Para ver no cinema: 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO (12 Years a Slave)
Nota 9
Vamos primeiro ao contexto.
Os Estados Unidos de meados do século 19 eram basicamente divididos entre os Estados do Norte, mais industrializados, onde já vigorava a mão de obra livre assalariada, e os Estados do Sul, das plantations de cana e algodão, onde a mão de obra escrava negra era absoluta. Estamos falando de vinte anos antes da Guerra Civil (a Guerra de Secessão), que aconteceu entre as duas regiões norte-americanas entre 1861 e 1865. O estopim para a guerra foi a eleição de Abraham Lincoln, que era contrário à escravidão. Quando ele foi eleito, e antes de tomar posse, Estados do Sul se uniram contra os do Norte e a guerra começou, sem qualquer intervenção estrangeira. Lincoln só conseguiu abolir a escravidão em 1863, após a morte de mais de 600 mil soldados e o colapso do Sul.
Imagine então que, 20 anos antes, nos anos de 1840, a escravidão estava em pleno vigor nos Estados Unidos, mas já havia negros livres, principalmente no Norte do país. Eles ainda eram vítima de racismo e preconceito (como, aliás, até hoje), mas já viviam uma vida normal, com casa própria, trabalho assalariado etc. Enquanto isso, a escravidão persistia no Sul, sob um controle bastante rígido e truculento, que incentivava, por exemplo, a separação entre mães e filhos (como na história dos escravos no Brasil).
Solomon Northup – personagem real – era um dos negros livres, que vivia em Nova York, com mulher e dois filhos. Ele era violinista respeitado. Até que, como também acontecia naquela época, foi sequestrado e levado para New Orleans (um dos berços do blues, que acompanha a trama em toda a trilha sonora), onde ficou encurralado como um escravo por 12 anos (o título do filme, infelizmente, é um grande spoiler).
Lá no Sul, não adiantava ele dizer que era um “negro livre”: ele nem tinha os papéis, que ficaram no Norte, para comprovar. Não adiantava fugir: pra onde? Quem o encontrasse vagando pelas ruas, o recapturaria para revender. Não adiantava escrever uma carta: quem a postaria nos Correios? Os escravos não podiam mostrar que sabiam ler ou escrever, porque isso era considerado um perigo. Sua família e conhecidos do Norte não faziam a menor ideia de onde procurá-lo, nem do que tinha acontecido com ele. Estava, portanto, literalmente, encurralado na condição de escravo.
E assim se desenrolam as duas horas seguintes: com atuação estupenda dos três indicados ao Oscar – Chiwetel Ejiofor no papel de Solomon, Michael Fassbender como o dono da plantation e Lupita Nyong’o, que faz a escrava Patsey –, em uma ambientação perfeita desse período trágico da história, e com nossa expectativa ansiosa de como, afinal, Solomon conseguirá interromper esse ciclo de 12 anos de crueldade.
Será com seu talento de violinista e quase-engenheiro? Será contando com a ajuda de um branco? Será com a irrupção da guerra civil? Alguém o descobrirá naquele fim de mundo? Ele conseguirá fugir?
Uma coisa é certa: até que ele finalmente consiga voltar à condição de homem livre, veremos cenas muito fortes e tristes – que me fizeram chorar de soluçar –, ainda mais por sabermos terem sido verdadeiras. O filme é pesado, requer estômago. Tive sonhos com ele a noite inteira. Muitos podem dizer: ele incentiva o ódio racial adormecido. Eu discordo. Acho que conhecer nossa história é um dos vários caminhos para atingirmos a sabedoria e a civilidade, pela via da indignação. E também é necessário para evitarmos que o passado se repita e tragédias parecidas ressurjam. Os negros só foram finalmente libertados dessa condição de bichos em que foram obrigados a viver porque tiveram força para lutar e também tiveram o apoio de brancos que estavam no poder — a começar pelo presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln. Hoje o presidente daquele país é Barack Obama e foi preciso muita luta para se chegar até essa conquista – mas foi preciso, sobretudo, conhecer a história toda e aprender com os erros cometidos no passado.
***
O filme também concorre ao Oscar nas categorias de melhor figurino, melhor design de produção, melhor edição, melhor roteiro adaptado (das memórias escritas pelo próprio Solomon), melhor diretor (Steve McQueen) e melhor filme (prêmio que levou no Globo de Ouro e Bafta). Uma coisa que chama a atenção neste Oscar 2014 é como os principais filmes indicados são, nesta edição, baseados em histórias reais, fascinantes ou inspiradoras. É o caso de “O Lobo de Wall Street“, “Capitão Phillips“, “Trapaça” e “Philomena” – além de, é claro, “12 Anos de Escravidão“.
Assista ao trailer de ’12 Anos de Escravidão’:
Leia sobre outros filmes do Oscar 2014:
- Trapaça – nota 7
- Capitão Phillips – nota 9
- A menina que roubava livros – nota 8
- O Lobo de Wall Street — nota 9
- Blue Jasmine – nota 5
- Ela — nota 9
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Tem tudo para ser um ótimo filme.
12 Anos de Escravidão – Trailer Legendado.
Os cineastas brasileiros poderiam realizar um filme sobre a escravatura no Brasil, a do passado e a do presente!
Artigo interessante.
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É verdade, deveriam falar disso também no nosso cinema!
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