O texto a seguir foi escrito pela minha irmã, a jornalista Viviane Moreno, que é mãe da Rafa, uma garotinha muito esperta de 8 anos que tem autismo. A mensagem que a minha irmã traz não é só para quem convive com pessoas com autismo, mas para todo mundo. “Nós como sociedade precisamos conhecer, conviver, respeitar e proteger todas as existências”, escreveu ela. Não deixe de ler e compartilhar esta mensagem entre todos que você conhece!
Texto escrito por Viviane Moreno:
A Cris me convidou para escrever aqui no blog um texto para o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, celebrado em 2 de abril. “Falar sobre capacitismo ou contar sua história, o que você aprendeu sendo mãe da Rafa, o que você gostaria que as outras pessoas soubessem”. O prazo foi terminando e, confesso, pensei em milhões de abordagens possíveis.
A primeira pergunta que me fiz foi: “Quem sou eu para falar sobre isso?”. Mas lembrei que há exatos 6 anos eu precisava escrever uma resenha para a página de lançamentos de livros no jornal onde trabalhei por 17 anos e escolhi um com o depoimento de um pai sobre o filho autista (“Meu Menino Vadio – Histórias de um Garoto Autista e o seu Pai Estranho”, do jornalista Luiz Fernando Vianna, 2017, Ed. Intrínseca, 208 páginas). Eu não sabia absolutamente nada sobre esse universo, mas identifiquei vários traços de autismo na minha filha caçula. E um novo mundo se abriu para mim.
Rafaela fez 2 anos em novembro de 2016. Os marcos do desenvolvimento eram normais, ela sentou sozinha com 6 meses, engatinhou com 7 e meio, deu os primeiros passos com 11 e andou com segurança com 13. Bateu palminhas com 9 meses, tirou a fralda com 1 ano e 10 meses, brincava e ria como os primos, mas aos 2 anos falava apenas uma ou outra palavrinha.
Eu percebia o atraso, mas não me preocupava porque, afinal, cada criança tem seu tempo, não é o que dizem? E imaginava que logo ela soltaria a língua e ficaria menos tímida com os que não integravam o pequeno núcleo com que ela convivia. No entanto, a entrada na escola, que eu acreditava ajudaria muito no desenvolvimento geral dela, veio com muito sofrimento e, não só ela parou de falar o pouco que falava, como perdeu outras habilidades, como o controle do xixi.
Não foi a pediatra nem a escola que me falou sobre autismo. Foi aquele livro que me fez correr atrás de informações. No Google encontrei o blog Lagarta Vira Pupa, onde a jornalista Andrea Werner, hoje ativista pela inclusão e deputada estadual por São Paulo, contava suas vivências com o filho Theo, que tinha a idade da minha filha mais velha, agora com 14 anos. Quanta identificação! Para algumas pessoas, isso traz angústia. Para mim, informação é luz, é caminhar com mais segurança com chance de melhores resultados.
Enquanto marcava psiquiatras, neurologistas, exames (tudo no plural mesmo, porque queremos ouvir mil avaliações para ter menos chance de errar com os filhos), eu ia atrás de depoimentos de pessoas comuns que, como eu, caíram de paraquedas nesse universo. Comprei livros, fui a palestras, segui perfis, virei a pessoa que lê e comenta todos os comentários na internet, colecionei histórias.
Tirei a Rafa da escola (dos maiores arrependimentos que carrego na maternidade: ter insistido por 4 meses para ela se adaptar, quanto sofrimento desnecessário), saí do meu emprego e fui atrás do que podia ajudá-la. A terapia ocupacional e a fonoaudiologia pelo plano de saúde eram uma luta por horário para manter um mínimo de regularidade semanal, mas brincamos e passeamos bastante por clubes e praças da cidade, o que sem dúvida deu a ela segurança e desenvolvimento. Além de muitos e muitos momentos de alegria “mamãe e filhinha”.
Em fevereiro de 2018, com 3 anos, Rafaela voltou para escola. Desta vez, uma escola pública municipal (Emei), onde a prima 2 anos mais velha já estudava e adorava. Acolhida e inserida, Rafa foi muito feliz nessa escola e se desenvolveu bastante ali. Àquela altura, ela estava começando o atendimento com uma terapeuta apresentada a nós por uma prima do meu marido. Alguns meses depois, fomos convidados por ela a fazer parte de um projeto que ia começar com profissionais multidisciplinares voluntários, o Segunda Letra. Nossa vida mudou novamente ali.

Eu, que até então insistia em um diagnóstico, aprendi que isso é um detalhe. Explico. Ter o diagnóstico, ou num primeiro momento a suspeita dele, é importante para irmos atrás dos direitos dos nossos filhos: garantia de matrícula e presença de auxiliar na escola, acesso a terapias, fila especial, passe livre no ônibus, desconto na compra de um carro… Mas o mais importante, e isso não depende do diagnóstico e vale também para os filhos típicos, é olharmos para os nossos filhos e identificarmos o que eles precisam naquele momento para se desenvolver e ser feliz. Não é isso que mais desejamos para nossos filhos?
No Segunda Letra sempre foi assim. A Rafa era vista como a Rafa. Rafa está precisando de ajuda com a fala? Vamos correr atrás de um fonoaudiólogo para a equipe. Rafa está precisando de ajuda motora? Vamos atrás de terapia ocupacional, de fisioterapeuta; quem da área das artes pode contribuir? Todas as crianças atendidas ali são vistas e tratadas dessa mesma forma, em sua individualidade. Elas não precisam ser “consertadas” para ficar iguais aos outros. Elas devem desenvolver habilidades que funcionam para elas, para o que elas precisam para ser feliz.
Nesse tempo todo, Rafa já desenvolveu muitas habilidades. Todas devidamente celebradas. Ainda precisa aprender muita coisa, como toda criança, e sempre poderá contar com meu amor e apoio no caminho. Sempre sendo escutada no processo.
No fim do ano passado, ela pediu para sair das terapias. Conversamos muito com ela e com toda a equipe, eles também conversaram muito entre eles, e concluímos que, apesar de ela ainda precisar de apoio em várias coisas, como a fala e a coordenação, sem falar na análise que a ajuda a processar tudo o que sente, era importante respeitar a vontade dela.
Percebi que ela queria se misturar mais com as crianças típicas, fazer esportes que os primos fazem, não ter auxiliar na escola como as colegas não têm, era aquilo que ela precisava naquele momento, mesmo com todos os desafios que viriam junto.
Ela interrompeu todas as terapias em outubro de 2022, depois de mais de 4 anos de atendimentos (no primeiro ano da pandemia ela tinha 1h online diária). Com isso, está perdendo algumas coisas, ganhando outras. E sabe que pode mudar de ideia. Inclusive, essa semana fizemos uma visita e foi uma manhã deliciosa de reencontros.
Eu, por minha vez, mudei meu foco de interesse no assunto. Parei de acompanhar profissionais e pais, agora devoro as postagens dos próprios autistas, com diferentes necessidades de suporte. E como é bom ouvi-los! Como me ajuda a entender a minha filha. Como me faz pensar como teria sido bom para mim já ter conhecido essas pessoas quando, lá atrás, minha filha apresentou os primeiros sinais de autismo e eu não tinha a menor ideia. Teria sofrido menos com o desconhecido, teria errado menos com ela, saberia desde sempre que ela pode ser quem é, que não precisa ser igual a ninguém.
- Leia também: ‘Já Fui Famoso’: um filme sobre amizade, inclusão, maternidade, superação (e muito mais)
Nós como sociedade precisamos conhecer, conviver, respeitar e proteger todas as existências. Se tiver uma criança com deficiência na sala do seu filho, não seja aquela mãe que reclama na escola ou no grupo do zap. Você e seu filho estão tendo uma oportunidade maravilhosa de aprender algo muito mais importante do que matemática e português. Estão tendo a chance de aprender a ser pessoas melhores. E como o mundo precisa de pessoas melhores!

Inclusive, lá na frente, seu filho poderá ser um profissional diferenciado, em qualquer profissão escolhida por ele, por ter tido a chance de conviver com a diversidade e aprender com ela a pensar um mundo onde todos têm lugar. Ajude a promover uma inclusão de verdade, cobre da escola, incentive os outros pais, converse com seu filho, combata o bullying, ofereça apoio aos pais atípicos.
Vou deixar aqui alguns perfis que sigo, como sugestão para conhecerem (depois acrescento outros nos comentários). Recomendo não só a quem convive com autistas, mas a todos que se interessam pela diversidade humana, pela inclusão, por um mundo melhor para todos:
- https://www.instagram.com/carolsouza_autistando
- https://www.instagram.com/lucas_atipico
- https://www.instagram.com/marciagraffaria
- https://www.instagram.com/aline.provensi
- https://www.instagram.com/kmyborges
- https://www.instagram.com/tartaruga_albina
- https://www.instagram.com/blackautie
- https://www.instagram.com/alice_neurodiversa
- https://www.instagram.com/autiedafavela
- https://www.instagram.com/murilo_ciclistea
- https://www.instagram.com/meninaqueautista
- https://www.instagram.com/uma.autista.diferentona

Não deixe de seguir também:
- https://www.instagram.com/meubebeeoautismo
- https://www.instagram.com/coordenacao_motora_infantil
- https://www.instagram.com/terapiaemquadrinhos
- https://www.instagram.com/vanessaziotti_
- https://www.instagram.com/autismolegal
- https://www.instagram.com/autismoemportugues
- https://www.instagram.com/praia.ufmg
- https://www.instagram.com/_marianarosa_01
- https://www.instagram.com/psicologaalinegomes
Uma música reveladora da nossa bailarininha
Affonsinho escreveu a música “Bailarininha” pra Rafa. Está no álbum “Certeza?”, lançado em meados de 2017, quando ela tinha 2 anos e meio.
Na letra ele a descreve, fala dos “cachinhos de algodão” e, curiosamente, aponta características comuns do autismo, como o fato de só andar na ponta dos pés (vem daí o nome da música), o atraso na fala (“falar que é bom só de vez em quando”) e a desorganização que a deixava agitada (“mas mexe em tudo que vê”).
Sinais que estavam na cara de todo mundo, a ponto de ter inspirado música, mas que não nos diziam absolutamente nada por pura desinformação.
Compartilho tudo isso hoje, 2 de abril, Dia Mundial da Conscientização do Autismo, porque acredito que informação é importante para obter diagnósticos e intervenções precoces, para cobrar e respeitar direitos, para promover uma inclusão verdadeira.
Leia também:
- O silêncio da sociedade: como lutar contra o capacitismo e pela inclusão dos surdos
- ‘Coda’: dividida entre dois mundos, numa sociedade com pouco espaço para a inclusão
- ‘Extraordinário’, um filme peculiar – e pelos motivos menos esperados
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Muito lindo! Eu convivo com a Vivi e com a Rafa e percebi (como também aprendi) que o maior desejo dela é justamente que a Rafa seja vista como Rafa e não por um diagnóstico que prega um rótulo na nossa testa. Pois, afinal de contas, todos nós temos limitações. Somos melhores em algumas coisas e piores em outras. E muitas vezes nem sabemos os mistérios que se passam pelo funcionamento do nosso cérebro. Concordo com a Vivi que “incluir” é nos dar a oportunidade de ser melhores e inclusive de aceitar a nós mesmos, com as nossas imperfeições, sem julgar ou achar que o outro é menos, é inferior aos que funcionam dentro de um padrão de normalidade. O diferente nos surpreende e nos dá a chance de ter um outro olhar para o mundo. Ele nos permite ir além. Obrigada, Vivi e Rafa, por me permitir fazer parte do mundo de vocês e da gente ir crescendo juntas nesses nossos pequenos encontros, com as nossas trocas, com o que de fato faz a diferença positiva no nosso mundo, o AMOR. E este costuma revelar sua faceta mais poderosa quando estamos diante de situações-limite como essas, em que nos deparamos com algo que não conhecemos e que somos obrigados a enfrentar e que, no final das contas, se torna um grande presente para nós mesmos que, ao nos aprofundar no outro, acabamos encontrando a nós mesmos! Lindo de viver!!! Parabéns pra vocês, para todos os autistas e para todos aqueles que se alegram e se autodesafiam a evoluir, com a riqueza das diferenças!
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Viviane, além de excelente jornalista, é uma cuidadora nata. Quando tinha uns cinco anos, eu a deixava no clube Recreativo, a uns 800 metros de meu apartamento na época, com a recomendação de que cuidasse da irmã, Mônica, um ano e meio mais nova. (A mãe saía cedo de casa, para dar aulas em escola pública, e eu também tinha que trabalhar no centro da cidade). Ela Levou muito a sério a tarefa, como em tudo mais na vida. Mas sem perder o bom humor e a confiança em dias melhores. Parabéns, Vivi! Nos orgulhamos muito de você.
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Mais duas indicações preciosas:
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Obrigada!
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