Eu estava em dúvida se iria escrever sobre o livro “Chuva de Papel”, de Martha Batalha. Demorei alguns dias acabando de absorver a história, antes de decidir postar sobre ela aqui.
A questão é que o protagonista da história, Joel, é um daqueles anti-heróis pelos quais a gente não sente empatia nenhuma (pelo menos eu não senti). Como o Balram de “O Tigre Branco“, ou um dos gêmeos de “Véspera“, de Carla Madeira.
Pra piorar (pro meu lado), ele é um jornalista das antigas, repórter carioca casca-grossa, que já cobriu de tudo um pouco – de assassinatos a corruptos a milicianos, passando pelo que ele não pôde cobrir porque a ditadura censurou.
Ou seja, eu tinha tudo para simpatizar com ele, jornalista que sou desde criancinha, mas não consegui.
E aí a vida dele cruzou com a de Glória, uma senhora da idade dele, arretada, valente e para quem não tem tempo ruim. Ela ganhou meu coração.
O livro vai fluindo bem no entrecruzar das duas histórias. O passado de Joel e de Glória é mesclado ao presente em que os dois se veem morando juntos num mesmo apartamento, isolados, no auge da pandemia.
(Aliás, o livro faz um retrato interessante da pandemia no Brasil, inclusive com algumas críticas ácidas ao presidente da ocasião, Jair Bolsonaro – sem precisar citar seu infame nome nem uma única vez, se não me engano.)
Vamos, aos poucos, destrinchando essas personalidades tão diferentes. E tudo corre bem até chegar à cena mais pungente, que me fez chorar e pensar: “Poxa, por que todos os autores brasileiros contemporâneos gostam de desferir socos na nossa cara?”
Li na orelha que este romance é “tragicômico”. A contracapa diz que é impossível “separar comédia de tragédia”. Não sei se eu estou amarga ou se o lado anti-herói de Joel me azedou, mas simplesmente não consegui enxergar toda essa comédia que os outros viram.
Claro, existe uma narrativa irônica (e também “ágil, fluida, coesa”, como descrevi no livro de estreia de Martha Batalha). Mas as histórias são duras. De menino de rua assassinado, de alcoolismo, de estupro e aborto e sonhos abafados pela dura realidade.
Sobra tragédia.
Por outro lado, embora eu não tenha visto nenhuma comédia, enxerguei muita beleza, especialmente na história de Glória. Parece que a especialidade de Martha é escrever sobre as mulheres, mesmo. Além de Glória, temos a vizinha Aracy, com seus chiuauas irritantes, que também enriquece a história com sua personalidade viva. E a mãe e a filha de Glória, personagens figurantes, mas muito marcantes.
Graças a esse lado belo, temos em “Chuva de Papel” uma perspectiva leve e prosaica da velhice, uma leveza possível mesmo diante de uma vida inteira de mazelas amareladas pelo tempo, guardadas em uma caixa de papelão.
Quase um manual para que, quando estivermos velhos, saibamos picotar tudo o que nos condena ao passado pesado e lançar no céu, como chuva de papel, com a promessa de um novo ano melhor.
“Chuva de Papel”
Martha Batalha
Ed. Companhia das Letras
222 páginas
R$ 47,45 na Amazon
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