítica nem super entendida de arte, então essa minha opinião é simplesmente irrelevante.

Só acho que todos têm direito a produzir e expor arte. E que arte tem como um de seus objetivos justamente incomodar, provocar, pôr o dedo na ferida para gerar reflexão ou mudanças. Algo que essa coleção censurada conseguiu, afinal, tá de parabéns. “Ah, mas é ofensivo”. Se todas as obras de arte que ofendem a algum grupinho tivessem que ser censuradas, não haveria mais arte no mundo. Só a ditadura do pensamento único. Charlie Hebdo ofendeu um grupo islâmico radical e levou bomba. É isso que queremos? Censura ou bomba para tudo o que nos incomoda ou diverge de nós?

“Ah, mas crianças não deveriam ver”. E daí? Existe um mecanismo aplicado há anos pelo Ministério da Justiça que se chama “classificação indicativa”. Só garotos acima de 14, 16 anos estão preparados para ver algumas daquelas peças? Bota classificação então, tão simples.

Mas não: o Brasil abdicou do direito de pensar, de rir, de provocar. Agora a ordem da vez é marchar e rezar. Salve-se quem puder.

Cena do clipe superclássico do Pink Floyd “Another Brick in the Wall”

 

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

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