Cara vizinha do andar de cima,
Não tive a oportunidade de te conhecer ainda, não sei seu rosto ou idade. Então você tampouco me conhece. Mas tomo a liberdade de te escrever para falar sobre seus saltos altos.
Não se preocupe: eles não me incomodam realmente. Não sou daquele tipo que fica irritada com barulho de vizinho. (Até porque já fui vítima de vizinhos malucos, que me acusavam de estar arrastando móveis de madrugada, quando eu já estava em meu quinto sono.) Ainda mais o barulho inocente de um sapato.
O toc-toc-toc entediante até dá sono. Lembra o tic-tac daqueles relógios antigos da casa dos avós.
Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Etc.
Nessas centenas ou milhares de passos que você distribui pelo assoalho, vou bocejando, sentindo as pálpebras pesarem como se estivessem recebendo mais um carregamento de areia de um dia exaustivo.
Mas eis que me dano a pensar. E, quando penso demais, perto da hora do sono, periga de chegar a insônia. Por isso achei por bem escrever a cartinha.
Penso que não sei como você dá conta de andar de saltos altos dentro de casa. Sinto até uma certa inveja da habilidade digna de “As Panteras”. Eu só uso saltos, e bem baixinhos, em festa de casamento. Mesmo assim, troco pelas havaianas na primeira oportunidade. Confesso: pareço uma pata manca sobre saltos.
Imagino que você precise trabalhar de saltos. Parte do uniforme, como das aeromoças. Então tira de letra a tarefa hercúlea.
Mas daí penso: se você já precisa galgar esses centímetros durante o expediente, deveria relaxar em casa. Calçar deliciosos chinelos velhos. Melhor ainda, neste frio: pantufas! Ou, se calor: aproveitar as maravilhas de andar descalça.
Afinal, por que alguém, em sã consciência, optaria por usar saltos altos por várias horas, dentro da própria casa?!
Foi nessa altura dos pensamentos que me ocorreu escrever este bilhete. Não é para reclamar, nem para criticar — ou julgar, como é costume da época. Mas para tirar esta minha dúvida genuína. Se dinheiro estivesse sobrando, a cartinha chegaria acompanhada de pantufas de vó, bem fofinhas e confortáveis, de um creme gelado para pés e de um disco agradável, algum blues mais suave e alegre, talvez de alguma big band da Califórnia. Seria meu convite ao desestresse no lugar que nos cabe para isso neste universo apertado: nossas casas.
Vai só a cartinha mesmo, mas acompanhada do desejo autêntico de que você desacelere, descanse bastante e acorde feliz — sem bolhas nos pés.
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Excelente o seu blog.
Continue atualizando os retrocessos do temer e sua turam.
Obrigado.
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Obrigada, Luiz! Em breve vou soltar o post com a lista atualizada de retrocessos. Volte sempre 🙂
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Adorei a carta, mas se por ventura descobrir a profissão dela publique rs.
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Pode deixar! 🙂
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Amei a crônica! uma maneira educadíssima de dizer: “pare com esse barulho infernal, sua…” Parabéns, Kika!
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Obrigada, Fernanda! Volte sempre 😉
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