O fim da democracia e uma nova era de regimes fascistas

Desenho de homem carregando caixa em que está escrito: "Cuidado democracia FRÁGIL"
Charge: Guto Respi

Anteontem eu estava conversando com o Beto Trajano e ele comentou: “Estamos vivendo um momento muito maluco da História. Estamos vendo a democracia acabar” – algo assim.

Eu não acho que esteja acabando, pelo menos não de vez. Mas concordo que estamos entrando em mais um ciclo de regimes autoritários da História.

Fico imaginando como os progressistas de um século atrás deviam se sentir angustiados, como nós nos sentimos hoje. Em 1925 – há exatos 100 anos – Benito Mussolini passou a usar o título Il Duce, estabelecendo sua ditadura totalitária na Itália, que ele já governava, como primeiro-ministro, havia três anos.

Também em 1925, a Alemanha, terra de filósofos geniais e que vivia uma democracia, colocava no poder o militar conservador-nacionalista Paul von Hindenburg. Apenas oito anos depois, Adolf Hitler foi nomeado chanceler.

Em Portugal, a ditadura de Salazar durou de 1933 a 1974. Entre 1939 e 1975, Franco governou a Espanha como ditador.

Quando as ditaduras começavam a ser derrubadas na Europa, passaram a se fortalecer na América Latina. Entre os anos 1950 e 1970, vários de seus países viveram ditaduras de extrema-direita, instauradas com apoio dos Estados Unidos: Paraguai (desde 1954), Bolívia (1964), Brasil (de 1964 a 1985), Uruguai (1973), Chile (1973), Argentina (1976).

Paralelamente, a Rússia vivia um regime autoritário da esquerda, que também tinha características semelhantes aos fascistas, como militarização, nacionalismo exacerbado, culto a um líder, propaganda, censura e perseguição a oponentes.

Os Estados Unidos, que sempre se autoproclamaram guardiões da democracia, além de terem insuflado e patrocinado todas as ditaduras das Américas e de vários outros países (seja como pretexto para combater os comunistas, seja por razões puramente econômicas, como a exploração de petróleo), também perseguiram “comunistas”, reais ou fictícios, dentro de suas fronteiras.

Vale lembrar o período do macarthismo, na década de 1950, em que houve grande repressão interna, estímulo à espionagem e à delação, além de muito medo.

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Isso tudo, gente, foi ONTEM. Vivemos esse pesadelo de autoritarismo, repressão, ódio, censura e outras características típicas do fascismo, quase sem tréguas, ao longo de boa parte do século 20.

Só que eu, o Beto e outros dessa geração nascida a partir da década de 1980 tivemos a sorte e privilégio de viver em um mundo que já defendia as liberdades de expressão, liberdades individuais e defesa dos direitos civis e humanos. Pelo menos aqui no Brasil e em boa parte do mundo ocidental.

Crescemos nesse mundo democrático. Chegamos aos 40 anos de vida podendo eleger nossos representantes políticos, fazer passeatas e protestos contra o que não concordávamos, fazer greves contra abusos trabalhistas, ler, escrever e pensar sobre tudo, educar nossos filhos com a mesma liberdade.

Agora, com o fortalecimento do bolsonarismo, no Brasil, do trumpismo, nos Estados Unidos, e com as eleições de vários outros governantes autoritários em países da Europa e Américas, acendemos o alerta: a democracia está prestes a acabar! De novo.

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Talvez desta vez seja pior do que no século passado, e em outros ciclos anteriores (lembram da Idade Média?), por algumas razões. Desta vez, temos toda uma tecnologia sendo usada para fortalecer os pensamentos extremistas e disseminar desinformação e fake news. Se na época de Hitler ele só tinha jornais, cartazes e o rádio para se comunicar, hoje temos mentiras e propaganda sendo bombardeadas num celular, chegando às pessoas pela palma de suas mãos, da hora que acordam à hora que vão dormir.

Além disso, o que Donald Trump está instaurando nos Estados Unidos hoje não tem precedência na História daquele país. E, querendo ou não, o que acontece lá impacta em todo o mundo, de várias formas. Ver aquele império ruir, como previram alguns pensadores, abre todo um chão à nossa frente, e não podemos nem imaginar como será o mundo das gerações futuras.

Ontem li uma entrevista da BBC com o professor da Universidade de Yale Jason Stanley, autor do livro best-seller “Como funciona o fascismo”, em que ele diz que os Estados Unidos de hoje, abril de 2025, já pode ser considerado um país em regime fascista. Imediatamente lembrei do que tinha me dito o Beto na véspera, e fiquei pensando em todas estas coisas que escrevi neste post.

Acho que vale a leitura na íntegra, mas separei alguns trechos para quem estiver na correria. Os grifos em negrito são meus:

“As instituições democráticas vão ser atacadas. O Estado de direito já foi violado. Estão prendendo estudantes… Acho que já somos um regime fascista.”

“O presidente e Elon Musk estão fazendo o que querem. Os tribunais são um desastre… Não somos a Alemanha nazista, mas estamos a caminho de algo muito ruim.”

“Estão atacando a mídia, os tribunais e as universidades. Mike Johnson [republicano que preside a Câmara dos Deputados] disse explicitamente: vamos dissolver os tribunais se eles não concordarem conosco.”

“Estão prendendo estudantes nas ruas por escrever artigos de opinião, e dizendo que ninguém que não seja cidadão americano pode falar sobre política agora porque seus vistos podem ser revogados imediatamente. Por que eles parariam por aí, com cidadãos não americanos?”

“Meus dois filhos são negros, e sua identidade está sendo apagada, atacada e minimizada.”

Em todos os países, 30% das pessoas querem o fascismo. A Europa do pós-guerra está bem ciente de que as democracias podem votar para se enfraquecer.”

“Este é o problema mais antigo da filosofia política democrática. Isso remonta a Platão: nas democracias, um demagogo aparece, aterrorizando as pessoas sobre um inimigo interno e um inimigo externo, e quando ele assume o poder…”

“Acho que temos uma ditadura. Eles afirmam que são uma ditadura. Dizem que têm os poderes de uma ditadura. E não acho que as instituições estejam demonstrando que eles estão errados.”

Trump certamente age como um ditador, e diz que é um ditador. E seu partido vota 100% com ele. Eles agem como um sistema de partido único, sem oposição, como o partido de um ditador. E as instituições devem dizer: “Não, você não é um ditador”. Mas isso não está acontecendo.”

“Trump disse que é um rei, que é a autoridade absoluta. 100% do seu partido está com ele. Parece com a China ou qualquer país autoritário, e as instituições não impedem isso. Será que as pessoas gostam deste tipo de coisa? Claro.”

“É uma velha questão que também surgiu com a monarquia: por que tantas pessoas estavam dispostas a morrer para que um rei pudesse se vangloriar? Por que tantos americanos estão dispostos a sacrificar seu bem-estar material para tornar Elon Musk mais rico?”

Eu me pergunto mesmo: por quê? O que pode explicar que tantas pessoas apoiem esse tipo de regime, de pensamento, de filosofia?!

Me chamou a atenção o trecho em que ele diz que 30% das pessoas, em todos os países, querem o fascismo. No Brasil, esse é o percentual que aparece há alguns anos, em todas as pesquisas, de pessoas que estão com o bolsonarismo independente de qualquer coisa. É isso, estamos vivendo isso.

Como comprar o livro de crônicas (Con)vivências, de Cristina Moreno de Castro, do blog da kikacastro.

O que me traz alguma esperança, em meio a esse cenário obscuro, é que já passamos por esse ciclo antes na História, e, embora as armas que os ditadores tinham fossem menos poderosas do que têm hoje (olha a IA aí, à mão de qualquer um, sendo capaz até de colocar palavras nas bocas das pessoas nos vídeos!), o restante da sociedade também tinha muito menos ferramentas e possibilidades de reação ao autoritarismo e, ainda assim, conseguiu reagir.

Nossos pais e avós e outros ancestrais conseguiram sobreviver a grupos truculentos e cruéis no passado, então talvez nossa geração e a de nossos filhos também consiga encontrar uma saída. Que a gente se inspire nesta bela canção de J. Silva:

A História está sempre se repetindo. Cabe a nós conhecermos o passado para evitar que as piores tragédias voltem no presente e no futuro – e também para saber como podemos nos livrar delas, quando tiverem, realmente, voltado.

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

2 comments

  1. Seu artigo está sendo divulgado no X de Elon Musk e no Facebook, o que mostra que mesmo na Internet ele tem espaço para suas ideias progressistas. Vamos aproveitar esses espaços. Sabemos pela física que a cada ação corresponde uma reação. Em muitos casos, a reação demora. Nasci quase no fim da ditadura de Hitler, mas demorou uns 40 anos para que caíssem as de Franco e Salazar. E muitas outras surgiram, com apoio dos Estados Unidos, e várias já caíram. Por sorte nossa, ainda tempos Lula e, para se contrapor a esses malafaias da vida, o papa Francisco. Vida que segue.

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