Filme ‘Ficção Americana’: um novo olhar para o racismo

Cena do filme 'Ficção Americana'
Cena do filme 'Ficção Americana'

Vale ver no Amazon Prime Video: Ficção Americana (American Fiction)
2023 | 1h57 de duração | Classificação: 16 anos | nota 9

Imagine que você é um baita escritor de romances de ficção e, ao ir a uma livraria, não encontre nenhum de seus livros na seção de obras de ficção. Depois de muito procurar, os encontra numa prateleira mais escondida, sobre “estudos afroamericanos”. Ao questionar o livreiro, a explicação dele é a seguinte: “O autor deve ser negro”.

Mas o livro segue sendo de ficção, não? Por que ele tem que estar numa estante segregada, reservada aos negros?

Segregada. Eis um conceito que aparece muito quando estudamos o tratamento reservado aos negros na História.

Monk, o escritor protagonista deste filme, interpretado por Jeffrey Wright, questiona e critica outra forma de segregação a que os negros ainda são submetidos, na cultura e na arte: para ele, os livros e filmes com a temática “de negro” são enlatados, estereotipados e, em alguns casos, rasos, simplistas ou ofensivos.

Os personagens desses livros e filmes costumam ser de famílias desestruturadas, vítimas de violência policial, envolvidos com o crime, costumam só falar a “língua dos guetos”, e assim por diante.

Muitos negros são assim, claro. (E também muitos brancos, asiáticos, latinos etc). Mas o que Monk questiona é que tudo o que diga respeito aos negros tenha sempre esta imagem estereotipada.

E que isso seja feito para agradar a uma audiência majoritariamente branca. E agrada. Seu editor resume o pensamento, em dado momento: “Pessoas brancas pensam que elas querem a verdade, mas não querem. Elas querem se sentir absolvidas.”

Para provar seu ponto, Monk resolve criar um romance propositadamente ruim, com todos esses estereótipos, inclusive de linguagem, que ele abomina. Assina com um pseudônimo e entrega ao editor para vender.

E o que acontece depois é a parte cômica dessa sátira: o livro acaba virando um fenômeno de vendas.

Talvez se a história fosse só sobre esse dilema literário, estético e artístico, com um bocado de críticas à indústria literária e cinematográfica, ao marketing e à construção fácil de ídolos imaginários, eu nem teria gostado tanto assim dele. Porque essa parte do filme é legal, mas está longe de ser ele todo.

No recheio, está a vida real de Monk, com sua dificuldade de se relacionar com os outros, seu retorno para a família num momento delicado, com luto, envelhecimento, dramas familiares, pequenas histórias de amor – questões universais, e não restritas a negros ou brancos.

O filme nos entrega, portanto, o que seu personagem Monk defendia: uma boa ficção, cujos personagens todos são negros, mas que trata da vida, da morte, do amor, das más escolhas, dos riscos, e por aí vai. Muito além de um clichê enlatado sobre raça.

Pra melhorar, temos um elenco maravilhoso, mesmo aqueles com papéis menores. Tanto que dois deles acabaram indicados ao Oscar: Wright, como ator principal, e Sterling K. Brown, como coadjuvante.

Ficção Americana também concorre por seu roteiro adaptado, trilha sonora e na categoria principal, de melhor filme do ano.

Foram duas horas de filme que passaram voando, sem eu nem perceber, como há muito não acontecia.

“Ficção Americana” discute racismo, em suas várias formas – um assunto pesado, mas de um jeito leve e original. E nos fez pensar sobre questões que nunca tinham me passado pela cabeça. Este é o principal papel de uma boa ficção, não é mesmo? Sacudir a realidade.

Ficção Americana foi indicado a 5 Oscars em 2024

E venceu este único em destaque:

  1. Melhor ator principal (Jeffrey Wright)
  2. Melhor ator coadjuvante (Sterling K. Brown)
  3. Melhor roteiro adaptado (do também diretor Cord Jefferson)
  4. Melhor trilha sonora original
  5. Melhor filme do ano

Assista ao trailer do filme Ficção Americana:

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

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