‘Admirável Mundo Novo’, de Aldous Huxley: atual ainda hoje

'Admirável Mundo Novo', de Aldous Huxley, retrata um filme de terror bem ilustrado por esta multidão de gêmeos idênticos. Foto: Patrick P. Palej / Adobe Stock
'Admirável Mundo Novo', de Aldous Huxley, retrata um filme de terror bem ilustrado por esta multidão de gêmeos idênticos. Foto: Patrick P. Palej / Adobe Stock

Em 1932, o fascista Mussolini já ocupava o poder na Itália havia dez anos, dos quais sete deles nos moldes de uma ditatura totalitária de extrema-direita, que perdurou até o fim da segunda guerra mundial. Hitler já era líder do Partido Nazista na Alemanha e estava prestes a se tornar outro ditador totalitário e sanguinário naquele país.

Foi também o ano em que Aldous Huxley, um britânico que viveu na Itália durante o regime fascista de Mussolini, escreveu esta sua distopia, um dos grandes clássicos da literatura universal, “Admirável Mundo Novo“.

Quase um século depois, este romance impressionante ainda se mantém preocupantemente atual. Afinal, vemos a extrema-direita e o pensamento totalitário recrudescerem mais uma vez em todo o mundo (aqui no Brasil, por meio do bolsonarismo).

O livro de Huxley pinta um quadro de filme de terror, de pesadelo, por baixo de um verniz que lembra muito – para aproveitarmos o sucesso pop do ano – a Barbielândia. No sentido de que todo mundo aparenta estar feliz e cor-de-rosa o tempo todo, todos os dias, sem qualquer margem para a tristeza, o sofrimento ou os pensamentos sobre a morte.

OK, as coincidências param por aqui, já que o filme da Barbie é uma comédia que pincela, de forma rasa e bem-humorada, algumas ideias importantes sobre o patriarcado, e o clássico de Huxley retrata, de forma muito mais densa e tensa, todo um universo insano.

Nesse admirável mundo novo, uma expressão por si só irônica, todos são felizes também. Existe uma estabilidade garantida por vários mecanismos, e coordenada por um governo totalitário. O mundo é feliz, o mundo é estável. Sem mais guerras, fome, depressão, doenças, velhice.

Falando assim, parece uma utopia, e não uma distopia, certo? Mas essa felicidade custa caríssimo. Custa o fim da liberdade, das artes, do pensamento, da ciência, da individualidade, da ética, das emoções! E é mantida, ou sustentada, por várias formas de coação e coerção, como sistema de castas, interferência genética, lavagem cerebral – e muitas drogas.

Parece que eu entreguei o livro, mas não se preocupem: tem muita história por trás dos dois parágrafos acima. Huxley foi capaz de imaginar um universo totalmente paralelo, com formas únicas de pensamento, ideais, reações, economia e vocabulário. Além disso, os “heróis” da história são personagens muito intrigantes, às vezes completamente desvirtuosos.

Nas mais de 300 páginas do livro, que devoramos com facilidade, Huxley trata de questões como religião, cultura, amor, sexo, maternidade, educação, tecnologia, ciência, moralismo, rebeldia, remorso e várias outras, costuradas em um pano de fundo político. As várias frases de Shakespeare pinceladas ao longo do texto ainda contribuem para consolidar o choque entre nossa era do cristianismo e a do “fordismo” futurista que ele criou.

Este “admirável” mundo novo da ficção nos lembra que, na História real da humanidade, toda forma de poder totalitário já existente, à direita ou à esquerda, sempre seguiu esta mesma fórmula de banir ou descredibilizar as artes e a ciência (tratadas como “subversivas” ou “indecentes”), enquanto insufla a lavagem cerebral, o fanatismo, a desinformação (pode chamar de fake news) e o adestramento ideológico (pode chamar de negacionismo).

Toda distopia funciona como um alarme, uma sirene frenética, para os perigos a que estamos sujeitos quando falhamos enquanto sociedade. Que esse alarme continue soando quase um século depois é algo triste e decepcionante.

Haverá esperança de que, algum dia, tenhamos um “admirável mundo” velho, mas com respeito, amor, justiça e harmonia entre as pessoas e entre as sociedades? Será que é possível existir uma “felicidade” coletiva (ou individual) sem que haja um preço tão alto a se pagar por ela?

Prefiro acreditar que sim (ainda que de maneira relativa). E nunca será por meio dessas figuras fardadas que espumam discursos de ódio pela boca e, vez por outra, aparecem mobilizando multidões. Um viva às artes, à cultura e à ciência!

 

Capa do livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley“Admirável Mundo Novo”
Aldous Huxley
Globo Livros
312 páginas
R$ 27,15 na Amazon

 

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

2 comments

  1. Seu post me fez lembrar que há muito quero revisitar essa obra. Já li duas vezes, quase que em seguida, na minha juventude. Uma delas no original no meu curso de inglês. Impactante! Mas dizem por aí que mudamos o nosso olhar de acordo com as fases da vida e maturidade. Quero ver como irá me impactar agora!

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    1. Verdade… Em cada momento da vida nossa visão e leitura do mundo muda muito também, né? Lembro que devorei “Memórias do Subsolo”, do Dostoiévski, quando estava na faculdade, e amei, achei um dos melhores livros do mundo. Fui ler um pouco depois e já não gostei tanto assim… O mesmo aconteceu com “Encontro Marcado”, do Sabino, embora ainda tenha gostado na segunda leitura, mas não TAAAAAANTO como na primeira… Este Admirável Mundo Novo reverberou bastante por estarmos vivendo neste mundo louco e fanático. Talvez não impacte tanto se daqui a uns anos estivermos numa fase mais serena. Beijão!

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