O não-bairro de São Paulo

Foto emprestada do blog http://planetamorumbi.wordpress.com.

Toda vez que vou ao Morumbi me pergunto como uma cidade produziu um bairro com tão pouca cara de bairro.

Não há sequer uma padaria na esquina, ou um sacolão no quarteirão seguinte.

A consequência disso é que não se vê um pedestre sequer. Todos fazem tudo de carro por ali.

As ruas ficam desertas e, à noite, apavorantes. O bairro é mal iluminado: onde há luz, é daquele tipo alaranjado fraquíssimo, de filme de terror. E há trechos onde o breu é absoluto.

Os casarões e mesmo os prédios têm aquele aspecto de fortalezas, e o único barulho que se escuta é o estalo das cercas elétricas em todos os cantos.

Também é comum ver muros altíssimos, câmeras e vigias intimidadores.

Qualquer outro ser humano que se vislumbre vindo na direção contrária não é, como seria de se esperar, uma visão calorosa e de alívio, mas uma visão preocupante e desconfiada: se ele me atacar, quem vai me ajudar, nesse deserto escuro de minifortalezas em blocos?

Isso sem contar que é um bairro afastado do centro da cidade, mas mal servido de transporte público e de táxis. Para chegar lá ontem, tive que pegar dois ônibus e caminhar um bocado por essas ruas, crente que seria assassinada ou estuprada a qualquer minuto.

A consequência dessa outra característica é que só se chega ou se sai dali de carro e o trânsito nos horários de pico é insuportável, com filas de carros em todas as ruas, mesmo nas menores.

Claro que falo isso tudo com a experiência apenas de alguém que vai para lá muito de vez em quando, raramente mesmo. Até porque é um bairro que eu evito. Moradores talvez discordem de mim e apontem, como vantagem, justamente o silêncio, o clima de “paz” (duvidoso), a arborização (realmente farta) etc. Mas toda vez que tenho que ir para lá, especialmente à noite, fico com essas impressões negativas.

E falo para mim mesma: se eu tivesse dinheiro, a ponto de ter uma daquelas casas chiques, preferiria investir em casas do mesmo preço em bairros como Higienópolis, Perdizes, Jardins ou Vila Madalena, que são mais próximos do centro, têm mais transporte público, mas, sobretudo, têm mais vida, gente, comércio, luzes e sons.


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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

8 comments

  1. Eu estudei minha infância e adolescência inteiras no Morumbi, e sempre o vi como um bairro diferente dos outros, quase deprimente. Faltam-lhe as pessoas na rua. O curioso é que em outros bairros que têm favelas muito próximas não há essa falta de pessoas. E é nele que circulam as fotos mais famosas de contraste social, com as favelas muro a muro com prédios de luxo, como a que eu bati alguns anos atrás. Pior é que o que não falta para melhorar o bairro são moradores influentes. Nem eles conseguem o que já é uma verdadeira proeza. No mais, obrigado por enfrentar a aventura a fim de me dar os parabéns pessoalmente!

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      1. Eu fiz um niver antes de o Willi nascer, em São Paulo, e vc também não foi 😛
        E ontem ele aguentou direitinho até as 23h 😛
        E o priminho dele, mais novo, também, e minha sobrinha também sempre aguenta, e os bebês dos meus outros amigos 😛
        E olha que vc tem carro pra ir embora sempre que quiser 😛 😛

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  2. CRIS,
    Sua crônica descreve o Morumbi, mas serve à PERFEIÇÃO para falar de uma certa Pampulha!
    Se trocarmos os nomes dos bairros, fica o “dito pelo dito”!
    Aliás, muito bem dito.
    Parabéns!

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