Precisamos falar sobre a falsa urgência no trabalho

O que é realmente urgente no seu trabalho? Como o relógio está te controlando durante o expediente? O que produtividade tem a ver com comunicação instantânea? Foto: Kevin Ku / Unsplash
O que é realmente urgente no seu trabalho? Como o relógio está te controlando durante o expediente? O que produtividade tem a ver com comunicação instantânea? Foto: Kevin Ku / Unsplash

Empresas precisam adaptar formas de comunicação para evitar exaustão, sobrecarga e ansiedade entre funcionários; também é importante incrementar equipes

Há alguns dias, um post no LinkedIn me chamou a atenção. A Reconnect, empresa especialista em felicidade corporativa e liderança positiva, publicou o seguinte:

“Será que tudo é mesmo urgente e importante?

No mundo agitado em que vivemos, o excesso de comunicação tem nos sobrecarregado. São e-mails, mensagens, redes sociais, tudo muito e ao mesmo tempo. Mas será que precisa ser assim ou podemos começar a definir regras de comunicação para que sejamos mais eficientes e possamos evitar a sobrecarga e ansiedade atuais?

As empresas podem criar regras mais claras de comunicação: qual o veículo adequado para cada tipo e para cada urgência. Se um líder tem uma ideia à noite, fora do expediente, será que não pode programar um email para o dia seguinte ao invés de mandar um Whatsapp? E se é urgente e importante será que não é melhor ligar?

Da forma atual, além da sobrecarga, há uma ansiedade que nos gera improdutividade. Quando paramos de realizar algo em que estamos focados para responder a uma mensagem, demoramos mais 23 minutos depois para voltar ao estado de flow. E, assim, nosso dia se perde em muita improdutividade e pouca realização.

Poucas mudanças e simples já podem melhorar o nosso dia a dia.

O que sua empresa está fazendo para isso?”

O texto veio acompanhado do seguinte gráfico:

Gráfico mostra canais de comunicação e seus respectivos tempos de resposta, para casos mais ou menos urgentes de contato no trabalho.
Gráfico mostra canais de comunicação e seus respectivos tempos de resposta, para casos mais ou menos urgentes de contato no trabalho.

O post gerou repercussão, com mais de 500 reações e 55 compartilhamentos.

Eu fui uma das pessoas que compartilharam, acrescentando a minha experiência pessoal com as falsas urgências no ambiente profissional, que só servem para gerar ansiedade e exaustão. Escrevi:

“No meu emprego anterior (Globo/g1), já fui acordada às 3h da madrugada com zap de chefe que teve uma ideia aleatória de projeto futuro…

Já me telefonaram de São Paulo às 21h, depois de mais de 12 horas de trabalho, pra eu responder um dado que tinha zero urgência (“Tá podendo falar, Cris?” “Se não for urgente, pode ser amanhã? Porque tou bem cansada” “Ah, vamos resolver isso logo”)…

Já tive que discutir coisa perfeitamente resolvível com quem estava na redação enquanto eu preparava o café da manhã do meu filho antes das 7h…

Falta de noção no mundo corporativo é mato.”

Meu post, por sua vez, gerou mais de 1.100 impressões. Foi compartilhado pela Cris Pàz, que escreveu:

“A urgência é um vício do ambiente de trabalho que precisa ser combatido. Este, sim, é um assunto urgente a ser discutido.”

Ou seja, foi um assunto que trouxe muito interesse, debate e reflexão naquela rede social que é voltada para o universo do trabalho. Por isso pensei em trazer para o blog também.

Na empresa em que presto serviço hoje, ninguém manda zap para tratar de trabalho. A comunicação, em horário comercial, se dá pelo Slack, onde não é cobrado imediatismo na resposta. Ou seja, o gráfico proposto pela Reconnect é seguido, o que proporciona maior qualidade de vida para os profissionais, que podem conciliar trabalho com outros campos da vida.

Por que algumas empresas adotam esse tipo de postura como algo viável e outras não? Por que a falsa urgência é até cultivada/idolatrada em alguns ambientes de trabalho?

Tirinha dos Malvados falando sobre trabalhar 20 horas por dia
Adoro esta tirinha dos Malvados

Alguns vão dizer: como jornalista, trabalhando em um veículo de notícia, você não pode descansar. Notícia não tem hora pra acontecer, é 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Eu respondo: – ERRADO!

É verdade que as notícias não param, mas cabe às empresas contratarem um número suficiente de profissionais para dar conta de todo o trabalho, sem precarização ou exploração do trabalhador.

O jornalista tem que trabalhar suas 7 horas regulamentadas e ser substituído ou rendido por um colega naquela cobertura, seja na redação ou na rua.

Uma pessoa em cargo de liderança, como era meu caso, tem que poder contar com assistentes ou adjuntos que possam dividir responsabilidades, para que ela possa respirar, descansar, viver outras coisas além do trabalho.

Isso é o básico. Ninguém precisa trabalhar o dia inteiro, presencialmente ou pelo WhatsApp, para dar conta de todas as demandas inventadas pelas empresas, muitas delas com uma urgência que simplesmente não existe.

E isso vale para o jornalismo ou qualquer outra profissão.

Será que algum dia as empresas vão aprender que a falsa urgência está adoecendo as pessoas? O Ministério da Saúde finalmente incluiu o burnout como doença do trabalho, quase dois anos depois da OMS. Esta síndrome, que está tirando as pessoas do eixo, é exacerbada por ferramentas de escravidão… ops, de comunicação instantânea, como o zap, que moldam nosso tempo para o imediatismo.

Será que algum dia nós vamos aprender, ou reaprender, a usar nosso tempo de um jeito saudável?

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

3 comentários

  1. Cris, ao ler seu post lamentei não saber disso quando chefiei redações . Mas naquele tempo, se fosse seguir esses bons ensinamentos , eu não teria emprego no jornalismo
    Desconfio que hoje também não.

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    1. É, acho que eu também não. Nunca trabalhei em nenhuma redação que não adotasse a precarização como modelo de trabalho. Mas o uso indiscriminado da comunicação instantânea (Whatsapp), a qualquer hora do dia, piorou muito a situação dos trabalhadores. Na sua época não tinha isso.

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