A Barcelona sombria e engraçada ao mesmo tempo

ogoano

Ouvi a recomendação dos meus pais, que têm um gosto para livros muito parecido com o meu: este livro é muito bom, embora seja meio esotérico.

Esotérico. Esta palavra ficou balançando na minha cabeça por algum tempo, até que eu deitasse numa rede para ler o livro pela primeira vez. Tenho preconceito contra coisas esotéricas. Lembra tarô, horóscopo etc. (Eu até leio o horóscopo de vez em quando, mas mais para me divertir com o microconto que cabe ali dentro do que para acreditar no que ele tenta me dizer.)

Por outro lado, pensei que poderia ser um esotérico tipo o livro “O Cavalo Amarelo“, da mestre dos romances policiais Agatha Christie. Naquele livro, mortes aconteciam de forma misteriosa, havia bruxas e paranormais, magia negra e afins, mas tudo se resolveu de forma bastante racional no final.

O preconceito desapareceu de vez quando comecei a ler a primeira frase do livro. Carlos Ruiz Rafón escreve bem, pra valer, não é desses picaretas que ganham dinheiro fazendo best-seller ruim. E o herói do livro, que nos é apresentado já com a narrativa em primeira pessoa, é um aspirante a jornalista e um amante da literatura! Nenhum personagem poderia me inspirar mais simpatia (e empatia) de forma tão instantânea. Ele descreve as coisas a seu redor de forma soturna, lúgubre, sinistra, tétrica (e posso seguir desvelando os sinônimos, porque todos soam bem para o cenário do livro). A começar por Barcelona, que é uma cidade que, depois de ler este livro, tenho medo de conhecer. E continuando na Redação do jornal “La Voz de La Indústria” – se eu ainda fosse colegial, teria desistido de virar jornalista depois de ler a descrição de um ambiente de trabalho tão mesquinho e cheio de pessoas arrogantes, incompetentes e babacas.

O mais bacana do livro é essa forma de falar do personagem-narrador, David Martín. Ele não esconde pormenores desagradáveis, mas é engraçadíssimo, irônico, sarcástico, daquele tipo que não perde uma piada nem à beira do abismo. Isso torna a narrativa leve e fluida, mesmo que permeada de mistérios intrincados.

O que me desagradou um pouco foi o fim. É claro que não vou contar nada dele por aqui, mas fiquei desapontada por ter encontrado mais do esoterismo e menos do racionalismo da escola de Agatha Christie. De qualquer forma, posso dizer que, das 410 páginas do livro, é como se 400 valessem muito a leitura. Do tipo de querer esticar a luz acesa no quarto por mais uns minutinhos antes de dormir, mesmo com os olhos ardendo de tanto ler. Um tipo que não se encontra em qualquer autor de best-seller por aí.

“O Jogo do Anjo”
Carlos Ruiz Zafón
Editora Objetiva
410 páginas
De R$ 22,40 a R$ 49,90

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

4 comments

  1. Estou lendo “A Sombra do Vento”, porque após ler “Marina” sem dúvida Zafón está entre as leituras agradáveis que marcarão o meu ano. Fica muito envolvida com a forma com que ele escreve. =)

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  2. Do mesmo Zafon, recomendo A Sombra do Vento e O Prisioneiro do Ceu. Muito bons!
    Ja me recomendaram Marina, mas ainda nao li.
    Bjo

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