Vale ver nos cinemas: Sing Sing
2023 | 1h47 de duração | Classificação: 14 anos | nota 10
A história deste filme é bonita e emocionante por si só, mas mais ainda quando vamos conhecendo seus detalhes. É sobre um programa de reabilitação por meio das artes (Rehabilitation Through the Arts) que existe de verdade na penitenciária de segurança máxima Sing Sing, em Nova York. Por meio desse programa, os detentos se encontram, se expressam, se permitem ser vulneráveis, criam laços de amizade e aprendem habilidades de atuação para suportar a vida na prisão.
Ou, como diz um dos personagens: “Estamos aqui para nos tornarmos humanos novamente, para vestir roupas bonitas, dançar e aproveitar coisas que não existem em nossa realidade”.
É uma história sobre como os seres humanos – todos – são perfeitamente aptos a se reabilitar e se reintegrar à sociedade, se lhes for dada a chance. E a arte (assim como às vezes o esporte, outras formas de trabalho e a família) é uma alavanca poderosíssima de reabilitação.
Mas é também uma história sobre resiliência. Porque todos nós sabemos (ou alguns de nós) que as prisões são um depósito criado pelos homens brancos no poder para encarcerar homens e mulheres negros e pobres, ou outras minorias. Que, sim, muitas vezes cometem crimes terríveis, mas não é este necessariamente o pré-requisito para irem parar atrás das grades – haja vista a quantidade de brancos ricos e criminosos que permanecem livres, leves e soltos.
Dentro dessa lógica, não raro pessoas absolutamente inocentes vão parar nos presídios apenas por se enquadrarem no “perfil” ideal de “criminoso” do processo judicial, que começa lá na delegacia de Polícia Civil e continua nos tribunais. Daí porque este é um filme sobre resiliência: se é preciso que todos sejam resilientes (resistentes a choques) para sobreviverem a um presídio, é ainda mais necessário que os inocentes que lá estão possam ser.
O personagem interpretado maravilhosamente por Colman Domingo, protagonista desse filme, é um exemplo disso. Trata-se de John “Divine G” Whitfield, premiado escritor, autor de oito romances (sete dos quais já adaptados para roteiros) e cinco audiolivros. Ele foi um dos fundadores do programa Rehabilitation Through the Arts da penitenciária Sing Sing – onde esteve preso por longos 25 anos, mesmo apelando a todas as instâncias judiciais e apresentando provas contundentes de sua inocência.

Pensem nisso, gente: um quarto de século atrás das grades sem ter cometido nem um crime sequer. Inocente. E ainda conseguindo forças para ajudar os colegas de prisão, tanto por meio da arte quanto de várias outras formas mostradas no filme. Ou, quem sabe, foi a arte do teatro, da dança, da música, e toda a fraternidade em torno dela, que tenha dado essa força a ele para resistir.
O maravilhoso roteiro deste filme, merecidamente indicado ao Oscar, contou com a contribuição tanto de Divine G quanto de “Divine Eye”, cujo nome de batismo é Clarence Maclin. Ele também esteve preso na Sing Sing – durante 15 anos –, mas tinha realmente cometido um crime. Sua condenação foi por assalto à mão armada. No filme, é o próprio Clarence quem interpreta a si próprio. E tão-tão bem, que chegou a ser indicado a prêmios importantes como o BAFTA e o Critics Choice Awards.

Mas não é para menos: ele aprendeu a atuar no mesmo Rehabilitation Through the Arts, do qual também fez parte. E é a prova viva de que todos merecem uma segunda chance e podem se reintegrar à sociedade: apesar de ser retratado como alguém violento no filme que ele próprio ajudou a roteirizar, desde sua libertação ele vem trabalhando como conselheiro de jovens e especialista em artes criativas.
Vale dizer que não é só Clarence Maclin que atua em “Sing Sing” interpretando ele próprio: à exceção de Colman Domingo (que foi indicado ao Oscar por sua performance como ator principal), de Paul Raci (que já tinha sido indicado por seu papel em “O Som do Silêncio , e volta a arrasar neste) e de Sean San Jose (que me fez começar a choradeira graças a seu cativante Mike Mike), TODOS os demais personagens são ex-presidiários de Sing Sing e membros de seu Rehabilitation Through the Arts.
Sinal de que esse programa de reabilitação por meio da arte realmente funciona, não acham? 😉
Inclusive eu descobri, lendo agora sobre o filme, que as cenas de testes para o teatro que aparecem logo no início são fitas de teste reais usadas para escalar o elenco do filme. E o Divine G da vida real também não fica de fora: ele faz uma breve aparição no filme, numa cena em que pede autógrafo para o Divine G de Colman Domingo.
Aliás, tenho certeza que Divine G não se sentiu ofuscado por ter sido interpretado por Colman Domingo, em vez de interpretar a si mesmo, como a maioria dos colegas. A questão é que, assim como ele fez em “Rustin” no ano anterior, que também lhe rendeu uma indicação ao Oscar, Domingo deu alma a este filme. É impossível não sentir tudo o que ele sente: tudo mesmo, a frustração, a desilusão, a esperança, a tristeza, a raiva, a alegria, a empatia, a vontade de ajudar, o ciúme, a inveja, TUDO. Eu simplesmente me acabei de chorar na cena do ensaio geral para a peça que o grupo estava montando ao longo de todo o filme – e quem assistir a Sing Sing entenderá que foi por causa de Domingo.

(Mas, claro, depois que a torneira abriu, continuei chorando por todos os minutos seguintes, e me acabei de vez nas cenas finais, quando vemos os vídeos das peças originais apresentadas pelos detentos de Sing Sing, e só aí entendi que eu estava vendo não só um filme baseado em fatos reais, mas um filme real em tantos outros sentidos.)
Para finalizar, eu queria comentar sobre o personagem real de Paul Raci, que se chama Brent Buell. Este produtor, diretor e escritor dirigiu peças de teatro dentro de presídios de segurança máxima nos Estados Unidos durante dez anos. É dele a comédia “Breakin’ the Mummy’s Code”, que realmente estreou dentro de Sing Sing, inspirou o filme e é crucial para a história.

Em dado momento no filme, ele diz algo mais ou menos assim: “Dentro dos muros de Sing Sing estão os homens que vão melhorar este mundo”. Minha memória não é muito confiável, estão desconsiderem as aspas, mas lembro que foi uma frase que me marcou. Porque é isso: se até mesmo homens desacreditados pela sociedade, trancafiados numa prisão, muitas vezes abandonados por suas famílias, conseguem produzir arte e se transformar daquela forma, certamente eles estão fazendo muito mais pelo mundo do que a gente aqui, do lado de fora.
Sei que este post está imenso, mas é que filmes que mexem comigo, a ponto de merecem minha nota 10, não podem ficar só com um textinho de nada. Mas, já finalizando, quero dizer que, se este filme é sobre reabilitação e resiliência, é também sobre justiça e liberdade – afinal, as consequências lógicas das duas primeiras. E a canção original do filme, que também foi indicada ao Oscar, é sobre isso. “Like a bird” tem o seguinte refrão:
Ei, eu te dou minha palavra
Eu tento, tento, tento
Voar como um pássaro, voar, voar, voar
Eu te darei minha palavra
Eu tento, tento, tento
Voar como um pássaro, voar, voar, voar
Eu te darei minha palavra.
No fim das contas, temos “a palavra” uns dos outros para garantir nossa liberdade. O problema é que algumas palavras parecem valer mais que outras.
Deixo vocês com esta bela canção de Adrian Quesada e Abraham Alexander e minha torcida para que “Sing Sing” conquiste o reconhecimento que merece neste Oscar.
Sing Sing foi indicado a 3 Oscars em 2025:
- Melhor roteiro adaptado
- Melhor ator principal
- Melhor canção original
Assista ao trailer de Sing Sing:
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