Texto escrito por José de Souza Castro:
O Vale do Jequitinhonha, no Norte de Minas, sempre foi conhecido como a região mais pobre do Estado. Na ditadura que se seguiu ao golpe militar de 1964 houve algum esforço para desenvolver a região, com a criação em 1964 da Comissão de Desenvolvimento, a Codevale, incapaz de tirá-la da pobreza nestes anos todos. A chegada da mineração de lítio, impulsionada pela demanda de baterias para os carros elétricos, pode piorar a situação.
Para os moradores da região, o que se vê é o aumento da pobreza, como mostra a reportagem “Mineração de lítio adoece comunidades do Vale do Jequitinhonha“, assinada por Caio Guatelli, da “Folha de S.Paulo”.
Estes são seus parágrafos iniciais:
“É madrugada, e o movimento não para nas minas de lítio do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. O barulho de centenas de máquinas remexendo o solo ecoa pelas montanhas e acaba com o sossego das comunidades tradicionais da região.
O relógio marca 3h30 quando uma fila de caminhões se forma no alto de uma colina. Com ajuda de tratores, toneladas de pedras são despejadas morro abaixo. O estrondo se mistura ao ruído dos motores e alcança as 70 casas do povoado de Piauí Poço Dantas, em Itinga (MG), estabelecido há 150 anos nas margens do riacho Piauí, um afluente do rio Jequitinhonha.
A colina, na verdade, é a Pilha 5 de estéril —conjunto de materiais não aproveitáveis— da maior mina de lítio do Brasil. Com 20 metros de altura e 560 mil m², sua área cresceu quatro vezes nos últimos 11 meses e já está a poucos metros do riacho e das casas do povoado. Se forem mantidos os planos de expansão da mineradora Sigma Lithium, dona da operação, a situação pode se agravar ainda mais.”

O então governador Magalhães Pinto (UDN), líder civil do golpe de 1964, tinha alguma preocupação social, como demonstrou ao criar a Codevale naquele mesmo ano. Romeu Zema (Novo) teria preocupação semelhante ao enviar à Austrália e outros países da região missão para atrair a Minas mineradoras internacionais? Ou ele agirá como a Coroa portuguesa na época da mineração de ouro e diamante no Brasil colonial, interessada apenas em arrecadar mais para pagar as dívidas com os bancos ingleses?
Sempre que perguntado, o governo de Minas se entusiasma com anúncios dos benefícios que as empresas estrangeiras, sobretudo mineradoras, trazem aos mineiros com seus investimentos.
Tem sido generoso ao organizar missões empresariais ao exterior. No mês passado uma dessas missões, liderada pelo secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, Fernando Passalio, visitou a Austrália, entre outros países, e anunciou que a mineradora australiana St. George fechou acordo de R$ 2 bilhões para extração de nióbio e terras-raras na região de Araxá.

O anúncio foi feito poucos dias depois de o governo federal ter informado que chegou a um novo acordo para indenizar 300 mil atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana.
“O acordo prevê o pagamento de recursos que somam R$ 132 bilhões, dos quais R$ 100 bilhões devem ser pagos em até 20 anos pelas empresas envolvidas na tragédia ao poder público para serem aplicados em diversas destinações”, afirma o comunicado oficial.
Esclarece que na data do rompimento, no dia 5 de novembro de 2015, a barragem era administrada pela Samarco, empresa controlada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton. Esta última é uma empresa anglo-australiana.

A esperança é que não ocorra nada parecido com o projeto da St. George em Araxá, cuja mina deverá produzir já em 2027 até 20 mil toneladas de nióbio e terras-raras, anualmente, com o uso de fornecedores e mão de obra local “sempre que possível”.
A australiana vai concorrer com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), líder mundial na produção e comercialização de nióbio.
O governador Romeu Zema (Novo) passou a liderar essa missão dos mineiros e no começo deste mês esteve em Xangai, na China, para participar da abertura da segunda edição do Brazil China Business Forum, organizado pela Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg). Essa agenda internacional da comitiva mineira, presente na Austrália e na China, deve se estender, até meados deste mês, ao Japão, Portugal e Azerbaijão.

Voltando ao início. A reportagem da “Folha de S.Paulo”, publicada dia 8 deste mês, diz que a mineradora Sigma Lithium, que instalou em Itinga a maior mina de lítio do Brasil, com produção anual de 270 mil toneladas atuais de concentrado de lítio, acaba de receber financiamento de R$ 500 milhões do Fundo Clima para dobrar sua capacidade de produção. O BNDES é gestor desse fundo, criado para financiar medidas de combate às mudanças climáticas.
Estão na fila a americana Atlas, para instalações em Araçuaí, também no Vale do Jequitinhonha, e a australiana Pilbara Minerals (que anunciou a intenção de comprar direitos minerários por R$ 1,95 bilhão), além da Companhia Brasileira de Lítio (CBL), que já explora uma antiga mina subterrânea vizinha à Sigma e planeja triplicar sua produção.
Ah, bom: a Sigma deu caixas d’água a todos os moradores do povoado de Piauí Poço Dantas, que não podem mais retirar, como faziam há 150 anos, água do riacho para beber e cozinhar, por causa da contaminação. Um dia por mês, as 66 famílias ficam à espera dos caminhões-pipas da mineradora que trazem a água para encher as caixas.
Boazinha essa mineradora, não?
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Leio hoje no Diário do Comércio: A Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) irá inaugurar no início de 2025, em Araxá, no Alto Paranaíba, uma nova planta industrial para produção em larga escala de óxidos mistos de nióbio para baterias, com uma tecnologia desenvolvida em parceria com a Toshiba Corporation. A capacidade de produção será de mil toneladas por ano (t/a).
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E no jornal mineiro O Tempo: “A Associação Mineira de Municípios (AMM) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) nessa terça-feira (12 de novembro) na tentativa de rever o acordo de indenização pelo rompimento da barragem em Mariana. A entidade também recomendou que os prefeitos de Minas não assinem o acordo firmado pelos governos federal e estadual com as mineradoras Vale e BHP, controladoras da Samarco, no fim de outubro”.
E la nave va… (Fellini, 1983)
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De O Tempo, hoje: “O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) absolveu as mineradoras Samarco, Vale e BHP em ação criminal sobre o rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015. A ação penal sobre a tragédia de Mariana, considerada a maior catástrofe ambiental do Brasil e que deixou 19 mortos, tramitava desde 2016. A decisão afirma “inexistir prova suficiente para condenação”. O Ministério Público Federal declarou que vai recorrer da sentença, sem apresentar detalhes. A decisão do TRF-6 na esfera criminal não tem impacto sobre o acordo de indenização de R$ 170 bilhões para reparação.”
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Esclarecendo comentário anterior, a absolvição foi proferida pela juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho do TRF-6. Numa sentença de 191 páginas, ela se justificou pela “ausência de provas suficientes” para estabelecer a responsabilidade criminal dos réus. “Quando um risco se concretiza em uma catástrofe colossal, os esforços de investigação deveriam ser prioritariamente dirigidos a descortinar as razões de ordem técnico-científicas que determinaram o evento, para que jamais volte a ocorrer”, ensina. E lembra a juíza o “acordo histórico”. na esfera civil que obriga a Samarco, a Vale e a BHP a se responsabilizarem pela reparação dos danos decorrentes da tragédia.
Pois é, o acordo que a AMM pede ao Supremo que seja anulado.
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