Dilma escolhe Maiakovski como seu guia no inferno

Dilma em seu pronunciamento nesta quarta-feira, 31 de agosto de 2016. Foto: Lula Marques/ AGPT
Dilma em seu pronunciamento nesta quarta-feira, 31 de agosto de 2016. Foto: Lula Marques/ AGPT

Texto escrito por José de Souza Castro:

Acredito que os que vinham combatendo o golpe contra a democracia, representado pelo impeachment da presidenta da República por 61 votos dos senadores (contra 20) sentiram-se desanimados e tristes nesta quarta-feira, 31 de agosto. Eu fiquei assim, sem qualquer ânimo para escrever neste blog, até ouvir o discurso de Dilma Rousseff, pronunciado depois de ser cassada. “Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?”, disse ela, citando Maiakovski.

Maiakovski, o grande poeta russo, que completou:

“O mar da história é agitado/ As ameaças e as guerras, haveremos de atravessá-las,/ Rompê-las ao meio,/Cortando-as como uma quilha corta.”

É um discurso histórico, o de Dilma. Por que não tomar conhecimento dele? Se os jornais, rádios e tevês não o divulgarem, certamente o farão os sites na internet, como AQUI.

Para quem não o conhece, é um blog do jornalista Fernando Brito, que foi assessor do governador Leonel Brizola e com ele escrevia na década de 1980 o “Tijolaço”, pelo qual Brizola, que era sabotado pela imprensa carioca, pagava um espaço no “Jornal do Brasil” e depois em “O Globo”, para responder às críticas que eram feitas ao seu governo.

Dilma poderia ter aprendido com Brizola, mas não aprendeu, e deixou a imprensa hegemônica falando sozinha. Deu no que deu. Ela confessa ter cometido erros no governo – confissão explorada intensamente pelos adversários na imprensa – e este, não mencionado, foi um dos seus mais graves erros.

Antes de ver seu discurso, ouvi na televisão um comentarista dizendo que Dilma havia pegado pesado. Talvez ele se referisse a este trecho:

Dilma durante sua defesa no Senado, em 29.8.2016. Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Dilma chora durante sua defesa no Senado, em 29.8.2016. Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

“Acabam de derrubar a primeira mulher presidenta do Brasil, sem que haja qualquer justificativa constitucional para este impeachment.

Mas o golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido. Isto foi apenas o começo. O golpe vai atingir indistintamente qualquer organização política progressista e democrática.

O golpe é contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam por direitos em todas as suas acepções: direito ao trabalho e à proteção de leis trabalhistas; direito a uma aposentadoria justa; direito à moradia e à terra; direito à educação, à saúde e à cultura; direito aos jovens de protagonizarem sua história; direitos dos negros, dos indígenas, da população LGBT, das mulheres; direito de se manifestar sem ser reprimido.

O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência.”

Ou talvez a este trecho:

Lula estava presente no pronunciamento que Dilma deu após votação do impeachment. Foto: Lula Marques/ AGPT
Lula estava presente no pronunciamento que Dilma deu após votação do impeachment. Foto: Lula Marques/ AGPT

“Com a aprovação do meu afastamento definitivo, políticos que buscam desesperadamente escapar do braço da Justiça tomarão o poder unidos aos derrotados nas últimas quatro eleições. Não ascendem ao governo pelo voto direto, como eu e Lula fizemos em 2002, 2006, 2010 e 2014. Apropriam-se do poder por meio de um golpe de Estado.

É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo.”

Pode ter incomodado o colunista da Globo News também este trecho:

Foto: Lula Marques/ AGPT em 31.8.2016
Foto: Lula Marques/ AGPT em 31.8.2016

“Causa espanto que a maior ação contra a corrupção da nossa história, propiciada por ações desenvolvidas e leis criadas a partir de 2003 e aprofundadas em meu governo, leve justamente ao poder um grupo de corruptos investigados.

O projeto nacional progressista, inclusivo e democrático que represento está sendo interrompido por uma poderosa força conservadora e reacionária, com o apoio de uma imprensa facciosa e venal. Vão capturar as instituições do Estado para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e do retrocesso social.

Ou então, esse posicionamento corajoso da presidenta afastada:

“A descrença e a mágoa que nos atingem em momentos como esse são péssimas conselheiras. Não desistam da luta.

Ouçam bem: eles pensam que nos venceram, mas estão enganados.

Sei que todos vamos lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer. (…)

Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano.

Espero que saibamos nos unir em defesa de causas comuns a todos os progressistas, independentemente de filiação partidária ou posição política. Proponho que lutemos, todos juntos, contra o retrocesso, contra a agenda conservadora, contra a extinção de direitos, pela soberania nacional e pelo restabelecimento pleno da democracia.”

Pois é. O penúltimo golpe sofrido pela democracia no Brasil exigiu 20 anos de lutas e causou atraso irrecuperável na caminhada dos brasileiros rumo a uma sociedade mais justa e igualitária. Só posso esperar que, desta vez, se revertam mais rapidamente as consequências desse golpe.

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Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

11 comentários

  1. Dilma não erra quando chama o golpe de golpe. Como diz o Janio de Freitas em seu artigo de hoje na Folha (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2016/09/1809033-nenhum-golpista-ja-admitiu-ser-golpista.shtml):

    “Os que negam o golpe o fazem como todos os seus antecessores em todos os tempos: nenhum golpista admitiu ser participante ou apoiador de um golpe. Desde o seu primeiro momento e ainda pelos seus remanescentes, o golpe de 1964, por exemplo, foi chamado por seus adeptos de “Revolução Democrática de 64”. Alguns, com certo pudor, às vezes disseram ser uma revolução preventiva. É o que faz agora, esquerdista extremado naquele tempo, o deputado José Aníbal, do PSDB, sobre a derrubada de Dilma: “É a democracia se protegendo”. Dentre os possíveis exemplos pessoais, talvez nenhum iguale Carlos Lacerda, que dedicou a maior parte da vida ao golpismo, mas não deixou de reagir com fúria se chamado de golpista.”

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  2. Eu fiquei muito satisfeito com o impeachment. Acho que agora vai ficar mais fácil trazer de volta os milhões de dólares surrupiados pelo governo petista e que se acham depositados em contas secretas em paraísos fiscais. Torço ardentemente para que o Lula seja preso o mais rápido possível e que dona Dilma seja levada ao juiz Sérgio Moro para averiguações.

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    1. Incrível como você tem tantas certezas de crimes que outras pessoas cometeram, mesmo aqueles ainda nunca comprovados na esfera jurídica. Para um jornalista, estas certezas absolutas sem qualquer preocupação com a apuração dos fatos me surpreendem, até. Ou não 😀

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  3. Não podemos continuar envenenando a sociedade difundindo essa idéia de “golpe” e de resposta radical com protestos na rua ao impeachment. Isso faz mal ao Brasil, um país tradicionalmente pacífico e só serve para alimentar ódios e ressentimentos. O PT está saindo de cena como começou, ou seja, pregando o “quanto pior melhor”.

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    1. Para mim e para meu pai, autores deste blog, houve golpe. E não só para nós dois, mas para uma imensa quantidade de pessoas muito respeitáveis, a quem admiro muito (ver algumas aqui: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/04/1759881-ao-lado-de-lula-artistas-e-intelectuais-lancam-manifesto-contra-golpe.shtml ou aqui (estrangeiros): http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/44497/intelectuais+estrangeiros+criticam+golpe+branco+e+manifestam+solidariedade+a+brasileiros.shtml). E, espero estar enganada, mas prevejo um Brasil muito pior nos próximos anos.

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    2. Lana, tudo bem? “Isso faz mal ao Brasil, um país tradicionalmente pacífico”. Será? Com dezenas de milhares de pessoas sendo assassinadas anualmente no Brasil, por pequenas e grandes rixas, número maior do que o de muitos países em guerra? Melhor mesmo protestar nas ruas do que sair por aí matando. Protesto e catarse não rimam, mas pode ser uma solução.

      Quanto a se foi ou não golpe – eu acredito que foi, você não – há controvérsias, como diz o Veríssimo:

      “Acabou não sendo nem uma questão política nem uma questão jurídica, mas uma questão semântica. Afinal, o que o governo Dilma fez foi crime ou não foi crime? Na interpretação da acusação, foi crime imputável (horrível palavra) evidente. Para a defesa, não foi. Os argumentos dos dois lados eram incisivos e coerentes. No fim, a escolha foi entre dois tipos de histrionismos, já que era tudo teatro mesmo — e, no fim, não fez a menor diferença, pois os 61 senadores que imputaram (desculpe) a Dilma e os poucos que estavam a seu favor já tinham a cabeça feita. Foi golpe ou não foi golpe? Outra questão semântica. Teve cara de golpe, cheiro de golpe, penteado de golpe — mas há controvérsias.”

      O artigo completo aqui: http://oglobo.globo.com/opiniao/verissimo/

      Ah, costumo respeitar as opiniões divergentes (você também, não?). É o que me livra de ter perdido muitos amigos nos últimos meses, tempos de muito ruído e fúria e sem significado algum — para citar Shakespeare.

      Grande abraço.

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  4. Caro José de Castro,

    Estou só provocando. E pelo que vejo você continua lúcido e competente naquilo que faz. Parabéns. Não podemos deixar os anos nos vencerem.
    Um abraço,

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  5. Caro José de Castro,

    Vejo que continua bem posicionado e muito lúcido na defesa de suas teses. Afiado como sempre. Valeu. Era só para provocar. Creio que vivemos um momento muito difícil e de frustração com o país. Parabéns pela sua postura. Formulo votos de saúde e bem-estar a todos, inclusive sua filha, que conheci aqui na redação do Tempo.
    Um abraço

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    1. Obrigado pelos elogios, Lana. Faço o que posso para merecê-los. Vivemos juntos algumas batalhas importantes nos tempos da ditadura, batucando o teclado das Olivettis, época em que micro computador em redações não existia nem em sonhos. Entendo perfeitamente o seu desejo de provocar. Afinal, jornalista vive disso. É o que eu procuro fazer, nos meus escritos, sobretudo em tempos de Febeapa.

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  6. Quando o PT elegeu Lula, eu, que jamais seria petista, pensei: vamos esperar que tudo dê certo. Deu por pouco tempo, degringolou, descemos ao fundo do poço. Do jeito que estava não nos levaria a nada, e o impeachment foi feito de acordo e levantou a ponta do tapete. Agora, POR FAVOr, vamos deixar de mimimi e dar uma chance ao presidente que vocês petistas elegeram pois ele também teve votos. Deixem de blablabla…

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  7. Respeitosamente devo discordar de alguns colegas, não foi golpe, foi um ataque à soberania nacional, trata-se de guerra cibernética. O objetivo é meramente econômico, algo como dolo eventual, sigam o dinheiro que encontrão Platão.

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