Por Cristina Moreno de Castro
A cidade inteira vê seu belo horizonte virar água
Toda, todinha, alagada.
Não só nos bairros de sempre, mas nos restaurantes de luxo do Lourdes,
nos barzinhos da Prudente, nos botecos do Anchieta.
Carros e carrões arrastados pela enxurrada implacável,
com famílias dentro, desesperadas.
Resgates em ruas com nomes de cônsul.
Prédios residenciais, shoppings, bistrôs,
tudo inundado, ilhado, interditado.
Como foi na Tereza Cristina, na Vilarinho
– e lá também, porque como seria diferente?
E na Vila Ideal, na Vila Bernadete,
nas vilas e favelas e morros e comunidades e casas em beiras de córregos
onde morreram (até agora)
Ao menos 12 crianças e adolescentes mortos.
Um bebê de seis meses.
Um pai enterrando a esposa e três filhos, de
dez,
nove,
e seis anos.
Junto com as chuvas, chovemos lágrimas torrenciais,
recordes de quase 200 milímetros de água descem pelos rostos de quem tem um pingo de sensibilidade.
Formam poças.
E estas poças têm nomes:
aquecimento global e omissão do poder público.
Cidades sem nenhuma área verde, córregos concretados, pessoas vivendo como bichos, penduradas em barrancos.
Omissão do poder público. Por décadas. Séculos.
Repitam comigo:
– Ninguém mora em área de risco porque quer.
Pudessem, todos morariam perto do Diamond.
E mesmo lá veriam as vias alagadas nesta chuva deste janeiro sem trégua.
Cinquenta e três mortos.
E contando:
sobe para cinquenta e quatro,
sobe para cinquenta e cinco.
Dezenas de mortos, então.
Com nomes, RGs, histórias, vidas.
E nenhum deles, nenhum deles, tem culpa de nada.
P.S. O poema acabou lido pelo jornalista Rodrigo Freitas, âncora do jornal “Super N”, na rádio Super Notícia 91,7 FM, no dia 29 de janeiro. Ouça:
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