‘Sabrina’: como as fake news e as conspirações são criadas

Livro de Nick Drnaso mostra como as fake news e as teorias conspiratórias estão fortes no mundo atual – e os danos que elas podem causar

Não tenho o hábito de ler histórias em quadrinhos. Mas as poucas que li me surpreenderam positivamente – foi o caso de Persépolis, Confinada, The Art of Living e Blues, por exemplo.

Quando vi “Sabrina” na prateleira de destaque da biblioteca, as frases da contracapa me chamaram a atenção: “Uma obra de arte devastadora” (The New York Times). “É o melhor livro – da mídia que for – sobre o momento atual”. E assim por diante.

Eu ainda nem sabia que este tinha sido o único HQ já indicado ao Man Booker Prize (um dos mais prestigiosos prêmios de literatura do mundo).

Na verdade, não sabia nem mesmo do que o livro se tratava exatamente. Fui lendo às cegas, adivinhando apenas que seria impactante, de alguma forma.

E foi. Muito. Porque este é um livro sobre dois assuntos que muuuuito mexem comigo, sobre os quais vivo escrevendo aqui no blog: as fake news e as teorias conspiratórias (ou negacionismo).

De quebra, ainda trata da espetacularização da violência, de pseudojornalismo e mídias sociais. E todo o ódio que essas coisas provocam.

O livro foi escrito um ano depois que pós-verdade foi eleita a palavra do ano pelo Dicionário Oxford. A definição desse verbete também tem tudo a ver com o contexto de “Sabrina”:

“Informação ou asserção que distorce deliberadamente a verdade, ou algo real, caracterizada pelo forte apelo à emoção, e que, tomando como base crenças difundidas, em detrimento de fatos apurados, tende a ser aceita como verdadeira, influenciando a opinião pública e comportamentos sociais.” (Academia Brasileira de Letras)

Como se vê, são todos temas absurdamente atuais. O livro foi escrito em 2017, mas poderia ser de agora. Não houve nenhum avanço no combate a essas pragas modernas desde então. Pelo contrário, vivemos Trump e Bolsonaro. Vivemos o negacionismo científico durante a pandemia.

(E a tendência é que elas se disseminem cada vez mais, com a inteligência artificial ganhando novos usos e se popularizando, sem qualquer controle ou regulamentação.)

A história gira em torno de um assassinato de uma mulher aleatória, a Sabrina, cometido por um desses fanáticos incel vindos do submundo da dark web. Não bastasse a brutalidade do crime em si, vamos acompanhando como as pessoas relacionadas a Sabrina vão sendo impactadas pela rede de fake news e de teorias conspiratórias criada a partir da morte dela. Inclusive pessoas que nem conheciam Sabrina, e se tornam alvo de ameaças de morte e mensagens desvairadas.

Essas pessoas se tornam vítimas duas vezes: ao perderem uma pessoa querida e ao terem a própria reputação dilacerada.

O livro é quase um manual, bastante didático, de como são construídas essas redes de ódio, abastecidas por muita insanidade, e amplificadas pela internet e pelo anonimato dentro dos fóruns online. Ele usa o exemplo da violência, mas o mecanismo é o mesmo em todo o resto: na criação das fake news em torno de candidatos políticos, da vacinação, das mamadeiras de piroca e banheiros unissex da vida etc.

Que este livro sirva de alerta para a loucura que nosso mundo está virando. E que outros autores com a mesma perspicácia de Nick Drnaso façam livros semelhantes ao redor do mundo, para nos sacudir e nos fazer pensar sobre nossos problemas regionais que também são causados pelo mesmíssimo mecanismo perverso.

“Sabrina”
Nick Drnaso
ed. Veneta
206 páginas
R$ 83,56 na Amazon – capa dura (preço consultado na data do post; sujeito a alterações)

Mais dicas de bons livros em forma de quadrinhos:

• The Arte of Living, de Grant Snider
• Confinada, de Leandro Assis e Triscila Oliveira
• Só dói quando eu rio, de Ziraldo
• Persépolis, de Marjane Satrapi
• Blues, de Robert Crumb
• Teocrasília, de Denis Mello

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