Texto escrito por José de Souza Castro:
No Dia da Mentira, 1º de abril, vimos também algo que merece não ser esquecido, pois é verdade: as Forças Armadas não são poder moderador coisa nenhuma, como queriam Bolsonaro e o jurista Ives Gandra Martins, para dar novo golpe no Brasil.
Nesse dia da não mentira, o Supremo Tribunal Federal formou maioria para decidir a questão. Até o dia 8 de abril, todos deverão registrar seus votos em sistema eletrônico. Os seis que já votaram, formando maioria, têm ainda tempo para mudar seus votos, mas dificilmente o farão.
São eles:
- o relator Luiz Fux,
- o presidente do STF Luís Roberto Barroso,
- os ministros Edson Fachin e André Mendonça, que acompanharam integralmente o relator,
- além dos ministros Flávio Dino e Gilmar Mendes, que concordaram com Fux, mas fizeram acréscimos.
Dino sustentou que a decisão do STF deve ser encaminhada não só para a Advocacia Geral da União (AGU) como também para o ministro de Estado da Defesa, “a fim de que – pelos meios cabíveis – haja a difusão para todas as organizações militares, inclusive Escolas de formação, aperfeiçoamento e similares”. Gilmar Mendes acompanhou Dino nas ressalvas.

Uma consequência da decisão é que a prerrogativa do Presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento ao Legislativo ou Judiciário, não pode ser exercida contra os próprios Poderes entre si.
Esse processo começou a ser julgado no plenário virtual do Supremo no dia 29 de março e termina dia 8 de abril. Ele foi proposto em 2020 pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), mediante a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 6457.
Na ação, o PDT afirma que o artigo 142 da Constituição é interpretado por juristas reacionários e por setores da caserna como se as Forças Armadas devessem moderar conflitos entre os Poderes da República – e que isso tem gerado “inquietações públicas”. E pede que o emprego das Forças Armadas se limite aos casos e procedimentos de intervenção, estados de defesa e de sítio. (O PSOL fez pedido semelhante no ano passado.)
Fosse julgada antes, talvez o resultado dessa ADI tivesse inibido Jair Bolsonaro a querer justificar via “poder moderador” um golpe de estado ou a intervenção nas eleições presidenciais em 2022.
Em seu voto, Dino lembra os 60 anos do golpe de 1964 e diz que foi um “período abominável” na história constitucional brasileira. Ele recorda as cassações de três ministros do STF: Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva.
“Eles estão vivos na memória jurídica do Brasil; igual honra não têm os seus algozes – incluindo os profissionais do Direito que emprestaram os seus conhecimentos para fornecer disfarce de legitimidade a horrendos atos de abuso de poder”, fustigou.
Eventos recentes, prosseguiu o ex-ministro da Justiça do governo Lula em seu voto,
“revelaram que ‘juristas’ chegaram a escrever proposições atinentes a um suposto ‘Poder Moderador’, que na delirante construção teórica seria encarnado pelas Forças Armadas. Tais fatos lamentavelmente mostram a oportunidade de o STF repisar conceitos basilares plasmados na Constituição vigente – filiada ao rol das que consagram a democracia como um valor indeclinável e condição de possibilidade à concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs”.

Existe no Congresso uma PEC para mudar o texto do artigo 142, proposta por dois deputados petistas de São Paulo, Alencar Santana e Carlos Zarattini, para deixar explícita que a interpretação de Ives Gandra é equivocada. Querem também a anulação total da GLO (Garantia de Lei e da Ordem) e a proibição de que militares se envolvam na política de qualquer forma. O senador Jaques Wagner, do PT baiano, defende que não se deve acatar essas propostas para não melindrar os militares.
O comandante do Exército, general Tomas Paiva, já disse que é correta a decisão do Supremo de que não há poder moderador das Forças Armadas.
Não tenho dúvidas sobre o que pensaria o jurista mineiro Aristóteles Atheniense (que morreu vítima da Covid-19, no dia 3 de julho de 2020), sobre o parecer do colega Ives Gandra Martins. Dos três artigos que escrevi aqui sobre ele, é bem instrutivo este de junho de 2018 intitulado “Depois do homem que vestia saia, a Revolta da Pinga, em Pitangui“. Um trecho:
“Momentos antes, ele já havia alertado, sem citar nomes, mas que não tive dificuldade em identificar Bolsonaro como sujeito oculto, que ‘é visível o risco de pronunciamentos com efeitos plebiscitários, por falsas lideranças que propõem soluções demagógicas com o emprego da força, a um povo descrente e desinformado’.”
Nota da Cris: A esse respeito, vale também ler o editorial da “Folha de S.Paulo” no dia 2 de abril, que traz algumas palavras que complementam bem o artigo do meu pai, as quais destaco em negrito neste trechinho:
“Chega às raias do esdrúxulo, para não dizer ridículo, que o Supremo Tribunal Federal precise gastar horas a fio para formar maioria em torno do óbvio: as Forças Armadas não têm a atribuição de funcionar como um poder moderador no Brasil e a Constituição não permite intervenção militar sobre Executivo, Legislativo ou Judiciário.
Na atual conjuntura de polarização, entretanto, chega-se a julgar até o evidente, pois grassam em alguns setores da sociedade noções tortuosas acerca do Estado de Direito, alimentadas por fanatismo, quando não por rematada má-fé.
Em uma dessas interpretações tresloucadas, tomou-se o artigo 142 da nossa Carta Magna para convertê-lo —ou melhor, subvertê-lo— em amparo legal ao apetite golpista do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus seguidores.”
Com esta, me despeço, na esperança de que cheguemos ao dia 8 de abril com todos os votos dos ministros do STF unanimemente acordados em torno do óbvio.
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