Não deixe de ver na Netflix: As Nadadoras (The Swimmers)
2022 | 2h14 de duração | Classificação: 14 anos | nota 10
Fazia tempo (mais de um ano!) que eu não dava nota 10 para um filme. Mas não encontrei motivos para não pensar neste “As Nadadoras” com uma nota máxima. Foi um filme que me tocou profundamente, seja pela história, pelas atuações ou pelas imagens – belíssimas, mesmo as mais trágicas.
Assisti a ele no último domingo, e várias vezes me vi pensando a respeito, ou revivendo algumas cenas, ao longo dos dias seguintes. Posso dizer que fui devidamente impactada por esse longa britânico, como só os bons filmes são capazes de fazer.
A começar, pela temática. Eu sempre vi a questão dos refugiados como uma crise humanitária grave, mas distante demais da nossa realidade aqui no Brasil. Afinal, estamos cercados por países sem guerras e quase não recebemos refugiados por aqui.
Sem contar que já temos problemas demais, com nossas próprias misérias. Então eu pensava na questão como um “problema de europeu”. Claro, sentia empatia e solidariedade pelos refugiados, mas não parava muito tempo para pensar a respeito do assunto.
Este filme nos lança direto para o centro do problema, nos sacode, estapeia, nos agita por dentro e por fora. Nos mostra que, sim, este problema é de todos nós.
A história poderosa do filme ‘As Nadadoras’
Primeiro, acompanhamos a aflição de uma família de classe média em Damasco, na Síria, querendo seguir com sua rotina normal quando o país já estava tomado pela guerra.

Depois, acompanhamos a jornada das duas irmãs nadadoras – Yusra Mardini, uma adolescente de 17 anos, e Sara Mardini, de 20 –, acompanhadas do primo, também jovem, que deixam esta família para trás e tentam chegar à Alemanha, em busca de segurança para todos.
Nesse trajeto, ficamos espantados com a brutalidade das pessoas que eles encontram no caminho, que querem sugar cada centavo de suas economias, querem literalmente lucrar com a desgraça de suas situações – não só dos sírios, mas também de seus companheiros afegãos, egípcios, libaneses, iraquianos, eritreus e tantos outros.
São pessoas que se veem forçadas a deixar seus países – não para “roubar empregos” dos europeus, não porque querem largar suas casas, famílias e culturas para trás, mas porque precisam sobreviver a guerras, conflitos, ditaduras insanas, violações de direitos humanos ou eventos climáticos assustadores.
E, assim, não bastasse o terror de terem que deixar suas casas e famílias em busca de sobrevivência, esses refugiados ainda precisam lidar com a desumanidade e indignidade dos golpes, roubos, estupros, dos riscos de atravessarem mares em botes superlotados, além de xingamentos, preconceito, do asco pelo que é diferente.
(Mas, como esperar humanidade com estrangeiros, se as pessoas ignoram até mesmo os miseráveis de sua própria gente, os pedintes de suas próprias esquinas?)
Em vários momentos, eu chorei de soluçar. Só conseguia pensar: são seres humanos! São homens, mulheres, crianças, bebês! Eles não querem estar ali, queriam estar em suas casas, em suas culturas! Por que não podem lhes oferecer água limpa, alimentos, roupas, lugar para dormir? E daí que falam outra língua? Que rezam por outro deus? São PESSOAS!
E chorava, e chorava, ao lembrar que essas pessoas existem de verdade, e passam mesmo por tudo aquilo que o filme quer nos mostrar. Inclusive, muitos dos atores que aparecem nas cenas do bote são refugiados de verdade, pessoas que efetivamente enfrentaram aquilo ali. Vomitaram, desmaiaram, entraram em pânico quando o motor falhou bem no meio do imenso oceano.
Num terceiro momento, acompanhamos mais de perto a batalha da jovem Yusra Mardini para tentar retomar os treinos de natação e eventualmente conquistar seu sonho de ir aos Jogos Olímpicos. A atriz Nathalie Issa é dublada pela Yusra da vida real, em algumas cenas na piscina.

Como em todo filme sobre atletas, essa parte também é interessante, ao mostrar o esforço para superar limites e transpor barreiras até chegar a feitos impressionantes, como percorrer 100 metros nadando borboleta em 1 minuto e 9 segundos.
Mas, no caso da síria Yusra Mardini, o feito é muito mais impressionante, por todo o histórico retratado em mais de uma hora de filme. Ela não nadou no Rio em 2016 pelo seu país. Ela nadou por milhares de refugiados em todo o mundo, que ainda são invisíveis para a maioria de nós.
Roteiro, elenco e fotografia de ‘As Nadadoras’
Mas não dei nota 10 para este filme só porque a história de Yusra é impressionante. A diretora e roteirista Sally El Hosaini, filha de pai egípcio, poderia ter pegado esse baita assunto e esta personagem incrível e transformado em um filme piegas, ou simplesmente ruim.
Mas, não. Ela se juntou a Jack Thorne, corroteirista de “Extraordinário“, e eles fizeram uma história maravilhosa, que mexe com a gente, nos faz pensar, nos faz chorar, sorrir e sentir coisas como raiva, indignação, espanto, alívio, admiração e orgulho.
Além disso, as atrizes Manal Issa e Nathalie Issa, que são filhas de pais libaneses, interpretaram as irmãs sírias muito bem. Incorporaram mesmo as personagens. A química entre elas é real – muito provavelmente porque as atrizes também são irmãs.
O restante do elenco também é ótimo: a síria Kinda Alloush (que faz a mãe delas), o israelense Ali Suliman (pai), o egípcio Ahmed Malek (primo), a saudita Nahel Tzegai (amiga) e o alemão Matthias Schweighöfer (que faz o treinador Sven). Exceto pelo último, são todos representantes de países que, por diversos motivos, “exportam” refugiados.
Há ainda uma qualidade enorme na fotografia, nas imagens que nos são apresentadas, que ora aproximam bastante a câmeras dos rostos das duas irmãs, nos aproximando também delas, ora nos mostra o quadro do alto, como que escancarando que o problema é bem maior e mais amplo que aquele núcleo familiar.

O conjunto da obra – roteiro bem amarrado, elenco ótimo, direção e fotografia idem – levou a este filme primoroso, que deveria ser assistido por todos.
O que a jovem Yusra, hoje Embaixadora da Boa Vontade para a Agência de Refugiados da ONU, fez, e o que o filme “As Nadadoras” fez depois, ao contar sua história, foi muito importante: tirou um véu de um problema que não é só dos refugiados e dos europeus que os recebem e mostrou que ele é, ou deveria ser, um problema de todo o planeta.
A história real da nadadora síria Yusra Mardini
Depois que vi “As Nadadoras” eu quis, é claro, conhecer melhor a história real de Yusra Mardini. Encontrei as informações abaixo no site oficial dos Jogos Olímpicos.
Faço um alerta de spoiler: ao ler essas informações antes de ver o filme, muitas das surpresas vão se perder, já que o filme é bem fiel ao que aconteceu. Minha sugestão é que você assista ao filme primeiro e só depois venha terminar de ler este post 😉

Mas aí estão as informações sobre Yusra Mardini relatadas no site:
- Ela tinha uma infância boa em Damasco, capital da Síria.
- Desde nova demonstrou talento como nadadora e chegou a representar a Síria no Mundial de Piscina Curta de 2012, aos 14 anos.
- Ela realmente tinha o sonho de ser campeã olímpica algum dia.
- Em 2015, fugiu da Síria, que estava em guerra, com a irmã Sara, em busca de segurança.
- Elas conseguiram chegar à Turquia e, de lá, foram para a Grécia em um bote com outros 18 refugiados. O bote era pequeno, comportava no máximo sete pessoas.
- O motor do bote parou de funcionar no meio do Mar Egeu. As duas irmãs, e outras duas pessoas que sabiam nadar, pularam no mar e empurraram o bote por três horas até Lesbos, uma ilha grega. Heroínas!
- Elas conseguiram chegar à Alemanha em setembro de 2015. Mais tarde, seus pais foram para lá também.
- Em Berlim, ela começou a treinar com o técnico Sven Spannekrebs e, em junho de 2016, foi classificada para uma das dez vagas do primeiro Time Olímpico de Refugiados do COI, para os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio.
- Ela ganhou a bateria dos 100 metros borboleta (como é mostrado no filme), mas terminou na 41ª colocação geral.
- Em 2017, ela se tornou a mais jovem Embaixadora da Boa Vontade para a Agência de Refugiados da ONU da história.
- Em 2018, lançou sua autobiografia, “Butterfly” (borboleta).
- Em 2021, voltou aos Jogos Olímpicos, em Tóquio, como porta-bandeira do Time Olímpico de Refugiados do COI.
- Em 2022, ainda como parte do time de refugiados, foi para o Mundial de Esportes Aquáticos, em Budapeste, na Hungria.
- Agora ela tem cidadania alemã e, por isso, não pode mais fazer parte da equipe de refugiados, mas vai tentar se classificar para os Jogos Olímpicos de Paris em 2024.
O que aconteceu com Sara Mardini?
Sara Mardini passou a atuar em Lesbos, ajudando refugiados que percorrem o arriscado trajeto que ela e a irmã fizeram de bote, mas foi indiciada por isso e pode pegar até 25 anos de prisão.

Entidades como a Anistia Internacional condenaram veementemente esse processo judicial, chamado de “político”, e foi criada uma petição internacional pela absolvição de Sara e outros humanitários.
Ela obteve uma vitória parcial em janeiro deste ano, mas ainda pode ser condenada. Suas atualizações são divulgadas em Instagram oficial.
Como diz a petição de Sara: “Salvar vidas não é crime, não é heroico, é simplesmente necessário”.
Assista ao trailer oficial legendado do filme “As Nadadoras”:
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