Você deve ter assistido, ontem, ao pronunciamento da presidente Dilma Rousseff para o Dia do Trabalhador. Se não assistiu, veja aí em cima. Um dia após pesquisa eleitoral da CNT indicar que a intenção de voto em Dilma caiu, de 43,7% para 37%, em dois meses, ela veio a público não só para falar do trabalhador (dizer que o salário cresceu 70% acima da inflação e que houve a geração de mais de 20 milhões de novos empregos com carteira assinada, sendo que 4,8 milhões no atual governo), mas para, literalmente, defender seu governo do que chamou de “campanha negativa”, no que diz respeito, por exemplo, às acusações de gestão temerária na Petrobras.
Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem. Usar um pronunciamento para fazer política é algo que todos os presidentes do planeta fazem e sempre fizeram desde a invenção da roda, e não vou entrar nesse mérito específico aqui no blog.
O que me preocupou foi outra questão, que parece ter passado batido entre os analistas políticos que já li por aí.
Em ano eleitoral, a lei veda o reajuste salarial acima da inflação para os servidores, justamente para evitar duas coisas: que o atual mandatário — seja ele presidente, governador ou prefeito — use o salário como arma para ganhar votos de uma parcela significativa da população, e para evitar que, ao fazer isso, ele deixe uma bomba no colo do futuro mandatário eleito, que, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, precisa encontrar a casa minimamente em ordem para seguir em frente com a administração.
Está lá no artigo 73 da Lei 9.504/1997, que trata de normas para as eleições:
São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(…) VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.
No artigo 7 está definido o prazo de 180 dias antes das eleições, que venceu agora em 5 de abril.
(Por isso, diga-se de passagem é meio ridículo ver tanta gente ligada ao governo estadual ou à União promovendo greves a esta altura do ano.)*
Quantos são os servidores federais do Brasil hoje? Segundo estudo da Escola Nacional de Administração Pública, de 2013, os servidores ativos da União, incluindo os funcionários do SUS, são 1,13 milhão de pessoas. Não consegui descobrir um número mais completo que este, mas já é um contingente respeitável de eleitores, que a Lei 9.504 quer “proteger”, de certa forma.
Ou seja, Dilma não poderia ter ido à TV ontem para anunciar aumento salarial acima da inflação para esses servidores federais, porque estaria descumprindo a lei que trata das normas para as eleições. Ela não pode fazer isso desde 5 de abril e até a posse do novo presidente (ou a reeleição da própria Dilma).
No entanto, em seu pronunciamento, ela anunciou 10% de aumento para os beneficiários do Bolsa Família — valor também acima da inflação acumulada no ano**. Não acho que, com isso, ela esteja gerando uma bomba para o orçamento do futuro mandatário (sendo ela própria ou algum oponente), porque o valor do Bolsa Família é irrisório diante do orçamento total. Mas será que, ao anunciar esse aumento no valor da bolsa, ela não está “afetando a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais”? Afinal, estamos falando de um contingente de 50 milhões de pessoas, das quais boa parte deve ter título eleitoral.
É óbvio que partidos da oposição já chiaram, segundos após o fim do pronunciamento de 12 minutos. Provavelmente, vão lá entrar com suas representações e pleitear punições junto ao TSE. Talvez consigam, talvez nem queiram encarar esse risco político diante do exército de beneficiários/eleitores.
Caberá ao TSE e aos entendidos na coisa ver se essa minha interpretação faz sentido à luz da legislação, porque é só a interpretação de uma observadora beeeem externa aos fatos. Mas achei que valia a pena trazer a discussão para nosso blog. Prevejo, nos próximos cinco meses de campanha, um jogo bem sujo sendo travado por todos os candidatos, e espero que os eleitores saibam fazer análises sóbrias quando um ou outro extrapolar demais. Daqui, estarei de olhos bem abertos 😉
* Adendo na sexta-feira: o leitor Dalyson Cunha entrou em contato para destacar que, embora a lei proíba revisão geral da remuneração, ela não impede revisões pontuais, que vêm sendo pedidas por algumas categorias de grevistas, como a dos professores. Por isso, retiro minha crítica às greves — acho que elas são legítimas, previstas na Constituição e, agora que recebi esta explicação, vejo que também podem trazer resultados mesmo durante a campanha eleitoral.
** Mais um adendo na sexta: mas se considerar o período entre o último reajuste do Bolsa Família, em 2011 (época correta para se fazer um aumento, porque estava longe do período eleitoral), e o aumento de agora, o percentual de inflação acumulada foi maior, de 19,6%.
Leia também:
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- A ave de rapina tucana
- Lula + Maluf
- Promessas ao vento
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Ainda ontem falei com um conhecido meu carioca, que disse simplesmente que não acreditava neste Brasil como uma grande Nação para a sua geração, nem para a geração dos filhos dele, nem para a geração dos netos dele. Pessimista!
Sempre que aparece o nome Bolsa Família, apoio social que eu apoio mas o qual necessita de uma séria estruturação para deixarem de brincar aos votos, faz-me lembrar que todos esquecem que são cerca de 13 milhões de famílias que não fazem parte do IBGE como desempregados, ao contrário de como fazem a maioria esmagadora dos países cujos usufrutuários dos seus programas sociais constam como desempregados para as respetivas estatísticas, isto é, a verdadeira taxa de desemprego no Brasil ultrapassaria facilmente a barreira dos 20%, mas ninguém quer encarar essa realidade!
O seu artigo é ótimo! Passaria a tarde toda a escrever sobre ele, porque aborda muitos pontos sensíveis da política nacional.
Quo Vadis Brasil?
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Pois é, a coisa é tão complexa que não podemos nos ater nesse fla-flu político que se tornou o Brasil. Se você apoia o Bolsa Família (como, aliás, eu também apoio), já te taxam de petista. Se critica o governo por anunciar reajuste no Bolsa Família em cadeia nacional em plena campanha eleitoral, já te rotulam de tucana! Não conhecem o cinza: é tudo preto ou branco. Pois eu, embora goste de me posicionar em relação a cada assunto, direitinho, colocando pingos nos is, não permito que me enquadrem, muito menos por partido, porque não gosto de nenhum partido aos moldes dos que existem hoje. E se não gosto do PT, da forma como está hoje, gosto menos ainda do rival PSDB.
Enfim, as pessoas têm que aprender a analisar as coisas de forma menos apaixonada, pelo menos quando a análise diz respeito a política. De futebol e religião, já não exijo tanto hehehe
abraços!
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O Brasil vive políticas extremistas. Infelizmente! Daí a violência social.
Mas a verdade é que a taxa real de desemprego (analisei vários dados) ronda os 20%!
Abraço!
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Preocupante essa taxa que você registrou. Afinal, o desemprego baixo era um dos grandes méritos do governo Dilma.
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Pelas minhas terras nordestinas, ricas em pobreza e miséria social, o desemprego ultrapassa largamente os 20%. A taxa de 5 ou 6% do atual governo está maquiado pelo programa social BF.
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Entendo… A coisa só piora 😦
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Não sou especialista em números e muito menos em estatísticas mas, no meu dia a dia dos últimos cinco anos, tá um tormento conseguir faxineira, pedreiro, bombeiro, carpinteiro, eletricista. Minha prática me faz concluir que taxa de desemprego de 20% é um chute de Nelinho misturado com Éder Aleixo.
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Hehehe… como também não sou especialista, me abstenho por aqui.
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Sr. Silvio, Aqui não há chutes! Eu tenho um sítio no interior de Fortaleza, cercado de famílias que recebem o bolsa família e não consigo ninguém para trabalhar a terra e muito menos pedreiros, carpinteiros, e eletricistas, profissões que requerem uma certa especialidade. Sabe porquê? Eles não querem trabalhar para não perderem o subsídio social! E quando vão trabalhar são só seis horas diárias. Eles gostam de ficam em casa a plantar mandioca, milho e a ver o dia passar.
Treze milhões de famílias, algo entre os 30 a 45 milhões de brasileiros são do bolsa família e que não estão nas estatísticas como desempregados nem como ativos. São votos pré-contados.
No interior, por ocasião pré-eleições(está quase lá), os candidatos marcam com eles os dias para entregarem cesta básica, rede para dormir, placa dentária, filtro para a água, potes para armazenar água e algum dinheiro. Quando eles necessitam de construir ou reconstruir as suas habitações, também lhes é distribuído material de construção.
Uma boa semana de trabalho para todos!
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