Atendendo ao pedido do meu colega Samy (o único da Folha que lê meu blog ;)), coloco aqui o trecho de um texto de José Saramago que adoro, chamado “O Conto da Ilha Desconhecida”.
Não é muito grande e vocês deveriam ler até o final, viu?
Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco. A casa do rei tinha muitas mais portas, mas aquela era a das petições. Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos obséquios (entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que ouvia alguém a chamar à porta das petições fingia-se desentendido, e só quando o ressoar contínuo da aldraba de bronze se tornava, mais do que notório, escandaloso, tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar, Que rei temos nós, que não atende), é que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, que não havia maneira de se calar. Então, o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário, este chamava o terceiro, que mandava o primeiro-ajudante, que por sua vez mandava o segundo, e assim por aí fora até chegar à mulher da limpeza, a qual, não tendo ninguém em quem mandar, entreabria a porta das petições e perguntava pela frincha, Que é que tu queres. O suplicante dizia ao que vinha, isto é, pedia o que tinha a pedir, depois instalava-se a um canto da porta, à espera de que o requerimento fizesse, de um em um, o caminho ao contrário, até chegar ao rei. Ocupado como sempre estava com os obséquios, o rei demorava a resposta, e já não era pequeno sinal de atenção ao bem-estar e felicidade do seu povo quando resolvia pedir um parecer fundamentado por escrito ao primeiro-secretário, o qual, escusado se ria dizer, passava a encomenda ao segundo-secretário, este ao terceiro, sucessivamente, até chegar outra vez à mulher da limpeza, que despachava sim ou não conforme estivesse de maré.
Contudo, no caso do homem que queria um barco, as coisas não se passaram bem assim. Quando a mulher da limpeza lhe perguntou pela nesga da porta, Que é que tu queres, o homem, em lugar de pedir, como era o costume de todos, um título, uma condecoração, ou simplesmente dinheiro, respondeu, Quero falar ao rei, Já sabes que o rei não pode vir, está na porta dos obséquios, respondeu a mulher, Pois então vai lá dizer-lhe que não saio daqui até que ele venha, pessoalmente, saber o que quero, rematou o homem, e deitou-se ao comprido no limiar, tapando-se com a manta por causa do frio. Entrar e sair, só por cima dele.
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Saramago para iniciantes é o livro infantil q ele escreveu:
http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=40243
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Tem um video de animação baseado em um dos contos:
http://www.youtube.com/watch?v=-KTL94Rl7CI (em portunhol)
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[]s,
Roberto Takata
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Que legal, eu não conhecia! 🙂
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Muito bom
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😀
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Eu leio tudo 😉
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Que bom! Mais um leitor 😉
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Eu também sempre leio, ué.
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É vero… É que vcs dois comentam pouco e o Samy senta na minha frente, então comenta todo dia hehehe
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magnífico, estava sedenta de boa leitura, obrigada
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Volte sempre 😀
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