Forças Armadas são ‘poder moderador’? Óbvio que não!

Palácio do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Antonio Augusto/SCO/STF - 20.3.2024
Palácio do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Antonio Augusto/SCO/STF - 20.3.2024

Texto escrito por José de Souza Castro:

No Dia da Mentira, 1º de abril, vimos também algo que merece não ser esquecido, pois é verdade: as Forças Armadas não são poder moderador coisa nenhuma, como queriam Bolsonaro e o jurista Ives Gandra Martins, para dar novo golpe no Brasil.

Nesse dia da não mentira, o Supremo Tribunal Federal formou maioria para decidir a questão. Até o dia 8 de abril, todos deverão registrar seus votos em sistema eletrônico. Os seis que já votaram, formando maioria, têm ainda tempo para mudar seus votos, mas dificilmente o farão.

São eles:

  • o relator Luiz Fux,
  • o presidente do STF Luís Roberto Barroso,
  • os ministros Edson Fachin e André Mendonça, que acompanharam integralmente o relator,
  • além dos ministros Flávio Dino e Gilmar Mendes, que concordaram com Fux, mas fizeram acréscimos.

Dino sustentou que a decisão do STF deve ser encaminhada não só para a Advocacia Geral da União (AGU) como também para o ministro de Estado da Defesa, “a fim de que – pelos meios cabíveis – haja a difusão para todas as organizações militares, inclusive Escolas de formação, aperfeiçoamento e similares”. Gilmar Mendes acompanhou Dino nas ressalvas.

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino. Foto: Antonio Augusto/SCO/STF
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino. Foto: Antonio Augusto/SCO/STF

Uma consequência da decisão é que a prerrogativa do Presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento ao Legislativo ou Judiciário, não pode ser exercida contra os próprios Poderes entre si.

Esse processo começou a ser julgado no plenário virtual do Supremo no dia 29 de março e termina dia 8 de abril. Ele foi proposto em 2020 pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), mediante a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 6457.

Na ação, o PDT afirma que o artigo 142 da Constituição é interpretado por juristas reacionários e por setores da caserna como se as Forças Armadas devessem moderar conflitos entre os Poderes da República – e que isso tem gerado “inquietações públicas”. E pede que o emprego das Forças Armadas se limite aos casos e procedimentos de intervenção, estados de defesa e de sítio. (O PSOL fez pedido semelhante no ano passado.)

Fosse julgada antes, talvez o resultado dessa ADI tivesse inibido Jair Bolsonaro a querer justificar via “poder moderador” um golpe de estado ou a intervenção nas eleições presidenciais em 2022.

Em seu voto, Dino lembra os 60 anos do golpe de 1964 e diz que foi um “período abominável” na história constitucional brasileira. Ele recorda as cassações de três ministros do STF: Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva.

“Eles estão vivos na memória jurídica do Brasil; igual honra não têm os seus algozes – incluindo os profissionais do Direito que emprestaram os seus conhecimentos para fornecer disfarce de legitimidade a horrendos atos de abuso de poder”, fustigou.

Eventos recentes, prosseguiu o ex-ministro da Justiça do governo Lula em seu voto,

“revelaram que ‘juristas’ chegaram a escrever proposições atinentes a um suposto ‘Poder Moderador’, que na delirante construção teórica seria encarnado pelas Forças Armadas. Tais fatos lamentavelmente mostram a oportunidade de o STF repisar conceitos basilares plasmados na Constituição vigente – filiada ao rol das que consagram a democracia como um valor indeclinável e condição de possibilidade à concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs”.

Bolsonaro e os então comandantes das Forças Armadas, em foto de 2021. Crédito: Marcos Corrêa/PR
Bolsonaro e os então comandantes das Forças Armadas, em foto de 2021. Crédito: Marcos Corrêa/PR

Existe no Congresso uma PEC para mudar o texto do artigo 142, proposta por dois deputados petistas de São Paulo, Alencar Santana e Carlos Zarattini, para deixar explícita que a interpretação de Ives Gandra é equivocada. Querem também a anulação total da GLO (Garantia de Lei e da Ordem) e a proibição de que militares se envolvam na política de qualquer forma. O senador Jaques Wagner, do PT baiano, defende que não se deve acatar essas propostas para não melindrar os militares.

O comandante do Exército, general Tomas Paiva, já disse que é correta a decisão do Supremo de que não há poder moderador das Forças Armadas.

Não tenho dúvidas sobre o que pensaria o jurista mineiro Aristóteles Atheniense (que morreu vítima da Covid-19, no dia 3 de julho de 2020), sobre o parecer do colega Ives Gandra Martins. Dos três artigos que escrevi aqui sobre ele, é bem instrutivo este de junho de 2018 intitulado “Depois do homem que vestia saia, a Revolta da Pinga, em Pitangui“. Um trecho:

“Momentos antes, ele já havia alertado, sem citar nomes, mas que não tive dificuldade em identificar Bolsonaro como sujeito oculto, que ‘é visível o risco de pronunciamentos com efeitos plebiscitários, por falsas lideranças que propõem soluções demagógicas com o emprego da força, a um povo descrente e desinformado’.”


 

Nota da Cris: A esse respeito, vale também ler o editorial da “Folha de S.Paulo” no dia 2 de abril, que traz algumas palavras que complementam bem o artigo do meu pai, as quais destaco em negrito neste trechinho:

“Chega às raias do esdrúxulo, para não dizer ridículo, que o Supremo Tribunal Federal precise gastar horas a fio para formar maioria em torno do óbvio: as Forças Armadas não têm a atribuição de funcionar como um poder moderador no Brasil e a Constituição não permite intervenção militar sobre Executivo, Legislativo ou Judiciário.

Na atual conjuntura de polarização, entretanto, chega-se a julgar até o evidente, pois grassam em alguns setores da sociedade noções tortuosas acerca do Estado de Direito, alimentadas por fanatismo, quando não por rematada má-fé.

Em uma dessas interpretações tresloucadas, tomou-se o artigo 142 da nossa Carta Magna para convertê-lo —ou melhor, subvertê-lo— em amparo legal ao apetite golpista do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus seguidores.”

Com esta, me despeço, na esperança de que cheguemos ao dia 8 de abril com todos os votos dos ministros do STF unanimemente acordados em torno do óbvio.

***

Você também vai gostar destes posts:

➡ Quer reproduzir este ou outro conteúdo do meu blog em seu site? Tudo bem!, desde que cite a fonte (texto de José de Souza Castro, publicado no blog kikacastro.com.br) e coloque um link para o post original, combinado? Se quiser reproduzir o texto em algum livro didático ou outra publicação impressa, por favor, entre em contato para combinar.

 

➡ Quer receber os novos posts por email? É gratuito! Veja como é simples ASSINAR o blog! Saiba também como ANUNCIAR no blog e como CONTRIBUIR conosco! E, sempre que quiser, ENTRE EM CONTATO 😉

Canal do blog da kikacastro no WhatsAppReceba novos posts de graça por emailResponda ao censo do Blog da Kikafaceblogttblog


Descubra mais sobre blog da kikacastro

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Avatar de José de Souza Castro

Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

Deixe um comentário

Descubra mais sobre blog da kikacastro

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue lendo