O jornalismo mudou. Para melhor ou pior?

À esquerda, o gravador de fita K7 que eu usava no início da carreira de jornalista, em 2007. À direita, o celular com gravador, que uso hoje.
A tecnologia mudou a forma de fazer o jornalismo. À esquerda, o gravador de fita K7 que eu usava no início da carreira de jornalista, em 2007. À direita, o celular com gravador, que uso hoje.

No dia 6 de setembro, reproduzi o post abaixo no LinkedIn e, mais uma vez, pela repercussão que teve lá, achei que valia trazer a discussão para cá também:

Tweet com críticas sobre o portal g1.

Com esta legenda: “Mudou a forma de fazer jornalismo, mudaram as prioridades nas redações. Isso é óbvio e até esperado. Minha dúvida é se mudou pra melhor.”

***

Esta brevíssima provocação, até a tarde de 12 de setembro, já tinha sido lido por quase 5.500 pessoas, só no LinkedIn, das quais 102 resolveram “reagir” de alguma forma e 20 encararam até deixar um comentário (!!). Em sua maioria, repórteres (7%), de São Paulo (33%) e que atuam com comunicação, mídia ou jornalismo (quase 100%).

Como eu disse, o post foi uma pequena provocação, na verdade. Eu tinha acabado de acessar o g1, como faço todos os dias (além de Folha, O Tempo, Itatiaia e outros sites de notícias que uso para me informar minimamente), numa quarta-feira de manhã, e visto em destaque na home (versão mobile), dentre as 12 principais chamadas, um total de 9 (75%) com essas abobrinhas estilo almanaque.

É comum os portais de notícias usarem esse tipo de conteúdo, que a gente chama de “frio”, em fins de semana e feriados. São as “gavetas”, matérias que os jornalistas produzem para dias sem muitas notícias “quentes”, ou factuais. Mas ainda não era feriado quando fiz esta observação sobre o g1: era dia útil, uma quarta-feira.

A busca pela audiência na internet

E foi só um dia que resolvi pegar de exemplo, mas a verdade é que o g1 tem, sim, priorizado esse tipo de conteúdo, muito na tentativa de atrair leitores mais jovens, habituados com as redes sociais, e os leitores que chegam até ali pelo Google. Em outras palavras, é uma tentativa (legítima) de buscar mais audiência. Só que estão fazendo isso com cartilhas já empoeiradas do universo do marketing digital.

Isso não é um movimento só do g1, minha antiga empresa (embora lá eu acho que os colegas estejam perdendo a mão). Você vê o mesmo em outros portais, como UOL etc. Daí porque, na minha legenda, eu refleti, de forma mais ampla, que “mudou a forma de fazer jornalismo“. Por causa do avanço tecnológico, por óbvio, mas não só.

Como eu escrevi, não sei se essa mudança é para melhor. E acho simplista dizer que estamos atendendo a uma demanda dos leitores. Os leitores também estão consumindo esse tipo de conteúdo porque é o que é oferecido a eles. Mas as pessoas gostam, sim, de notícias. De boas reportagens. De furos. Basta ver como a audiência dos portais vai às alturas em dias de grandes factuais, como megaoperações policiais, acidentes trágicos, WhatsApp fora do ar, votações importantes no Congresso, decisões impactantes no STF e afins.

Um debate sobre as mudanças no jornalismo

Enfim, não tive e nem tenho a pretensão de trazer respostas para o que considero um debate muito sério, e que provavelmente está sendo travado nas faculdades de jornalismo mundo afora. Mas, como jornalista com 15 anos de experiência em Redações – e leitora, em última instância –, gosto de refletir sobre essas coisas.

E fico feliz por ter provocado a reflexão em outros colegas também. A seguir, alguns comentários, de gente muito qualificada, que surgiram lá no post do LinkedIn:

“Se os veículos e nós, jornalistas, minimizarmos as notícias, estaremos cometendo dois erros: primeiro, deixamos de fazer o trabalho que nos distingue e é nossa razão existencial; e, segundo, passamos a concorrer em desvantagem com Bloggers, youtubers, influencers e outros que fazem esse ‘infotenimento’ com estruturas mais leves e menos onerosas. De bônus, contribuímos para construir um público leitor/audiência com cada vez menos habilidade para identificar e diferenciar conteúdos jornalísticos. Acho que é nosso dever individual e profissional insistir na reportagem contextualizada e criteriosa para entregar ao público instrumentos que o ajudem a embasar suas decisões e escolhas, ainda que rendam menos cliques no curto prazo. Escrever mais para pessoas do que para algoritmos. Perdoe-me o textão e parabéns por levantar esse debate.” (Frederico Duboc, jornalista e mestre em relações internacionais).

“Querida Cristina Moreno de Castro, me fiz uma pergunta parecida com essa sua há alguns dias. Assim como eu estou sem entender como naturalizaram fazer “denúncias” sem ouvir o outro lado, sem dar ao outro lado a oportunidade de responder. O jornalismo é a soma das versões, a meu ver. O problema aí, já levantado por muitos companheiros queridos e qualificados, é que o jornalismo se enveredou definitivamente para o interesse do público e esqueceu-se do interesse público. São dias difíceis que não me fazem ter a menor vontade de voltar um dia para as redações.” (Rodrigo Freitas, secretário adjunto de Comunicação em Contagem, jornalista e consultor).

“Estamos colhendo os frutos dos erros das décadas passadas. Os jornais impressos tinham 70% do faturamento em mídia pública e 30% em anúncios e classificados. Os jornais já estavam na internet, no início dos portais, e essa receita se mantinha. Ninguém previu ameaças a esse cenário. As opções para os anunciantes continuavam praticamente as mesmas. Chegaram as redes sociais. Cresceram e engoliram o mercado. Agora, cada empresa, grande ou pequena, faz sua própria divulgação. Mais barata, direcionada e mensurável. O poder público também passou a usar isso. E os classificados são gratuitos em sites, redes sociais e grupos. Resultado? A receita dos jornais derreteu. O jogo virou. Agora os jornais são reféns dos algoritmos. Tudo isso porque os mesmos jornais que sempre falaram de economia, tecnologia e empreendedorismo acabaram se acomodando e não fizeram nada para diversificar as receitas. Só que o problema agora é nosso, é dos jornalistas que tentam sobreviver.” (Jean Piter, jornalista especializado em marketing e escrita criativa)

O jornalismo virar totalmente refém das redes sociais e dos buscadores é um tiro no pé. Mas estou quase sozinho nessa luta. O ideal, claro, é tentar o equilíbrio, mas sem esquecer do conteúdo. E da notícia.(Eduardo Geraque, jornalista)

Estou contigo, Geraque! É um absurdo a gente se render totalmente ao que as redes sociais e buscadores acham que as pessoas devem saber. SEO deve ser uma ferramenta, mas não a única.” (Denyse Godoy, jornalista)

“O problema é provocado pelas big techs. A lógica dos algoritmos se tornou a síntese de tudo. O jornalismo certamente seria capturado por essa lógica. Resumir tudo em algoritmos não pode ser visto como evolução. Pelo menos pra mim. É desumanizante.” (Guilherme Reis, jornalista e assessor)

E você, o que acha disso tudo? Deixe suas ideias nos comentários 😉

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

2 comentários

  1. Oi, Cris! O processo/questionamento que apresenta no seu texto , sobre o jornalismo, tem feito parte do meu dia a dia. Trabalhei como jornalista de cultura entre 2013 e 2015. Pausa. Volto para redação em 2022, como redator de trends e capista. Nos primeiros meses, fui tomado por profundo incômodo. A falta de apuração, de ligar para perguntar, de conversar com fontes, me causou profundo desconforto, que foi compartilhado com colegas dentro e fora da redação. Virei um profissional do ‘entenda’ e do ‘você sabia que’ e meu editor-chefe, no fim do dia, é o ‘SEO’. Atualmente, estou mais tranquilo com a situação e tentando, sempre que possível, produzir algo que estimule a crítica, o conhecimento, a curiosidade do leitor. Embora haja espaço, não há muito tempo apara isso. Mas um problema de cada vez…

    Se for para caracterizar a mudança em termos dicotômicos, não há dúvidas que o cenário no qual as matérias são feitas sob demanda do leitor e dos algoritmos seja pior. No entanto, o eterno amaranhado entre empresa-demanda-renda-produção… faz parte da equação do jornalismo desde o surgimento dele, talvez agora de forma mais visível por estremecer nas estruturas do ofício. Considerando esse contexto, comecei a buscar brechas possíveis de produção para além do entretenimento. Sempre que as identifico, sigo-as e faço. Não há muitas, mas existem. Obviamente, isso não se trata de um resolução ou resposta para o questionamento; apenas um depoimento.

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