Professor universitário precisa de mestrado?

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Em sua opinião, professor universitário precisa, necessariamente, ter mestrado ou doutorado?

Começo com a pergunta/provocação, para que reflitam sobre a resposta antes de lerem o relato a seguir.

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Na semana passada, fiquei sabendo que dois professores da PUC Minas estavam sendo mandados embora por um motivo: não terem título de mestres. O detalhe é que conheço pelo menos um deles — o Fernando Lacerda — e sei que, nos 21 anos em que ele dá aula na PUC, formou uma legião de alunos-fãs. Além de professor, ele é o editor do jornal Marco, então ensinou muito estudante a fazer jornalismo por aí. E o mais legal é que ele nunca abandonou o exercício do jornalismo, então não se tratava de um cara que um dia teve experiência em Redação e depois, enferrujado e sem títulos acadêmicos, continuou dando aulas. Não, ele estava lá, no batente.

A PUC alega que a decisão é exigência do MEC, via Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Mas, cá pra nós, essa lei é de 1996 e nunca foi empecilho para que houvesse centenas e milhares de professores sem título nas faculdades de todo o Brasil — inclusive nas federais, como a UFMG. Ou seja, essa justificativa é balela.

O resultado é que, no momento em que escrevo, quase 700 alunos, ex-alunos e ex-colegas de trabalho de Fernando Lacerda se mobilizaram em um grupo de Facebook, onde organizaram uma homenagem e um protesto contra a saída dos dois professores. Você pode ler a reportagem que Bruna Carmona fez sobre a manifestação AQUI.

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Meu pai foi um dos primeiros chefes de Fernando Lacerda (se não o primeiro), pela sucursal do “Jornal do Brasil” em Minas, na década de 80. E ele também escreveu um texto para homenagear o professor agora afastado (o mestre de centenas, mesmo que sem título de mestrado). Mais do que isso, o texto que meu pai escreveu ajuda nesta reflexão sobre a obrigatoriedade do título para professores de jornalismo — profissão, aliás, em que não se obriga nem o diploma de graduação para seu exercício (outra discussão, que deixo para outro dia). Fecho o post com ele:

“Num bate-papo promovido pelo UOL em 7 de julho de 1997, Alberto Dines, um dos mais respeitados jornalistas brasileiros, foi perguntado sobre sua formação autodidata. É sabido que ele jamais concluiu um curso universitário. Dines respondeu: “Para mim, isto é um fato irrelevante. Eu preferia ostentar um belíssimo currículo acadêmico. Não deu, porque foi uma opção política, tomada quando eu tinha apenas 18 anos. Em compensação, tenho uma biografia”.

E que biografia! Dines foi editor-chefe do Jornal do Brasil, de 1962 a dezembro de 1973. Nesse meio tempo, transformou o JB numa espécie de escola de jornalismo. Depois de assumir o cargo, fez um curso rápido na Columbia University, juntamente com editores convidados de jornais importantes de outros países, e na sua volta o JB passou a editar, a partir de 1965, os Cadernos de Jornalismo.

Eu os lia quando fazia (entre 1968 e 1972) o curso na UFMG, onde nenhum de meus professores tinha mestrado ou doutorado. Posso dizer que Dines foi o meu melhor professor, mesmo que eu tenha entrado no JB apenas um ano e meio antes de ele sair. Pois o jornal deixado por Dines continuava sendo uma excelente escola de jornalismo. E a competência dele na área foi reconhecida pela Universidade de Columbia, que o contratou, sem querer saber se ele tinha curso de mestrado ou doutorado, depois que foi demitido do JB. No início de 1975, Dines terminou o contrato com a universidade e foi convidado por Cláudio Abramo para ajudá-lo a transformar a Folha de S. Paulo num jornal de peso, chefiando a sucursal do Rio de Janeiro.

Logo após se formar na PUC Minas, Fernando Lacerda foi admitido, em outubro de 1983, como repórter da sucursal do JB em Minas – onde eu era chefe da Redação –, para cobrir esporte. Ele cobria também outras áreas, com a mesma competência. E o fez por 10 anos, até a sucursal ser fechada. (Eu já havia saído quatro anos antes.)

Não sei quando Fernando Lacerda começou a dar aulas na PUC Minas, mas sei que não lhe exigiram mestrado. Sua grande experiência como jornalista era considerada, com razão, suficiente para ensinar futuros profissionais, fato não desmentido pelo tempo. Se a decisão de demiti-lo por não ter mestrado ou doutorado for mantida, quem mais vai perder é a universidade – e os alunos do Curso de Jornalismo. Disso não tenho qualquer dúvida. Talvez ele não tenha o mesmo currículo de Dines, mas tem de sobra o que poucos mestres e doutores de cursos de jornalismo têm: experiência.”

Agora volto a perguntar: qual é a sua opinião sobre o dilema que propus no início do post? Amanhã vou escrever minha opinião 😉

Leia também:

Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

4 comentários

  1. Eu respeito profundamente os títulos acadêmicos, talvez até mais do que eles realmente mereçam 🙂 então me sinto dividido para responder.

    Eu realmente acho que, na média, mestrado e doutorado atestam sim uma pessoa mais capacitada, sobretudo quando falamos sobre orientar alunos a fazer pesquisa científica.

    Por outro lado, eu já lecionei em cursos de extensão para concluir que sou um péssimo professor :-).

    Da mesma forma, muitos ótimos professores não tem título e péssimos professores ostentam belos títulos. De forma que eu sinceramente acho que a atividade de ensino superior devia ser repensada quanto aos critérios de ensino.

    Acho que o problema passa por outra linha: para ser professor, as habilidades necessárias são muito maiores do que atestam um mero título. Talvez o mundo acadêmico, da forma como historicamente evoluiu, tenha escapado da discussão das habilidades necessárias para ser professor de curso superior.

    A impressão que tenho é que muitos bons professores ficam limitados pelas instituições em que trabalham, ao mesmo tempo em que maus professores são protegidos por colegas e instituições de ensino sob o discurso do “o aluno que se vire para aprender”.

    No fim das contas, acho que a discussão é mais profunda que a exigência ou não de título, mas neste aspecto específico, confesso que não tenho opinião formada. Vou acompanhar os posts, quem sabe não me ajudam a decidir? 😉

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  2. De fato, de fato não é necessário. O importante é o conhecimento, embora presume-se que com esses diplomas (mestrado e doutorado) você demonstra ter “oficialmente” o conhecimento tão necessário para se vencer na vida social e capital, mas de fato não é necessário não. Mas penso ainda que essa questão pode gerar uma discussão bem interessante.

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  3. Comentário enviado pelo professor Ricardo Faria:

    “Olha, fui professor universitário durante 18 anos. Até que tentei fazer um mestrado, mas coincidiu que eu era chefe do departamento e o pro-reitor inventava de fazer reuniões sempre na semana que havia aulas. Resultado, desisti depois da terceira disciplina. E depois fiquei pensando se valia a pena participar da verdadeira palhaçada que são as defesas de dissertação que pude presenciar. Cartas marcadas, a sua dissertação só vai ser defendida quando o seu orientador achar que está boa. E a banca não vai te dar bomba porque isso equivale a dar bomba no orientador. O resultado é que qualquer coisa passa e o sujeito vira mestre.
    Claro, existem os mestrados mais sérios, os orientadores mais sérios. E os mestres mais sérios também.
    Mas, sem querer me vangloriar, nos 18 anos em que dei aula, assisti a 36 formaturas (2 por ano). Em mais de 15 eu fui escolhido paraninfo e em umas vinte foi homenageado.
    Vi professores com mestrado escreverem palavras erradas no quadro, vi professores sem qualquer didática. Vi doutores encerrando seu curso com duas semanas de aula, porque só sabiam falar da sua tese e depois não tinham ideia do que fazer na sala.
    Entrevistei professora com mestrado e doutorado na Sorbonne (é, isso mesmo), que quando foi apresentada ao programa da disciplina confessou que não sabia nada daquilo, pois só entendia o assunto da sua dissertação e tese.
    Conheci mestres e doutores para quem tiro o chapeu até hoje e me pergunto se caso eles não tivessem seus mestrados, doutorados e pós-doutorados seriam melhores ou piores.
    Escrevi mais de 70 livros didáticos, alguns dos quais ficaram conhecidos como revolucionários (no sentido de propor mudanças pedagógicas no ensino de historia). Milhões de brasileiros estudaram em meus livros. Só em Minas Gerais, uma coleção vendeu 750.000 exemplares. Isso me granjeou respeito entre os professores de ensino fundamental e médio, e também doutores e mestres. E um mal disfarçado desprezo por parte de alguns mestres e doutores.
    Eu ainda poderia fazer um mestrado, tenho ideias interessantes para pesquisar. Mas me pergunto: prá quê?”

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  4. Faz o seguinte: Faz um mestrado, rala pra caramba e veja as universidade não te contratarem a fim de contratar um pós-graduado, mais barato.
    Logo, verás milhares de doutores sem emprego, espero que você não seja um deles.

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