Se até as vacas fazem rolezinhos…

vaquinhas

 

Depois que li ESTE TEXTO me dei conta de que não há nada mais antigo e defasado do que os rolezinhos. Na verdade, desde que há jovens no mundo (ou desde que o mundo é mundo), eles provavelmente existem. No tempo dos meus pais, eles diziam que estavam fazendo “footing” na pracinha da cidade do interior — aquela onde fica a igreja. Na verdade, os jovens ficavam dando voltas e mais voltas — rolezinhos — enquanto se observavam, paqueravam e iniciavam namoros. Nos anos 1990 — há mais de 20 anos, portanto! — os grandes centros de lazer já começaram a substituir as pracinhas nas capitais. Ou seja, os rolezinhos passaram a acontecer nos shoppings. Os Mamonas Asssassinas, banda ícone daquela época, até registraram isso em música. A diferença para o que acontece hoje é só uma: a quantidade. Por causa das redes sociais, muito mais jovens passaram a combinar os rolezinhos, ao mesmo tempo, ainda com o mesmo objetivo de se divertirem. Aí o pessoal prestou atenção, esqueceu a própria juventude — e assustou.

Dito tudo isso, passo a sentir um quê de ridículo por ter filosofado tanto a respeito das causas e consequências sociais dos rolezinhos. E acho ainda maior a sensação de ridículo ao ver que eles mobilizam secretários de segurança pública e até a presidente da República do meu país — na mesma época em que o Maranhão vive uma verdadeira guerra em seus presídios. É patético e escabroso ver toda aquela força ser empregada pela polícia contra aqueles jovens. Chega a ser cômico ver a palavra “rolezinho” estampada na manchete dos maiores jornais do país. Provavelmente, um estrangeiro que lesse isso pensaria se tratar de um fenômeno impressionante, algo absolutamente incomum — e ficaria chocado ao constatar se tratar apenas de jovens da periferia indo ouvir um funk e dar uns beijos em shoppings de algumas capitais.

Por isso, decidi que não mais vou abordar o assunto por aqui. Acabou. A menos que o evento, que é mais velho que a serra, realmente se transforme em algo absolutamente novo, vou ignorá-lo. Vou continuar protestando contra os abusos da polícia, mas não por ocorrerem num rolezinho, e sim por serem desferidos contra os mesmos jovens que já apanham diariamente em seus bairros. E que os rolezinhos continuem livremente, que sejam felizes, de preferência com menos sociólogos, filósofos e colunistas desocupados (eu me enquadrando nisso tudo) discorrendo sobre o evento, como se fosse coisa de E.T.s.

Para coroar minha decisão, deixo aqui um vídeo bem-humorado de uma cena que só poderia ter acontecido em nossa querida roça-grande de belo horizonte, que tanto amamos. Em 2011, uma dezena de vaquinhas resolveu fazer um “rolezinho” em um shopping da cidade. Aderiram a uma não-causa dos humanos, que, naquela época, já era mais do que corriqueira:

E bora todo mundo rolezar — mas com um pouco menos de política, de vez em quando, minha gente 😉

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

6 comentários

  1. Sei lá, Cris. Vai acabar voltando a esse assunto, pelo andar da carruagem. Bom artigo sobre o tema:
    http://www.cartacapital.com.br/revista/783/shopping-center-nao-e-praca-6350.html

    Gostei sobretudo do último parágrafo desse artigo do Mino Carta:

    “De um lado, assistimos ao sonho de consumismo da juventude suburbana, que pretende ser admitida à tertúlia, a imitar heróis novelescos e a sociedade de Caras, em busca da afirmação pelo acesso às grifes. Do outro, o pavor de sempre, o calafrio a percorrer a dorsal dos privilegiados, na expectativa da rebelião das massas. Sosseguem, leões. Por ora, não é o caso. Por ora, creio eu, e ainda por muito tempo.”

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  2. “É patético e escabroso ver toda aquela força ser empregada pela polícia contra aqueles jovens.”
    “Vou continuar protestando contra os abusos da polícia, mas não por ocorrerem num rolezinho, e sim por serem desferidos contra os mesmos jovens que já apanham diariamente em seus bairros.”
    A Força Policial não está sendo empregue no objetivo para a qual foi criada: garantir a segurança interna de um país e a defesa dos direitos dos seus cidadãos.

    “Chega a ser cômico ver a palavra “rolezinho” estampada na manchete dos maiores jornais do país.”
    Chega a ser triste ver a nossa imprensa que escreve sobre a violência, sobre a corrupção, sobre os políticos, sobre o futebol, sobre os abusos de poder, sobre espionagem, etc., mas não descrevem as causas porque um quarto da população vive do “bolsa família” e por conseguinte vive no limiar da pobreza e nem constam das estatísticas do desemprego.

    Muito interessante o seu artigo!

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  3. Outro bom artigo sobre rolezinho, dessa vez do deputado federal negro Edson Santos (PT-RJ). Trecho:

    “Golpistas e oportunistas de plantão traçam planos parecidos com aqueles com os quais tentaram capturar as manifestações populares de junho passado. Agora, pensam em estimular atos violentos nos rolezinhos para colar a conta na testa do Governo, utilizando-se do medo dos pobres que as elites sempre tiveram.

    Quem tem mais de 30 deve se lembrar dos arrastões, registrados por equipes de TV incrivelmente bem posicionadas, que mudaram o curso das eleições cariocas de 1992. Benedita da Silva, negra e favelada como os garotos que causaram confusão nas praias, foi superada na reta final da disputa pelo discurso da ordem de Cesar Maia.

    Mas a história se repete como farsa. Os rolezinhos são manifestações sociais diferentes daquelas que ocorreram no passado.”

    Íntegra: http://www.depedsonsantos.com.br/rolezinho-e-intolerancia/

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  4. Cris, eu não consigo entender o motivo de tanta celeuma em torno destes chamados rolezinhos. Lembro, quando era adolescente, da turma chamando os amigos e vizinhos pra “dar um rolê” na praça, no parque ou no clube – e, mais tarde, nos shoppings que começavam a expandir. Claro, hoje o “rolê” é muito maior do que os 5 ou 6 amigos que saíam juntos no meu tempo – a “rede social” era na rua mesmo – e chega a lugares que outrora os jovens da periferia nem sonhavam em chegar perto e talvez aí esteja o “diferencial”.

    Lembro, no entanto, de estar em um shopping em Salvador – em bairro nobre, classe média alta – e ter visto grupo de aproximadamente uns 8 estudantes com o uniforme de colégio particular (dos mais caros da cidade) fazendo o “rolezinho” pelos corredores, falando alto e rindo à vontade. Neste caso, ninguém se escandaliza. 😉

    Adorei o vídeo das vaquinhas! rs Bjks

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