Sobre o espírito de Natal e o ‘jogo do contente’, mais necessários que nunca

Quase todos os anos, desde que eu era bem novinha, gosto de ler “Milagre na Rua 34”, de Valentine Dabies, na época de Natal. Tenho uma edição bem surrada, de 1983, que meu pai me deu, com breves 117 páginas. Dá para ler em uma sentada.

E por que gosto tanto de ler este livro no Natal? Porque ele me faz lembrar por que eu gosto tanto desta época do ano. Não é pelo motivo religioso, não é pelos presentes, nem pelas comilanças. Não é por reunir diversas pessoas que às vezes passamos o ano inteiro sem ver.

E é, ao mesmo tempo, por tudo isso, resumido na seguinte expressão: o espírito de Natal.

O espírito de Natal é o quentinho que eu sinto no peito nesta época do ano, às vezes só de ver o tempo chuvoso do lado de lá da janela, despertando a nostalgia de natais passados. É o clima agradável que toma conta de todas as pessoas, que parecem subitamente mais sorridentes, mais generosas, mais solidárias e até mais tolerantes – mesmo depois de terem sido agressivas, intolerantes e cheias de ódio em todos os outros meses do ano.

Pode-se dizer que é um pequeno milagre que opera dentro da maioria das pessoas. E isso é mágica. E mágica é algo próprio do universo das crianças, que, quando viramos adultos, vamos deixando de lado, como a Dóris Walker do livro. Por isso, nesta época do ano, gosto de reler este livro: porque não basta eu cultivar esta mágica com meu filho, falando sobre Papai Noel, duendes e outras coisas fantásticas e maravilhosas. Eu também preciso voltar a acreditar em tudo isso – todos nós precisamos, nem que seja por um dia, para que o milagre também opere dentro de nós.

Neste ano de 2019, tão duro, que começou logo de cara com a posse de um energúmeno em Brasília e uma tragédia com quase 300 mortos em Brumadinho, chego à época de Natal me sentindo especialmente cansada e, mais que isso, incrédula.

Pela primeira vez em muitos anos, não consegui ler “Milagre na rua 34”.

A linda edição de ‘Pollyanna’ que estou relendo, da editora Pé da Letra

Em compensação, peguei o clássico infantojuvenil “Pollyanna”, que eu tinha comprado para minha sobrinha de 11 anos (e que descobri que ela já tinha lido), e resolvi reler agora. E descobri que, embora ele não tenha a mesma capacidade de Valentine Dabies de despertar nosso espírito natalino, ele tem uma capacidade tão mágica quanto de nos fazer ver o lado bom das coisas.

O famoso “jogo do contente”, da encantadora Pollyanna, é repetido à exaustão nas 184 páginas do livro escrito em 1913 pela norte-americana Eleanor H. Porter.

A pequena garotinha ensina os marmanjos, já perdidos em suas ranzinzices, a pararem de reclamar da vida e aprenderem a olhar o copo “meio cheio”. E ela opera verdadeiros milagres, a partir de sua excepcional pureza, alegria e generosidade.

Para falar a verdade, eu sempre fui um pouco como Pollyanna, não só quando criança. Aos poucos, porém, Bolsonaros, calotes ou desvalorizações no trabalho, desilusões amorosas, e outros solavancos em todos os campos da vida, foram me tirando esse otimismo nato.

Chego a este Natal desejando que todos nós – eu e vocês, que alcançaram esta parte do texto – possamos resgatar nossas Pollyannas interiores, nossas crianças que acreditam no lado bom das coisas e das pessoas, e ainda aquela parte da gente que acredita em Papai Noel e se inunda de espírito natalino.

Precisamos da força dessas entidades para aguentarmos o tranco do próximo ano. E, quem sabe, de muitos anos difíceis por vir (se formos acreditar no profeta que vai aparecer aqui no blog no post de 26 de dezembro…).

Um feliz Natal para vocês – e que seu maior presente seja este pó de pirlimpimpim, em dose suficiente para deixá-los mais fortes e confiantes!

Foto: Larm Rmah / Unsplash

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

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