‘Extraordinário’, um filme peculiar – e pelos motivos menos esperados

Para ver no cinema: EXTRAORDINÁRIO (Wonder)
Nota 9

Extraordinário não é um filme incrível apenas por trazer a história de Auggie Pullman, um garotinho de 10 anos que tem uma deformação no rosto e precisa superar os olhares insistentes, o bullying, o estranhamento, a não aceitação e até mesmo o asco que outras pessoas, as [muitas aspas]normais[muitas apas], sentem por ele possuir uma diferença escancarada no rosto. Também não é incrível apenas por essa história, que tinha tudo para ser pesada, ser contada com delicadeza e graça por causa da narrativa sob a perspectiva de um protagonista mirim (o que já tinha acontecido no outro filme estrelado pelo pequeno Jacob Trembley, “O Quarto de Jack).

Extraordinário não é incrível apenas por nos fazer chorar do início ao fim, em cenas intercaladas por sorrisos ou até risadas, por aquele quentinho no peito, depois de alguns socos no estômago, pelo morde-e-assopra dos filmes que fazem pensar, cheios de frases maravilhosas, ainda que muitas sejam belos clichês (“choose kind“). Não é incrível apenas por abordar dois temas tão urgentes, como a inclusão e o bullying, de forma tão absolutamente bem construída, em roteiro, direção e atuações impecáveis – com destaque para, além de Trembley, a sempre ótima Julia Roberts, o sempre ótimo Owen Wilson, e a excelente, até então desconhecida para mim, Izabela Vidovic.

Estamos falando de um filme com potencial para ser indicado a vários Oscar, especialmente por melhor roteiro adaptado de uma novela homônima que R.J. Palacio escreveu depois de levar seu filho a uma sorveteria e vê-lo chorar ao olhar para uma criança com a síndrome de Treacher Collins – a mesma do pequeno personagem Auggie Pullman. Mas também forte merecedor de estatuetas de melhores atuações e melhor maquiagem.

O que achei mais incrível neste pequeno filme foi ter demonstrado que, ainda que Auggie tenha uma peculiaridade que o torna alvo fácil de olhares, cuidados e ATENÇÃO – assim mesmo, em caixa alta –, outras pessoas que orbitam ao seu redor podem ser tão extraordinárias (fora do ordinário) quanto ele. Tanto por suas qualidades quanto por seus defeitos. Tanto por suas virtudes quanto por seus problemas. Todas elas também têm peculiaridades, mais ou menos visíveis. Uma breve conversa que Auggie tem com sua irmã, Via, no dia de Halloween, me pareceu sintetizar bem essa intenção do filme. Assim como a escolha do diretor Stephen Chbosky (o mesmo de As Vantagens de ser Invisível) de separar o filme em espécies de capítulos, destacando um pouco a ótica de outros personagens, além de Auggie. Esses personagens e suas respectivas histórias peculiares tornam o filme muito mais interessante, expandindo os conflitos, as visões, e demonstrando que as pessoas são mesmo únicas e que todos nós precisamos treinar nossos olhares para enxergar além do que aparece mais obviamente diante dos nossos olhos.

A barra que o garotinho de 10 anos com o rosto deformado precisa segurar, principalmente nessa idade e pisando numa escola norte-americana pela primeira vez, é bem dura. Estamos falando de uma sociedade que não aceita bem os diferentes. Qualquer um que fuja minimamente do script sofre as consequências. Mas há outras barras a se carregar na vida, como a da mãe que abre mão de seus sonhos profissionais para lidar com os novos desafios, ou a menina que se sente abandonada pelos pais, ou a outra que se acha invisível, ou o outro rapazinho que quer ser aceito pelos colegas, e assim por diante. Sim, somos todos extraordinários, e cabe a todos nós saber lidar com isso da melhor forma possível.

Para encerrar, uma breve curiosidade. Eu tinha assistido, na véspera, ao filme Wonder Wheel, de Woody Allen, que se passa em Coney Island. Já este, que tem o título original Wonder, também tem uma cena no mesmíssimo parque de diversões filmado por Allen, com a mesmíssima roda gigante ao fundo. O que me fez pensar, tendo assistido aos dois filmes em uma distância tão curta de tempo, que a metáfora de ambos muitas vezes conversa, apesar de serem duas narrativas tão diferentes. Maravilhemo-nos.

Assista ao trailer do filme:

 

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

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