O céu da boca e os mistérios do corpo humano – parte 2

Céu da boca de um gato bocejando.
Céu da boca. Foto: Owen Lu / Unsplash

No já longínquo ano de 2019, apareceu uma ferida no céu da minha boca. Ficou lá por meses, às vezes coçando e incomodando, não exatamente doendo. Relatei essa saga aqui no blog, depois ela foi parar até no meu livro de crônicas.

Na época, fui a três dentistas, fiz uma biópsia de um pedacinho do palato, contive muito sangue com sorvete, o dentista não soube explicar o que tinha causado a ferida, ela acabou cicatrizando e sumindo depois de um tempo.

Até que, no começo deste ano, ela voltou. Coça-coça-coça, lá estava a dita-cuja, meio branca, um olho no céu da minha boca, me espiando a cada AAAAAAAAAAAH que eu dava. Ou, como disse meu marido, um Gremlin que surgiu de dentro de mim.

Gremlin

Resolvi não esperar mais tantos meses para olhar isso de novo, e fui direto a um especialista em – anotem o nome – cirurgia bucomaxilofacial, indicado pela minha irmã dentista.

Ele examinou, fez várias perguntas, e também achou melhor remover toda a lesão cirurgicamente e fazer uma biópsia. Desta vez, tirou o troço todo, não só um pedacinho. E deu pontos, não deixou sangrando.

Procedimento chatinho, doído, precisou renovar a carga de injeção de anestesia local, que deixou o palato com sensação de uma bola inchada, prestes a me fazer engasgar. Só não foi pior porque o doutor era muito gentil, e toda hora fazia uma pausa para eu descansar.

De novo, saí de lá com um potinho em mãos, bem vedado, uma receita para analgésicos e anti-inflamatórios, o pedido para a biópsia. Desta vez, com o céu da boca costurado – talvez os primeiros pontos que eu tenha levado na vida.

Não passou muitos minutos antes de começar a doer bastante. O efeito da anestesia estava indo embora. Mesmo com os remédios, os primeiros três dias, mais ou menos, foram bem ruins. A restrição alimentar foi só nesse período, e nem me incomodou muito, mas levei semanas para conseguir tomar água gelada sem sentir dor. E lamentei ter ficado uma semana sem poder fazer nenhuma atividade física.

Levei o potinho vedado ao único laboratório de BH que atendia meu plano de saúde da Unimed, lááááá no limite com Sabará, fiquei uma hora na espera, mas deixei meu pedaço de céu da boca, do tamanho de um feijãozinho, para ser examinado.

Dava muita vontade de coçar no lugar da cirurgia. Às vezes, ainda dormido, eu metia a língua no céu da boca e acordava, literalmente, vendo estrelas. De dor.

Outra mania que adquiri, entre o dia da cirurgia (25 de junho) até umas três semanas depois, foi acender a lanterninha do celular e ficar olhando pra minha boca escancarada diante do espelho. Nos primeiros dias achava tudo tão feio, aqueles pontos azuis, o buraco, as cores avermelhadas, que teve um dia que até mandei uma foto para o médico perguntando se era pra estar daquele jeito mesmo. “Normal!”, ele garantiu.

Cirurgia no céu da boca
Seis dias depois da cirurgia

Quando o resultado da biópsia finalmente saiu, e retornei ao doutor, ele voltou a dizer que, como suspeitava desde o início, não era nada grave. Nenhuma “malignidade”, como a palavra “biópsia” evoca.

Na verdade, o diagnóstico foi bem simples: hiperqueratose. Uma espécie de calo no palato, provavelmente gerado por algum impacto no local, tipo alguma comida pontiaguda que bateu ali algum dia. O que causou esse calo, só deus sabe.

E concluí que, mais uma vez, passei por uma saga de semanas, dores, restrições, trabalheira, deslocamentos, gastos e feiura – tudo para tentar decifrar um pequeno mistério do corpo humano. E, na verdade, não decifrei nada.

Daqui a seis anos, um novo calo pode aparecer, de novo, no meio do meu céu. E ele pode ser um Gremlin, uma hiperqueratose, um tumor.

Ou talvez só uma estrela resolvendo inaugurar uma constelação entre dentes e gengivas – e eu jamais saberei como ela surgiu.

***

Mais crônicas sobre o corpo humano:

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

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