Dia das avós

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Eu nem lembrava mais que era em 26 de julho que se comemorava o dia dos avós. Afinal, não tenho avós há muito tempo já. Mais tempo que eu gostaria de lembrar. Os avós eu nem cheguei a conhecer. E as avós eu perdi, uma aos 11 anos de idade, e outra aos 16.

Foi uma mensagem carinhosa escrita pela colega Isis para sua avó que me encheu de lembranças das minhas vovós Rosa e Angélica.

A primeira era a melhor cozinheira do universo. Sei que esse título é disputado por quase todas as avós do mundo, mas duvido que alguma supere a cozinha da vovó Rosa. E ela amava cozinhar. Fazia roscas deliciosas, doces, biscoitões de polvilho. Toda semana, fazia meu bolo de banana com canela favorito e enviava lá pra casa. Eu passava minhas férias com ela, brincando no playground com as outras crianças do prédio ou com minha prima Marcela, e também ia todos os domingos para o almoço de família — que, naquela época, reunia todos os tios e primos, em casa lotada. Ah sim, almoço precedido de duas fornadas de pães de queijo feitos e amassados pela vovó, infinitamente mais gostosos que esses “Forno de Minas” da vida. Outra coisa que ela adorava fazer era jogar baralho — buraco ou mexe-mexe. E ela roubava em todos os jogos! Eu deixava, então ela adorava jogar comigo. Passávamos tarde inteiras só jogando. Nossa música favorita era “Eu Sei que Vou te Amar” na versão do Milton Nascimento, que a gente ouvia no repeat durante os jogos. Como gostava tanto de comer quanto de cozinhar, ela era muito gorda, chegou a bater os 90 kg. Mas aí entrou no Vigilantes do Peso e ficou toda satisfeita quando atingiu a meta dos 70 kg e ganhou um chaveirinho para certificar, que mostrava pra todo mundo. Quando ela morreu, de infarto fulminante, em 1996, guardei esse chaveirinho de lembrança, que está comigo até hoje. Curioso que o que mais lembro dela é justamente sua gordura, porque não tinha nada mais gostoso do que abraçá-la, sempre quentinha, sorridente, baixinha, e com algum perfume superforte no cangote 🙂

Tive menos contato com a vovó Angélica, porque ela morava no interior e só íamos vê-la de vez em quando. Além disso, ela tinha muito mais filhos e netos com quem dividir a atenção. Mas também lembro com carinho dela. Infelizmente, o que mais me marcou foram seus últimos anos, já atingida pelo Mal de Alzheimer, que se agravou nos últimos cinco anos, mais ou menos. No começo, ela ainda sabia que eu era sua neta e filha de quem. Depois de um tempo, passou a saber apenas que eu era uma neta, mas não sabia muito bem de qual filho. Por um bom tempo, eu era apenas um sorriso. Explico: ela não sabia quem eu era, era a “menina” que aparecia de vez em quando, mas bastava eu abrir meu sorriso que os olhos dela se iluminavam, registrando o reconhecimento. Isso enchia meu peito de alegria. Até que um dia, em que chorei até, eu sorri e os olhos dela continuaram opacos. Ela não tinha a mais remota ideia de quem eu era. Antes de perder o bem mais precioso de um ser humano — a capacidade de se comunicar –, o que vovó Angélica mais gostava de fazer era relembrar coisas do seu passado mais distante, da primeira infância. Acho que quanto mais velhos nos tornamos, mais vamos reconquistando nosso lado criança perdido no tempo. E ela ficava cantando músicas e falando trava-línguas de seu tempo de criança.

Um deles eu lembro até hoje:

“Eu c’aminha, cumade c’adela.

Bebemo café e fumo.

Cheguemo lá, topei Dano com a vara de tocá gado

E nem fé deu!”

Lendo rápido, vira um amontoado de cacófatos escatológicos e engraçadíssimos, ainda mais partindo de uma senhora de 82 anos, com óculos pesados sobre o narizinho fino, cabelos partidos ao meio, lisinhos e, naquela época, branquíssimos (pararam de pintá-los depois de um tempo). Ela morreu em 2001.

Tanto vovó Rosa quanto vovó Angélica nasceram no inverno, sendo que esta última nasceu no dia em que a estação começa. Esta época de frio, mas, em Minas, de céu normalmente azulíssimo, e lua absurdamente cheia e amarela. Foram avós curtas na minha vida, mas deixaram muitas lembranças boas. Que minhas sobrinhas aproveitem bastante os avós que têm, porque são pessoas muito importantes em nossas vidas 🙂

E você, já ligou para seus avós hoje?

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

4 comentários

  1. “…passamo sete praça – oito cu largo…”

    Esse trava línguas tinha outros versos (de que não me lembro). Um tia-avó recitava. Nunca mais ouvira até ler em seu blog…

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