Ser mulher é… exaustivo.
Carregamos o mundo nas costas (e às vezes no ventre).
Somos cobradas para estar sempre lindas e bem-humoradas, somos proibidas de envelhecer, temos que nos submeter a um negócio horrível que chamam de “fazer as unhas”, não podemos ter rugas nem cabelos brancos.
Temos que estar magérrimas, em constante dieta, fazer atividades físicas diárias – cuidado com o colesterol, cuidado com a glicose, olha essa comida que emagrece, olha essa influencer, olha esse filtro.
Estão nos acostumando a viver mascaradas por um filtro; as toneladas de maquiagens ou de procedimentos estéticos são insuficientes.
Temos que gerenciar nossas casas como se fôssemos um combo de faxineiras, arquitetas, contabilistas e síndicas. Para cuidar dos filhos, devemos ser um misto de professoras, enfermeiras, nutricionistas, cozinheiras e animadoras de festas infantis. Não basta sermos mães, temos que ser supermães: acompanhar a agenda, o para-casa, comprar o presente do aniversário da amiga, levar pra festinha, marcar a pediatra, levar à pediatra, levar para os exames, para a natação, o cinema, brincar, brincar, entreter, botar pra dormir.
Quando alguém da família adoece, o filho, o marido, os pais, somos nós que damos um jeito de cuidar, levar ao pronto-socorro, ficar no hospital. Somos as cuidadoras oficiais do mundo. Não à toa, somos as que mais trabalham como voluntárias, as que mais atuam em filantropia, as que mais cuidam de quem não tem nada. Cuidamos das nossas famílias e das famílias dos outros. Somos as que vão para as cadeias visitar os parentes presos, as que não desistem dos loucos e degenerados, quando todos já desistiram.
No trabalho, somos as mais responsáveis, as mais produtivas, mas geralmente temos que provar muito mais nossas capacidades, e quase sempre trabalhamos mais e ganhamos menos que nossos pares masculinos. Quando viramos gestoras, somos instadas a “botar o pau na mesa” para gerenciar uma equipe (juro que ouvi isso de uma mulher), a agir como se fôssemos homens, a agir agressivamente para supostamente conquistar respeito, bater metas, sei lá o quê. Quando defendemos uma gestão humanizada, gentil, suave, somos tachadas de fracas, de bobas, de incapazes. “Ela não dá conta”, ouvimos. Muitas vezes de outras mulheres.
Lidamos com fofocas, inveja, ciúmes, rasteiras. Muitas vezes cometidas por outras mulheres.
Sim, mulheres deveriam se ajudar mais, se entender mais, mas nem sempre isso acontece. A incompreensão de mulheres sem filhos com mulheres com filhos é gritante, todas que têm filhos já passaram por isso. Claro, também temos que suportar a incompreensão dos homens, mas acho que vinda de mulheres ela dói mais, é mais incompreensível também, mais injusta.
Dos homens, já estamos acostumadas. “Ela deve estar naqueles dias”, fazem chacota, se discordamos com mais veemência de suas brilhantes ideias. Eles também estão acostumados a nos interromper, a nos ensinar (até sobre algo que estamos carecas de saber), a ser condescendentes.
No dia das mulheres, o noticiário e as redes sociais esfregam em nossas caras todas as injustiças a que somos submetidas: os números e estatísticas que provam como carregamos o mundo nas costas (como eu disse lá no início), mas somos pouco recompensadas por isso; os números e estatísticas que mostram como muitas de nós são abusadas, violentadas, agredidas e mortas (domingo à noite a violência é mais comum, leio na reportagem).
Muitas de nós só queriam receber flores e mimos, mas aí nos lembram que, embora o mundo já tenha evoluído um bocado, ainda há muito a melhorar, e a luta continua sempre, até porque sempre tem um monte de gente querendo retroceder lá pra Idade Média. Lugar de mulher? É em casa, cuidando do esposo, lavando vasilhas, de preferência calada. Em silêncio. E o dia da mulher é de lembrar que devemos gritar contra as injustiças, os abusos, a violência e o silenciamento. Que não queremos flores, queremos salários e oportunidades iguais, segurança ao andar nas ruas, segurança dentro de casa, tempo e condições de cuidarmos de nós como cuidamos dos nossos filhos e de todos os outros.
Ah sim, porque querem que estejamos lindas e saradas, mas não nos dão tempo para cuidar de nós mesmas. Geralmente só pensamos em autocuidado depois de termos colapsado com um burnout, e aí lembramos da nossa própria saúde, física e mental, e reservamos um tempo pra gente: um tempo sorrateiro, cheio de culpa, porque autocuidado é egoísta, é quase um palavrão.
Como eu disse: ser mulher é exaustivo. Não temos um minuto de paz. Somos cobradas por todos e todas, principalmente por nós mesmas, e poucos realmente nos dão as mãos. Poucas realmente nos apoiam, confortam, oferecem colo.
Mas, cansadas, seguimos. Temos que seguir, porque somos nós que fazemos este mundo girar. Porque aquelas de nós que têm a coragem de gritar e lutar e gerir ou gerenciar e cuidar e autocuidar, de maneira afetuosa e humana, estão ajudando a tornar esta jornada da vida em sociedade menos dura, mais doce e mais justa. E quem sabe inspirando outras mulheres a seguirem em frente, exaustas, mas mais fortes – justamente por terem recebido mais afeto e compreensão, e não críticas, cobranças e violência.
Solução é palavra feminina. Não é fácil, nem simples, mas é possível. Um dia a gente chega lá.
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