A execução de Marielle, as capas de jornais e o Estado paralelo

Marielle Franco no plenário da Câmara Municipal do Rio, no último dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Foto: Reprodução / Facebook

 

Escrevi agora no meu Facebook:

“Passei o dia lendo as manifestações dos meus amigos sobre a morte de Marielle. (Todos muito sensatos, aliás. Devo ter bloqueado os imbecis em 2013). E eu muda, aqui. Nem um post no blog. Ainda estou tentando processar a gravidade do que está acontecendo no Brasil. Só sei que é grave, bem grave mesmo, pessoal.”

Apesar de ainda estar processando tamanha gravidade, resolvi que este blog não poderia deixar passar batido um episódio como este, um crime de execução de uma representante política eleita pelo povo, em plena democracia.

Primeiro, vale registrar as capas dos principais jornais do Rio e do Brasil nesta quinta-feira. Apesar de o crime ter ocorrido tarde da noite, na quarta-feira, dava tempo de a maioria dos veículos ter corrido para manchetar, ainda que fosse no segundo clichê. No entanto, acho que muitos simplesmente não perceberam a gravidade do problema naquele momento. Foi o caso da “Folha”, por exemplo, que deu uma chamadinha minúscula na dobra de cima da primeira página. Os jornais mineiros “O Tempo” e “Estado de Minas” nem sequer registraram na capa. O “Estadão” não manchetou, mas deu com um destaque melhor. Já os cariocas “Extra”, “Meia Hora”, “O Dia” e “Metro” reservaram o espaço adequado para a dimensão da notícia: a manchete. “O Globo” e “JB” deram espaço nobre, no alto de página, mas não a manchete. (Clique em qualquer imagem para ver em tamanho ampliado):

 

Vamos ver como serão as capas desta sexta, talvez mais proporcionais.

Na falta de palavras próprias para expressar minha consternação com o atual momento político do Brasil, compartilho as escritas ontem pela jornalista e estudante de direito Ivy Farias, às 23h36 desta quarta, ou seja, bem no calor do momento:

“Quem morreu?

O Fabio Sa e Silva escreveu que a democracia brasileira continua sendo um mal entendido. Quisera eu concordar mais se não fosse pelo fato de que hoje, 14 de Março de 2018, a vida ceifada não foi a de Marielle Franco.

Sim, a vereadora levou tiros na região central do Rio aonde faleceu no local. Mas ela, que nasceu na favela da Maré, se tornou socióloga graças a uma bolsa de estudos na PUC/RJ, fez mestrado na Universidade Federal Fluminense não morreu. E não digo por sua luta aguerrida e corajosa que começa e se mantém ao ser feliz na favela aonde nasceu. Não, Marielle vive em cada auto de resistência que chega aos pretos, pobres e de periferia deste país. Marielle vive na sobrevivência sincera de quem lida com revistas e balas perdidas nas comunidades brasileiras.

E quem morreu então? Fica claro que a passagem de Marielle para o que eu acredito ser o céu mostra que quem morreu fui eu, você que me lê, enfim, nós, brasileiros e brasileiras que ainda insistimos neste mal entendido que é o Estado Democrático de Direito.

No ano em que a Constituição da República “comemora” 30 anos, ver uma vereadora democraticamente eleita ser assassinada no centro de uma capital de estado demonstra que o Brasil rejeita toda e qualquer via que não a do Estado Paralelo. O assassinato cruel e pérfido de Marielle é o atestado final do Estado Democrático de Direito justamente em ano eleitoral.

Quer ganhar nas urnas? Primeiro você tem que ganhar sua vida. O jogo, que sempre foi sujo e injusto, agora apresenta a sua nova regra, a de fazer parte (ou apoiar parte) dos gestores de um Estado que controla de forma violenta a vida de milhões de pessoas sem qualquer processo ou procedimento minimamente legal.

Marielle lutou pela democracia, na democracia. Tombou, mas não caiu. Sua vida é a resposta de que sim, tropeçamos. Mas os golpistas das associações criminosas uma hora passarão mas o país fica. E este sim, gigante por sua própria natureza, de pé.

A nós, que sabemos que as instituições NÃO estão funcionando normalmente, deixou este triste obituário, dos mais difíceis que já escrevi:

“Mulher periférica, brasileira, Marielle Franco era vereadora pelo PSOL no Rio de Janeiro. Militante dos direitos humanos, feminista, deixa uma jovem filha.”

Boa noite. E boa sorte.”

 

Boa noite. E boa sorte para o Brasil.

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

4 comentários

  1. parabéns por juntar provas de como algumas empresas de comunicação tratam com descaso o genocídio da população negra.

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