Haruki Murakami: minha primeira impressão do escritor japonês

Imagem amarela, preta e branca, remetendo a algo onírico, que está na capa do livro O Elefante Desaparece, de Murakami. Ilustração de Alceu Chiesorin Nunes.
Ilustração de Alceu Chiesorin Nunes na capa do livro "O Elefante desaparece", de Murakami, para a editora Alfaguara.

A primeira impressão que tive ao ler “O Elefante Desaparece”, de Haruki Murakami, foi que seus contos se parecem muito com sonhos – ou pesadelos, dependendo da história.

Não só por conterem aquele aspecto absurdo dos sonhos, de ser capaz de comportar as coisas mais estranhas, mas também porque muitos terminam sem um fim tradicional, esperado, aquele de todas as histórias. Assim como acontece nos sonhos, que nem sempre nos trazem conclusões definitivas.

Em algumas histórias me dava mesmo uma certa ânsia de me sentar no computador e reescrever o fim do conto, ou mudar o que encontrei ali.

Mas nem todos os 17 contos desse livro são assim. Temos o prosaico “O pássaro de corda e as mulheres de terça-feira“, que abre o livro. Um casal infeliz, um gato que some e telefonemas de uma mulher misteriosa. Outro prosaico é “Caso de Família“, que pode ser sobre muitos irmãos que você já conheceu em sua vida.

Temos meu favorito, o belíssimo “Silêncio“, sobre as lembranças da infância de um garoto que treinava boxe. E “Janela“, também muito bonito, também perdido em lembranças do passado. “O Último Gramado do Entardecer” é uma crônica bem cotidiana sobre saber dar o melhor de si.

Mas temos três contos muito angustiantes e certamente os mais oníricos do livro: “Os Homens da TV“, “O anão dançarino” e “O pequeno monstro verde“.

E ainda a ensandecida “Mensagem do canguru“. E outras tantas histórias, que geralmente têm em comum personagens insólitos, como o homem que gostava de queimar celeiros e a mulher que estava há 17 dias sem dormir.

Pensando bem, acho que a técnica de Murakami é começar seus contos com uma frase de impacto e, que, de cara, já resume o que vamos encontrar nas páginas seguintes. Vejam estas primeiras-frases:

  • “Ainda hoje não sei dizer se fiz bem em contar para a minha esposa sobre o assalto à padaria.” (PÁ! Você já fica curioso pra saber que assalto é esse e o que aconteceu quando ele contou à esposa.)
  • “Em uma manhã ensolarada de abril, passei pela garota cem por cento perfeita em uma dessas ruas menos conhecidas do bairro de Harajuku.” (Como assim 100% perfeita? Como ele saberia disso só de passar por alguém? Quem é ela? Como ele age?)
  • “É o décimo sétimo dia em que não consigo dormir.” (Como alguém fica tantos dias sem dormir? E por quê? E o que ela faz a respeito?)
  • “Outro dia, uma amiga da minha esposa contava: – Minha mãe abandonou o meu pai. Tudo por causa de uma bermuda.” (Oi? Quem abandona alguém por causa de uma bermuda? Que bermuda é essa? Ou é uma metáfora?)
  • “Talvez seja algo que aconteça com todo mundo, mas não gostei do noivo da minha irmã mais nova desde o primeiro momento.” (Por quê?)
  • “Soube pelo jornal que o elefante da nossa cidade havia desaparecido.” (Como desapareceu? O que houve? Como um elefante pode desaparecer? E que intimidade é esta, “elefante da nossa cidade”? Por que há um elefante da cidade?)

Todas essas primeiras frases, essas aberturas de histórias, nos instigam a continuar lendo. E os contos têm entre 5 e 37 páginas, então são histórias por vezes loucas, por vezes apenas crônicas cotidianas, que começam de um jeito inusitado e precisam se resolver em poucas páginas.

Isso não é para qualquer escritor.

Eu não conhecia Murakami, nunca tinha lido nada dele. Mas já tinha ouvido falar que ele era bom (embora tenham feito uma adaptação muito ruim de “Drive My Car”). Então comprei este livro de contos, para conhecê-lo primeiro em pitadas. E o que posso dizer? É diferente de tudo o que já li até hoje.

Ele vai do sublime ao doido num virar de páginas. E trabalha tão bem tendo a realidade como matéria-prima como quando opta pela matéria dos sonhos – embora, para mim, quanto mais pé-no-chão ele esteve, melhor tenha sido o resultado.

Relendo o que escrevi até agora, percebo que atribuí a Murakami, a seus personagens ou a seus textos uma penca de adjetivos que não costumo usar com tanta frequência assim: absurdo, prosaico, angustiantes, belíssimo, ensandecida, insólitos, instigante, loucas, inusitado.

Pois esta foi minha primeira impressão geral deste escritor japonês. E dizem que a primeira impressão é a que fica…

Saiba mais sobre o livro:

Capa do livro 'O Elefante Desaparece', de Haruki Murakami

O Elefante Desaparece
Haruki Murakami
Ed. Alfaguara
301 páginas
Tradução do japonês: Lica Hashimoto
Original: 1993. Edição que li: 2018
Pode ser comprado na internet por R$ 31,90

 


Um escritor também japonês que adoro é Kazuo Ishiguro. Leia as resenhas que já escrevi sobre ele:

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

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