Quando divulguei que a próxima obra a ser discutida no Clube do Livro seria este “Caderno Proibido“, de Alba de Céspedes, umas três ou quatro amigas me mandaram mensagens dizendo que o livro é ótimo. Já entrei na leitura com altas expectativas.
Na verdade, ler este livro é quase entrar na cabeça de Valeria Cossati, nossa protagonista. Isso porque o livro inteiro é o diário que ela mantém entre 26 de novembro de 1950 e 27 de maio do ano seguinte.
Seis meses de relatos minuciosos da vida íntima de Valeria, de seu relacionamento com o marido, os filhos, as amigas, os pais, os colegas de trabalho. Mas também de autodescoberta, de análises profundas que ela nunca tinha se dado ao trabalho de fazer, e que acabam por gerar um dilema entre a busca por sua liberdade e felicidade e a manutenção de sua identidade (ou reputação), construída ao longo de seus 43 anos de vida (a idade é muito importante nesta história), e fundamentada basicamente em convicções sustentadas na moral católica da época.
O diário começa de forma despretensiosa, sem nada que pudesse depor contra Valeria, mas mesmo assim ela faz questão de mantê-lo escondido – proibido –, e esconder o simples ato de estar escrevendo sobre sua vida, como se fosse errado, como se fosse um crime.
Aos poucos, no entanto, ela vai realmente colocando pensamentos e ações que desabrocham a partir desses pensamentos e que ela não gostaria que fossem conhecidos por mais ninguém. Segredos. Intimidades. Coisas que ela não gosta de admitir nem para si, mas que a sinceridade de sua conversa com o caderno propicia.
Ela mesma se assusta com o que o caderno provoca nela, e muitas vezes escreve sobre o ato de escrever, ou diz que o caderno é como um “diabo”. Como nestes trechos:
Embora muitas vezes pense em se desfazer do caderno, ou o veja como um problema, ela também admite em vários trechos que ele se tornou um dos seus momentos mais prazerosos do dia. Um momento em que pode ser livre e sincera, pode ser ela mesma.
Tanto que passa a ficar acordada até altas madrugadas para conseguir escrever sozinha e em paz. Ela passa a entender que se dedicou por toda a vida a outras pessoas (notadamente marido, casa e filhos), e que só agora está olhando para si mesma:
Seu cansaço é parte importante da história, inclusive um cansaço que ela atrela à felicidade:
No caderno, ela também faz reflexões sobre os filhos…
… sobre seus pais…
… as amizades…
… o casamento…
… o dinheiro…
E assim por diante.
Em quase todo o livro, estamos lá, dentro da cabeça de Valeria, ouvindo sua voz e seus pensamentos em primeira pessoa. Isso é um dos motivos que tornam a leitura um pouco cansativa, quase sem diálogos. Mas às vezes ela transcreve as conversas que teve mais cedo com os outros personagens que a circundam, como nesta conversa com sua filha Mirella:
Esta conversa, por sinal, sintetiza muito do dilema presente na vida de Valeria, a partir do momento que ela começa a escrever no caderno e vê sua filha, ainda menor de idade, buscando uma independência cada vez maior, à sua revelia.
Este foi o segundo motivo que me fez achar este livro um pouco cansativo, e levar mais tempo para concluir a leitura: às vezes eu me sentia exausta por estar dentro da cabeça de uma mulher da década de 50, totalmente reacionária, retrógrada, hipócrita e moralista – muito mais, inclusive, que outros personagens que convivem com ela.
Mas foi interessante perceber como, em apenas seis meses de autoanálise, Valeria – que, no fundo, só queria se reencontrar mesmo, reencontrar a mulher, ainda jovem, que ninguém mais chamava pelo primeiro nome – foi abrindo algumas brechas nessa casca dura que tinha esculpido em torno de si.
Ela arranca máscaras. Tanto as próprias quanto as das pessoas de sua família.
A autora, Alba de Céspedes, disse que “Caderno Proibido” é um romance no qual “não acontece nada”, em que “a história está toda na análise da personagem”. É isso. É um diário muito bem escrito, cheio de reflexões, dúvidas e incompreensões sinceras, em que vemos uma mudança sutil tomando conta da protagonista. E ficamos o tempo todo nos perguntando para onde essas mudanças vão levá-la.
Para um ruptura com suas convicções sacramentadas até aquele momento, em busca de uma felicidade, de um recomeço após os filhos saírem de casa? Ou para o conformismo com sua história construída até ali, a manutenção de uma imagem “santa” a ser pendurada na parede depois da morte?
Um livro interessante, sobre a potência libertária da escrita, que nos faz pensar junto com sua pensativa protagonista. E, de vez em quando, até torcer por ela, apesar de tudo.
“Caderno Proibido”
Alba de Céspedes
Companhia das Letras
286 páginas
R$ 54,23 na Amazon (preço consultado na data do post; sujeito a alterações)
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