Reflexões sobre medo de mudança, rotina e flexibilidade

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O camaleão é o símbolo da adaptabilidade. Então está ótimo para ilustrar este post reflexivo! | Foto: Arnold Straub / Unsplash

O Luiz desandou a chorar numa manhã dessas. Tinha acabado de saber que teria que ficar no contraturno na escola às quartas. Ou melhor, ele já sabia que teria essa mudança uma vez por semana, mas, quando ela se concretizou, saiu do campo da teoria, ele assustou. E chorou, chorou.

“Eu queria pular este ano!”, gritou. E listou o tantão de mudanças que já tinham acontecido em tão pouco tempo:

  • a mudança para o terceiro ano, com uma professora nova (e ainda sem o amor construído com a do ano passado),
  • a mudança de horário na natação, também com professora nova,
  • minha mudança de emprego, de volta ao trabalho presencial (de segunda a quinta), depois de um ano e meio em home-office.

E agora mais essa! O papai Beto, inteligente demais, foi aprovado em um mestrado e vamos precisar do ensino integral uma vez por semana…

Conversei longamente com ele, até se acalmar. A verdade é que mudanças assustam mesmo. Assustam todo mundo, que dirá as crianças.

Muita gente reclama de rotina, mas rotina é uma benção. Somos programados para as rotinas. Elas facilitam a vida imensamente. Nos poupam o esforço de pensar e nos desafiar o tempo todo, porque boa parte das nossas ações podem ser automatizadas, graças a elas.

A rotina é um aconchego. É acolhedora. Nos abraça e conforta. Pode até ser diversa, variar entre os dias da semana, mas ainda assim ser uma rotina. Por exemplo, quando reservei minhas manhãs de sexta para ficar com o Luiz no clube. Elas eram diferentes das outras manhãs, mas eram nossa rotina de sexta.

A mudança radical de rotina assusta. Mas expliquei a ele que ela logo dá lugar a outra rotina. Em breve, as manhãs de quarta fazendo atividades de contraturno na escola serão uma rotina gostosa para ele, que vai deixar saudades quando o mestrado do papai acabar e ele não precisar ir mais lá (e nem a gente preci$ar mais pagar…). Ele reagiu: “Duvido!” Mas já o conheço o suficiente para saber que assim será.

Também tenho certeza que ele vai terminar o terceiro ano na escola aos prantos, com saudades da professora que hoje ainda é uma mera desconhecida – assim como terminou o segundo ano chorando de saudades da Eli. As novas rotinas, que engolem as velhas, às vezes são piores, mas muitas vezes guardam surpresas lindas.

Eu mesma tive que me desdobrar para me adaptar à minha nova rotina, no novo trabalho. Até carro tive que voltar a ter. A correria voltou, ainda que sem o estresse louco que eu vivi em outras redações.

O que me leva à última reflexão que eu tive com meu filhote, naquela manhã chorosa. Que uma das maiores qualidades que podemos ter na vida – uma das mais úteis, pelo menos – é a flexibilidade. A capacidade de suportar mudanças e se adaptar a elas. Mesmo que adoremos o conforto das rotinas, depois de reestabelecidas.

Porque a vida é imprevisível e, mais que isso, é instável. “O mundo dá voltas”, diz o velho ditado. “A Terra plana capota”, diz um meme mais recente. Os dois estão certos: a única certeza que podemos ter na vida, além de que um dia ela dá lugar à morte, é que seremos obrigados a passar por muuuuitas mudanças de tempos em tempos, à nossa revelia. Ter flexibilidade para encará-las ajuda a poupar muito sofrimento.

Empregos mudam, relacionamentos terminam, rotinas já confortáveis dão lugar a outras bem mais confusas. Tudo passa – o que é bom e o que é ruim. A maleabilidade nos permite aproveitar essas passagens, surfar com elas, em vez de apenas torcer para que acabem logo – perdendo, nessa torcida infrutífera, um naco de vida, um tempo precioso e irreversível.

(Se meu filho parou de chorar depois que conversamos? Sim! Não por causa das minhas filosofices, mas porque descobriu que uma grande amiga estaria lá na escola nas manhãs de quarta também. Um porto-seguro da rotina velha inserido na nova rotina. Uma prancha para ajudar a surfar na mudança, em segurança. E tá ótimo. Porque ninguém nasce sabendo ser flexível. Tudo o que puder nos ajudar no processo é bem-vindo. Se for um amigo, então, nem se fala.)

***

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

4 comentários

  1. Oi Kika, também sou mãe, da princesa Bia, hoje com 6 anos, e fã dos seus textos! Me inspiro e muitas vezes antecipo a reflexão e lido melhor com muitas questões em casa graças aos seus relatos (sou fã do Luiz também!). Quando li seu texto pensei na palavra resiliência, que, assim como a flexibilidade, nos traz a capacidade de lidar bem com as mudanças! Grande abraço! Fabiana Cunha

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    1. Oi Fabiana! Que feliz que seu comentário me deixou, viu? Nada melhor do que saber que os textos que eu escrevo não só chegam a algum lugar como trazem algum conforto ou reflexão 🙂 Você tem razão, resiliência também se aplica muito a essas situações, e como faz falta a todos nós para enfrentar o dia a dia, né! Obrigada por seu comentário, abração para você e para a Bia, e volte sempre! :))

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  2. Oi, Cris é a Keli Vasconcelos, de Sampa, leitora (sempre que possível) e até já participei de seu blog. Parabéns, mais uma vez, pelo seu texto tão reflexivo. Sabemos bem como a vida nos surpreende e que é importante as mudanças, por mais arrebatadoras que sejam. O essencial é que a gente aprenda com as mudanças, pois tudo é bagagem nessa viagem. Que seja leve! Beijão

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