Texto escrito por Queila Ariadne*:
Nesta semana eu fui presa pela segunda vez em menos de dois meses, pelo mesmo motivo: roubo de carro. Pelo menos fui solta mais rápido que da primeira vez, que aconteceu pouco antes do Natal. Mas isso só aconteceu porque preferi pagar a fiança.
Meu carro foi arrombado por volta das 20h40min, na rua Professor Morais, na Savassi. Eu e meu namorado estávamos a caminho do teatro quando chegamos ao local do crime e nos deparamos com o vidro lateral esquerdo traseiro todo estraçalhado. A prisão começou a partir daí: chamei a polícia, perdi o teatro, perdi o tempo que ficaria com meu filho. Isso foi numa quinta-feira. Liguei para o seguro e ouvi a sentença: Você pode trocar o seu vidro na próxima quarta-feira, só temos este horário. Diante disso, preferi pagar por fora, já que tenho que deixar meu carro na rua, para trabalhar, e não poderia ficar presa mais do que um dia. Paguei a “fiança” de R$ 150 e minha pena foi reduzida de uma semana para um dia.
Voltando para cena do crime, chegamos e fomos avisados por um segurança de outro local que os “trabalhadores” tinham acabado de quebrar minha janela e subiram a rua Cláudio Manoel. Meu namorado foi atrás. Levou a esperança de encontrar a mochila e deixou o pânico. Fiquei apavorada e implorei para que ele voltasse. E ele voltou.
Logo em seguida chegou a viatura que eu tinha chamado. Foi aí que eu descobri que a culpa do assalto foi minha. Minha culpa, minha máxima culpa. “Ah, mas não pode deixar nada no carro que eles levam mesmo!!!”, explicou a policial militar. E olha que nunca deixei nada no carro, mas, na única vez que cometi o deslize, fui punida. Afinal, quem é que tem o direito de deixar alguma coisa dentro da própria propriedade? Minha culpa, minha máxima culpa. Já na delegacia, o soldado de plantão pergunta: “Dele foi a mochila, e da senhora?”. Meu? Foi a paz, a tranquilidade e o tempo. “Quer que eu registre isso?”, perguntou ele. Eu queria. Roubaram até a minha fé na bondade das pessoas. Porque um moço parou para nos ajudar, mas eu duvidei da boa fé dele.
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Essa foi a segunda vez. A primeira vez em que fui presa foi muito pior. Foram quatro dias de prisão, mas até hoje vivo sob condicional. Dois caras tomaram-me o carro por volta das 19h, num domingo, na porta da casa da minha mãe. Jogaram-me contra o muro, tomaram as chaves e o levaram. Foi tão perto da delegacia que fui a pé, imediatamente, prestar a queixa. Lá, me perguntaram se eu já tinha ligado para o 190. “Mas eu estou aqui, por que tenho que ligar para chamar a polícia?”. Porque é assim, para integrar no sistema, me explicaram. Então liguei, e a saga começou. Durante a ocorrência, a soldado tentou me tranqüilizar. “Ah, mas você tem que colocar as mãos para o céu, uma moça assim, bonita. Eles podiam ter te levado e feito mal a você”. Eu até estava tranqüila, mas aí comecei a chorar.
Próximo passo, Detran. No dia seguinte, a prisão continuou. Acharam o carro à tarde. Baixei numa delegacia no bairro Ressaca. Vi o carro. Mas não podia pegá-lo porque o procedimento é levá-lo para o pátio, onde, três dias depois, pagamos diária.
Vi o menor que foi pego dirigindo o meu carro. Não o reconheci, mas achei que o crime de ser flagrado dirigindo um veículo roubado era o suficiente. Engano. Com ele, nada aconteceu. Seguimos juntinhos, na mesma viatura, pra outra maldita delegacia em Contagem, onde o tempo estimado era de cinco horas. E o fofo saiu antes de mim, rindo da minha cara. Gritei, protestei e o policial civil ameaçou me algemar por desacato. “Quem está sendo desacatada aqui sou eu, vendo vagabundo bandido sair da delegacia antes de mim”. “Mas é a lei, minha senhora”, ele me explicou.
Ele foi solto. Eu segui presa. Tinha que ir à delegacia de Furtos e Roubos, pegar um alvará de soltura pro carro, que estava no pátio. Ao pegar a senha, o aviso: vai demorar umas cinco horas. Eu seguindo presa e levando meu namorado junto, que estava atrasado para o trabalho, fora tudo que deixamos de fazer pra estar ali. Mas não ficou pronto. E eu sem carro, andando de ônibus e dependendo de carona, remarcando compromissos etc. Tive que voltar no outro dia. De lá, ir correndo pro pátio, onde mais uma espera me esperava: para resgatar o carro.
Pronto. Agora fui solta. Mas a sensação de estar presa permanece.
* Queila Ariadne, 35, é uma premiada repórter de Economia no jornal “O Tempo”, graduada em jornalismo pela PUC Minas e pós-graduada em Produção de Texto e Literatura pela Uni-BH.
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Leia também:
- O expurgo
- Oito assaltos, oito reações
- A noite em que me vi num tiroteiro
- Crônica da delegacia
- O dia em que paguei R$ 2 pela fé no ser humano
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E de quebra ainda fica a explicação porque muita gente, quando pode, deixa prá lá e não procura a polícia. A sensação é essa mesma, uma prisão cara, burocrática e inútil…
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Uma humilhação sem fim…
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Estou a rir… pois é! A Kika poderia a partir deste artigo escrever uma peça de humor sobre o assunto abordado e vendê-lo a um canal de televisão. Hummm… certamente que iria trazer muita gargalhada e um dinheirinho extra!
Mas estamos todos feitos prisioneiros de um sistema judicial que não funciona!
Bom artigo!
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Dá mesmo para virar cômico, como tudo que é trágico…
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Cris, é para chorar. Já tive 3 carros roubados e sei muito bem como é. Pior que o roubo é o que passamos com o tratamento da PM e nas delegacias de policia.
Já, essa parte, me deixou pasma:
– “Foi tão perto da delegacia que fui a pé, imediatamente, prestar a queixa. Lá, me perguntaram se eu já tinha ligado para o 190. “Mas eu estou aqui, por que tenho que ligar para chamar a polícia?”
Sabe pq??? Prepare-se, vou contar: da primeira vez que me levaram o carro num semáforo, havia uma viatura policial do outro lado da rua (claro que não viram nada!) e eu fui pedir ajuda. Mandaram-me ir à DP, sequer me ofereceram ajuda. Na segunda vez, chamei a policia pois os bandidos levaram meu carro e deixaram um outro próximo ao local – essa vou ter que contar depois, já que dá um post. E no terceiro e mais recente, liguei para 190 e a resposta foi:
– A senhora tem que ir na delegacia, não podemos fazer nada.
É para rir ou chorar?
A PM está boa mesmo para atirar em jovem manifestante portando na mochila uma arma extremamente perigosa para 3 policiais, supostamente treinados: um estilete.
Confesso: tenho um estilete na minha necessaire, que serve para apontar o lápis de contorno de olhos, cortar frutas em situação de emergência, fios e linhas que se soltam de alguma roupa e até já serviu para apertar o parafusinho que se soltou dos meus óculos. Será que sou potencialmente perigosa?
Mil beijos querida.
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Esse tratamento da polícia é realmente de chorar. A gente fica sem saber se chora porque foi roubado ou se chora por todo o transtorno causado depois pela polícia, pelo Detran etc…
Se quiser escrever um post contando toda essa sua história, fique à vontade, viu? Eu coloco aqui amanhã 😉
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