‘Dois Estranhos’: quando isso tudo vai mudar?
Vale a pena ver na Netflix: DOIS ESTRANHOS (Two Distant Strangers)
Nota 9

“Cortesia. Profissionalismo. Respeito.” Estas três palavrinhas mágicas estão escritas nas viaturas do Departamento de Polícia de Nova York. Mas elas são desconhecidas pela maioria das pessoas negras abordadas pelos policiais – lá nos Estados Unidos, aqui no Brasil e acredito que em vários outros países do mundo.

São também desconhecidas pelas várias pessoas negras que, assim como George Floyd, foram MORTAS por policiais enquanto estavam apenas fazendo coisas banais como ir ao supermercado, dormir, estacionar o carro, passear com o cachorro, atravessar a rua, viver a vida, basicamente.
Estas pessoas são homenageadas por este impactante curta-metragem que está no catálogo da Netflix, merecidissimamente vencedor do Oscar deste ano na categoria.
O personagem principal, Carter (Joey Bada$$), acorda na casa de uma garota com quem saiu na véspera e tenta ir para sua própria casa, para dar comida ao cachorro. Não consegue. No meio do caminho, tinha o policial Merk (Andrew Howard).

O filme, de apenas 32 minutos muito bem aproveitados, trabalha com a ideia do loop temporal: Carter está preso naquele dia, sem conseguir voltar para casa de jeito nenhum, sempre impedido pelo policial Merk, que parece sempre disposto a matá-lo.
O efeito, além de nos fazer pensar pra caramba (por que este policial tem tanta cisma com o homem que não cometeu nenhum crime? Só porque ele é negro?), gera um suspense maravilhoso (como ele vai sair desse loop eterno? Existe solução para esta armadilha?).
O fim, obviamente, não vou contar nem um tiquinho, para não estragar, mas é muito bom.
Terminei de ver este filme e fui abrir o noticiário do dia. E descobri que a nossa polícia também não é muito diferente da nova-iorquina.
Desta vez, o alvo em destaque não era um negro, nem alguém da periferia, como de costume, mas um jovem de classe média que irritou manifestantes bolsonaristas. Os policiais entraram no prédio onde ele mora, subiram até o décimo-primeiro andar, tocaram a campainha da casa dele e o levaram preso porque, sem provas, algumas pessoas que aparentemente enxergam muitíssimo bem viram ele jogando um ovo da janela em direção à passeata que pedia a volta da ditadura militar.
Horas depois, quando o rapaz finalmente conseguiu deixar a delegacia e voltar para casa, ele negou ter feito o tal delito e desabafou: “Isso parece uma ditadura“.
Policiais que matam homens nas ruas sem que eles tenham cometido qualquer crime, policiais que matam homens que cometeram crimes, mas sem que tenham tido direito a um julgamento, policiais que prendem pessoas à revelia, sem provas de que tenham cometido qualquer delito. Todos esses são policiais que não entendem que vivemos em um estado democrático de direito.
Quando isso tudo vai mudar?
Talvez, como diz a canção de Bruce Hornsby que toca várias vezes ao longo do filme:
“That’s just the way it is” (É assim que é)
“And some things will never change” (E algumas coisas nunca vão mudar)
Ou ainda: “Because the law don’t change another’s mind”(Porque a lei não muda a mente de outra pessoa)
Bom, talvez algumas coisas nunca mudem mesmo, mas precisamos sempre lembrar que estão erradas.

P.S. Um dia depois que publiquei este post, PMs deram socos e mata-leão em um homem negro em João Monlevade (MG). A família denunciou que houve abuso e racismo. Parece que as coisas nunca mudam mesmo…
Assista ao trailer oficial do filme:
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Cristina Moreno de Castro Ver tudo
Mineira de Beagá, jornalista, blogueira, poeta, blueseira, atleticana, otimista, aprendendo a ser mãe. Redes: www.facebook.com/blogdakikacastro, twitter.com/kikacastro www.goodreads.com/kikacastro. Mais blog: http://www.otempo.com.br/blogs/19.180341 e http://www.brasilpost.com.br/cristina-moreno-de-castro