Uma profecia, à Allan Poe, do futuro que nos espera com Bolsonaro

Texto escrito por José de Souza Castro:

Pelo que me lembro, só uma vez recorri a Rogério Cezar de Cerqueira Leite para escrever um artigo publicado aqui. Nosso famoso físico havia criticado, em dezembro de 2009, num artigo na “Folha de S. Paulo”, a má qualidade da cerveja produzida no Brasil. Na última sexta-feira, no mesmo jornal, ele fala de uma coisa, se possível, ainda mais grave: “a redução do humanismo ao imperativo biológico”.

Ou seja, o fim da civilização. Para algo tão lúgubre, nada melhor do que socorrer-se o autor, como num conto de Edgar Allan Poe, da sabedoria de um fantasma. E Cerqueira Leite o faz com grande maestria. O melhor é ler o artigo inteiro AQUI, mas, como sei que muitos leitores do blog não têm acesso à “Folha”, farei um resumo, tentando não perder muito da verve do autor. Tendo isso em mente, transcrevo os dois primeiros parágrafos:

“Era uma noite escura, sem lua, sem estrelas. Sem o canto dos grilos e sem o coaxar das rãs. Um silêncio absoluto, de som e de luz. Foi quando, subitamente, notei à porta uma silhueta sinistra, um vulto agourento. Sem rosto, sem ruído, sem forma. Lembrei-me de Edgar Allan Poe, de Machado de Assis e da visita perpétua do corvo profeta.

Ousei, vacilante, interpelar a lúgubre figura: “Quem sois?”. A resposta veio prontamente: “Sou o fantasma do Brasil futuro”. E depois de um momento de angústia e de perplexidade, que se aliavam à minha fragilidade, continuou: “Você já gastou uma das sete perguntas a que tem direito. Sete, pois sete foram as pragas do Egito”. E lá ficou o profeta, rígido, imóvel, até que tive a coragem de fazer-lhe a segunda pergunta: “A que viestes, qual é tua missão?”. Com o que, com voz rouca e soturna, me respondeu: “Aqui venho para dispor os lastros do retorno a tempos imemoriais, a volta ao passado primevo do homem, a redução do humanismo ao imperativo biológico”.

O eminente físico ficou estarrecido, mas criou coragem para fazer mais cinco perguntas. “Como pode pensar em ganhar tão difícil batalha, derrotar a civilização?”. Responde o espectro funesto: “Avanço sorrateiro, ambivalente, com pele de cordeiro. Aos poucos substituo a razão pela religião, a liberdade pela disciplina, a ética pela censura, a universidade pela escola militar, e o filósofo pelo obtuso e oportunista, a decência pela conivência”.

E não titubeia ao responder à quarta pergunta (“Mas com que forças o senhor conta para ter sucesso nessa guerra de extermínio?”): “Napoleão já dizia: ‘Quanto pior o homem, melhor o soldado’. Pois bem, quanto mais ignorante o crente, mais útil o energúmeno. Temos um exército de fanáticos e de oportunistas. Além disso, temos vários psicopatas e fundamentalistas inseridos em posições essenciais de governança do país. Temos meios para cooptar membros vorazes de nossas forças guerreiras, e com isso garantir “mudanças pacíficas”.

A quinta questão pareceu mais fácil de formular: “O senhor não estaria esquecendo a reação das instituições brasileiras, dos intelectuais, da elite empresarial?”. A resposta veio num tom irônico: “Ora, que intelectual arriscaria sua mesada, seu fim de semana na praia, pelo bem de seu país? Que instituição, que grupo empresarial abdicaria das benesses que premiam a conivência? Congressistas se vendem às pencas por “ementas”, ou melhor, por quireras de poder. Juízes são nada mais que vaidade e ostentação. Basta dar-lhes espelhos e tempo de televisão”.

Cerqueira Leite já se sentia derrotado, mas arriscou a penúltima pergunta: “Qual é a sua utopia, o seu sonho?”.  Mesmo parecendo um pouco constrangido, o fantasma rebateu: “Quem precisa de utopia, de sonho e de consciência? Só os fracos, os artistas, os poetas, os inúteis. Para nós, os poderosos, basta o capital”, completou.

Titubeando, a voz trêmula, insegura, saiu-se com a última pergunta: “Profeta ou fantasma, ou o que quer que sejas, diga: quando voltarás para a noite que negrejas?”.

E a resposta veio aterradora: “Nunca, nunca mais!”

Termina assim o artigo de Cerqueira Leite. E fiquei pensando no Corvo de Allan Poe pousado no ombro de Bolsonaro, a assombrar o nosso futuro… Até quando?


 

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Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

2 comments

  1. Texto interessante. Mas o contrário também é verdadeiro. Esse é exatamente o cenário que vivemos com o PT. Lula chegou como cordeiro imolado. Aos poucos se transforma em lobo. As liberdades estão sendo suprimidas. Não temos liberdade de expressão nem de ir e vir. Jundiciario está nas mãos dele. Congresso só precisa de mais dinheiro para se ajoelhar. Estão perseguindo políticos de oposição. A imprensa tradicional se vendeu. Isso não é democracia. Estamos a um passo de uma ditadura silenciosa.

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