A caixa-preta da Polícia Militar mineira

policia

Em 26 de novembro de 2012, um servente de pedreiro foi assassinado por policiais militares durante uma suposta troca de tiros no Aglomerado da Serra. O caso foi investigado pela Corregedoria da PM. Acompanhei de perto o episódio e, no dia 28, entrevistei uma liderança do aglomerado, que me explicou que o clima estava tenso desde a morte de tio e sobrinho em fevereiro de 2011, também por policiais.

Naquele mesmo dia, entrei com um pedido de informações para o Governo de Minas, usando a Lei de Acesso à Informação. Para quem não sabe, esta é uma lei de 2011 que permite a qualquer cidadão solicitar e receber dos órgãos e entidades públicos, de todas as esferas e Poderes, informações de interesse público.

Na minha solicitação, fiz os seguintes questionamentos:

“Gostaria de solicitar do governo de Minas, por meio de sua Polícia Militar, informações sobre: 1) quantas denúncias de agressão, letal ou não, a cidadãos, foram recebidas contra cada Batalhão da PM em Belo Horizonte, em 2012 e historicamente. 2) na lista, quantas dessas denúncias dizem respeito a agressão letal. 3) dessas denúncias, quantas foram apuradas pela Corregedoria de Polícia. 4) desses processos abertos, quantos resultaram em punição e quantas prisões de policiais denunciados ocorreram, por BPM.”

De acordo com a Lei de Acesso à Informação, “se a informação estiver disponível, ela deve ser entregue imediatamente ao solicitante. Caso não seja possível conceder o acesso imediato, o órgão ou entidade tem até 20 (vinte) dias para atender ao pedido, prazo que pode ser prorrogado por mais 10 (dez) dias, se houver justificativa expressa.”

Eu tinha a doce ilusão de que nossas polícias e nossa Secretaria de Estado de Defesa Social possuíam (ou possuem) um sistema informatizado, com registro de todos os crimes, em especial os cometidos por seus agentes. Ou seja, os 30 dias de prazo previstos pela Lei de Acesso à Informação seriam mais que suficientes para tabular o que foi pedido por mim, considerando apenas os batalhões de Belo Horizonte, pelo menos no que diz respeito ao ano de 2012.

Mas, como eu disse, isso é uma doce ilusão.

No dia 21 de janeiro de 2014, passados mais de um ano do meu pedido, portanto, o Controlador-Geral do Estado, Plínio Salgado, enviou um ofício para o Comandante-Geral da Polícia Militar, Márcio Martins Sant’Ana, pedindo resposta à minha demanda — dentre outras — em caráter de urgência, por estarem pendentes desde 2012.

A resposta da PM veio apenas em 20 de março, chegando até mim na última sexta-feira, dia 25 de abril, assinada pelo coronel da PM Renato Batista Carvalhais, Corregedor da instituição. Com 16 meses de atraso.

Em sua resposta, ele traz 13 parágrafos com justificativas sobre o funcionamento do sistema de informática da PM, dizendo que ainda não foi definido pela PM, passados mais de dois anos da promulgação da Lei de Acesso à Informação, os dados que serão classificados como se natureza sigilosa e concluindo: “nos vemos impossibilitados de atender à demanda apresentada”. Você pode ler os documentos clicando aí: Of 2146 Lei de acesso à Informação.

A resposta só não foi de todo perdida porque o corregedor disse, a certa altura, que o sistema de Procedimento Administrativo Disciplinar Informatizado (PADI) registrou, em 2012, 293 casos de agressões cometidas por policiais, 71 fatos de lesão corporal, 8 de tentativa de homicídio e 23 de homicídio consumado. Em 2013, o mesmo sistema registrou 285 agressões, 19 fatos de lesão corporal, 3 tentativas de homicídio e 9 homicídios consumados.

Há ainda fatos registrados nos dados do Sistema Informatizado de Recursos Humanos (SIRH), que não foram informados na resposta.

Não foi esclarecido se esses fatos registrados no sistema PADI são de todo o Estado, se são ocorrências em investigação pela corregedoria e qual a diferença entre o sistema PADI e o SIRH. Muito menos foi respondido o que perguntei, sobre o nível de letalidade dos nossos batalhões, sobre quantos processos terminaram com investigação e quantos culminaram em uma punição etc.

Assim, sabemos apenas que houve 32 homicídios provocados por policiais militares em dois anos, provavelmente em todo o Estado, que chegaram ao sistema da Corregedoria da PM. De um total de quantos? Não fazemos ideia.

O que podemos concluir disso tudo? Primeiro, que a Lei de Acesso à Informação ainda é tratada como piada pelos nossos órgãos públicos (lembrem-se de como foi a resposta que tive da BHTrans, no âmbito municipal). Segundo, que ainda não temos o direito de saber, como cidadãos, se a parcela de policiais que cometem crimes graves está sendo devidamente investigada e punida e qual é essa parcela. Ou mesmo se moramos perto de um batalhão que é significativamente mais violento que outro.

Tenho pra mim que é apenas com transparência que os problemas se resolvem. Em Minas, esta transparência parece inexistir.

Leia também:

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

6 comentários

  1. Pois é!
    Eu tenho família em Uberlândia e quando eu abordo ou tento abordar um tema político atual de Minas, ele esfumam-se rapidamente da net ou arrumam desculpas esfarrapadas para não abordarem o assunto. Ser jornalista em Minas e no Brasil atual, não é uma boa profissão!

    Curtir

      1. Não deixa de ser uma profissão de risco e também podemos afirmar que não existem profissões desnecessárias!

        Curtir

  2. Excelente o post, a escrita e a iniciativa…cidadã como todos temos que ser….e acreditar que um dia…as coisas andarão da maneira mais correta…não podemos desistir..de acreditar..agir…reivindicar…lutar…escrever….e postar….excelente..como sempre…

    Curtir

Deixar um comentário