‘Um Artista do Mundo Flutuante’: confidências de um velho cheio de culpa

Este foi o sexto livro de Kazuo Ishiguro que li, já pesarosa por estar acabando os livros disponíveis em português deste autor tão incrível – se não me engano, só tem mais um depois deste que eu ainda não saboreei. O que me consola é que ele ainda está na ativa, e deve lançar mais histórias em algum momento do futuro (quem sabe sobre a pandemia? Para nos trazer uma perspectiva completamente diferente sobre isso que estamos vivendo?).
Leia também as resenhas de outros cinco livros de Kazuo Ishiguro:
Como das outras vezes, este livro traz uma narrativa não-linear, entrecortada pelas memórias de seu narrador-personagem, o artista Masuji Ono.
Desta vez, o livro se passa no Japão do pós-guerra, um país tentando se reconstruir após a rendição e após toda a destruição e as mortes da guerra. Mas não pense que este é um livro típico de guerra, com todas aquelas descrições de batalhas e afins. É muito mais um livro de memórias de um personagem que a gente fica boa parte do livro tentando decifrar o que fez de tão grave assim.
Daquele jeito típico das narrativas de Kazuo, vamos coletando as informações aos pouquinhos, num ir-e-vir de pensamentos que vão se encaixando aos poucos, mantendo o suspense por todo o livro. Ono parece arrependido das coisas que fez durante a guerra: mas que coisas são essas? Qual o grau de responsabilidade que ele tem? E ele parece ser um personagem tão simpático e de bom coração, mas teria sido capaz de causar danos e fazer coisas terríveis anos antes?
Ou é arrependimento, ou é culpa, ou remorso. Mas de quê?
Ficamos intrigados, com a pulga atrás da orelha, ao mesmo tempo em que ele vai se abrindo um pouco, relembrando a juventude, a infância, os primeiros passos na carreira, a mudança de rota no meio do caminho, o “bairro dos prazeres” que frequentava etc. Outras tantas informações passam só de raspão, e ficamos sem saber muito a fundo sobre elas, como a morte de duas pessoas próximas ao narrador.
Nem tudo parece muito certo, nem mesmo a própria contribuição que a arte de Ono teve para o Japão (para o bem ou para o mal). Isso porque é a memória dele que dita todas as explicações, e esta memória está sujeita às falhas que qualquer lembrança pode ter, ainda mais na velhice.
Dito tudo isso, este não foi meu livro favorito de Kazuo até o momento. Perto dos outros, foi o que menos me trouxe reflexões. Ainda assim, sempre fico encantada com a forma como ele conduz o texto, simples, elegante e íntima, como se o narrador estivesse batendo um papo conosco, seus velhos amigos. E este foi seu segundo livro – sinal de que foi se aprimorando com o tempo.
Que venha o próximo!
Um Artista do Mundo Flutuante
Kazuo Ishiguro
Tradução de José Rubens Siqueira
Editora Companhia das Letras, 2018
225 páginas
R$ 35
Leia também:
***
Quer assinar o blog para recebê-lo por email a cada novo post? É gratuito! CLIQUE AQUI e veja como é simples!
Categorias

Cristina Moreno de Castro Ver tudo
Mineira de Beagá, jornalista, blogueira, poeta, blueseira, atleticana, otimista, aprendendo a ser mãe. Redes: www.facebook.com/blogdakikacastro, twitter.com/kikacastro www.goodreads.com/kikacastro. Mais blog: http://www.otempo.com.br/blogs/19.180341 e http://www.brasilpost.com.br/cristina-moreno-de-castro
Esse eu li, Kika.
Sua descrição é muito fiel.
Gostei no livro da delicadeza do texto, parece um bordado, as vezes.
CurtirCurtir
Boa descrição da narrativa dele! É um bordador de palavras! 🙂
CurtirCurtir