Vou trazer para um só post três resenhas curtas de livros que li ao longo do mês de junho. Explico: já li 40 livros desde o início do ano, e está difícil fazer posts para todos eles aqui no blog, então esse formato mais curto é um jeito de manter o registro sem tornar este blog monotemático 😀
Ah, vale dizer uma coisa importante, se você mora em Belo Horizonte: peguei todos os três livros (e muitos dos 40) emprestados na melhor biblioteca da cidade. Ou seja, estão disponíveis lá, caso você queira ler também, sem precisar gastar dinheiro 😉
E sigo sem conseguir resenhar tudo o que leio. Por exemplo, optei por não escrever sobre “O Parque das Irmãs Magníficas”, de Camila Sosa Villada, porque foi uma leitura que comecei com grandes expectativas e muita recomendação e acabei gostando só do primeiro terço e do final triste-triste, mas achando o miolo decepcionante, com muita repetição do argumento e muito detalhe minucioso e cansativo da vida na prostituição. De toda forma, não quis criticá-lo, porque ele não deixa de ser interessante e relevante para conhecermos a dureza e a miséria da vida das travestis.
Também não resenhei “O Terrorista Elegante e Outras Histórias” (Mia Couto e José Eduardo Agualusa), “O homem que viu tudo” (Deborah Levy), “Os Malaquias” (Andréa del Fuego), “As Chaminés Tocam o Céu” (Jean-Claude Grumberg), “Os Vizinhos Morrem nos Romances” (Sergio Aguirre) e “A Empregada” (Freida McFadden), além de alguns da Agatha Christie.
Em todos os casos, tendo gostado ou não dos livros, só achei que eu não teria muito o que acrescentar em minhas resenhas. Ou estava sem tempo ou sem vontade de escrever.
Afinal, não quero que o que era pra ser um hobby ou prazer se torne mais uma obrigação chata. Mas a literatura segue tendo um grande espaço, cada vez mais especial, nestes 15 anos de blog ❤ Já são mais de 300 posts na categoria “Livros“. Nuh!
Agora vamos aos três do dia! 😀
O Vendido, de Paul Beatty
O Vendido, Paul Beatty
Ed. Todavia, 320 páginas
R$ 74,90 na Amazon (preço consultado na data do post; sujeito a alterações)
É um livro sobre identidade, raça e racismo como nunca vi igual. A narrativa em primeira pessoa é bruta, absolutamente cínica, desprovida de subterfúgios ou amenidades.
Por exemplo, neste trecho:
“Duvido seriamente que algum ancestral que tenha viajado num navio negreiro, naqueles momentos de ócio entre um estupro e um espancamento, ficasse de pé com as pernas enfiadas até o joelho nas próprias fezes racionalizando que, no final, as gerações de assassinato, dor e sofrimento excruciantes, aflição mental e doenças endêmicas valeriam a pena porque um dia seu tatatatatataraneto teria acesso a wi-fi, ainda que o sinal fosse meio lento e intermitente.”
Funciona como um soco na cara alternado a algumas piadas e uma enxurrada de comparações, citações e referências que até tornaram a leitura um pouco atravancada para mim (porque muitas delas me deixaram boiando).
Palavrões e outras palavras ofensivas, como o nigger em inglês (traduzido como “crioulo”), pululam pelo texto.
O próprio mote da história é perturbador: um homem que tenta ressuscitar sua cidade na periferia de Los Angeles apagada do mapa, depois que o pai leva um tiro, e que acaba indo parar na Suprema Corte por ter um escravo em casa e por criar uma espécie de apartheid na região, com a volta da segregação racial.
Mas, ao mesmo tempo, não é bem assim, a história tem várias nuances e complexidades, e o humor e ironia que permeiam o discurso fazem a gente pensar em como talvez seja “hilário”, no fim das contas, é que ainda existam pessoas que acreditam que o racismo acabou. Não, não acabou: longe disso.
Uma Mulher, de Annie Ernaux
Uma Mulher, Annie Ernaux
Ed. Fósforo, 61 páginas
R$ 50,90 na Amazon (preço consultado na data do post; sujeito a alterações)
Cinco anos depois de escrever “O Lugar”, reconstruindo sua relação com o pai, Annie Ernaux escreveu este “Uma Mulher”, entre abril de 1986 e fevereiro de 1987. Sua mãe tinha morrido duas semanas antes de ela iniciar o livro e ela resolveu viver o luto por meio da escrita.
Apesar de confessar ser uma “empreitada difícil”, ela diz que não é capaz de fazer outra coisa naquele momento:
“Vou continuar escrevendo sobre a minha mãe. Ela é a única mulher que realmente importou para mim e estava demente havia dois anos. Talvez eu devesse esperar que a doença e a morte dela se dissolvessem no percurso passado da minha vida, como os outros acontecimentos, a morte do meu pai e a minha separação, de modo que eu pudesse ganhar a distância que facilita a análise das lembranças. Mas nesse momento não sou capaz de fazer outra coisa.” (trecho da página 13).
Ou seja, ela até queria ter o mesmo distanciamento neutro e sóbrio de outros livros, mas a verdade é que, diferentemente de outras obras que li de Annie Ernaux, seus sentimentos transbordam nestas páginas de “Uma Mulher”, ainda que de forma contida.
A figura do pai quase não aparece neste livro, até porque ele já tinha sido o protagonista em “O Lugar”. Mas às vezes ele surge, para ajudar a compor o retrato da mãe. Como quando ela fala que a mãe sofreu ao ficar viúva, mas teve que tocar o barco, porque não tinha como se dar o luxo de fazer diferente. Um luxo que ela própria estava se dando, ao ficar órfã, como diz na página 43:
“Depois do enterro, ela ficou cansada e triste, me confessando: “é duro demais perder seu companheiro”. Ela manteve a loja como antes. (Acabo de ler num jornal, “o desespero é um luxo”. Esse livro que eu tenho tempo e meios para escrever desde que perdi minha mãe também é, sem dúvida, um luxo.)
Esse exercício de memória que ela faz, essa vivência da vida de sua mãe, para prolongar ao máximo o convívio com ela, nos permite conhecer melhor aquela mulher intensa, brava, cheia de personalidade, que cavou uma estrada para que a filha pudesse ter uma vida melhor que ela – mas se ressentiu do distanciamento que a diferença de classe social consolidou.
O livro começa com a morte dessa mulher, cercada de toda a burocracia fria que temos que viver quando precisamos enterrar um ente, passa por sua infância, sua juventude, pela relação entre as duas, seu envelhecimento, seu adoecimento com demência (numa descrição muito precisa e dolorosa de como o Alzheimer corrói a humanidade das pessoas), e termina, de novo, com sua morte.
É um ciclo completo, uma vida inteira, construído com tijolos de muita ternura e sinceridade, que deixaram claro que a relação entre mãe e filha não era perfeita, mas nem por isso menos cheia de amor. Afinal, será que existe essa relação perfeita?
Oblivion, de Fabrício Martins e Laura Jardim
Oblivion, Fabrício Martins e Laura Jardim
Ed. de autor, 128 páginas
R$ 47 na Amazon (preço consultado na data do post; sujeito a alterações)
É um livro curto, em história em quadrinhos, de 128 páginas, que li numa sentada, pouco antes de dormir. Trata da história de Anna, uma jovem que se vê em um daqueles momentos de grande desilusão na vida – com problemas no trabalho, nas finanças, na saúde, no amor. Ela é muito solitária, mas ganha de presente dos pais um robozinho simpático, o Aleph, que lhe faz companhia.
Futurista, esta ficção científica também prevê uma solução “mágica” para os problemas: o apagamento seletivo de memórias (como no filme Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças). É uma história simples e emocionante, que aborda temas como depressão e amizade.
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